Regulamentação de criptoativos: Brasil será polo de segurança e inovação?

Regulamentação de criptoativos: Brasil será polo de segurança e inovação?
Para os consumidores finais, a regulamentação pode representar um marco de segurança e transparência/Pixabay
Publicado em 13/11/2024 às 11:39

Luciano Teixeira – São Paulo

O Banco Central do Brasil (BC) iniciou uma consulta pública para debater a proposta de regulamentação das sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais (VASPs). A iniciativa aborda também questões regulatórias para corretoras de câmbio, corretoras de títulos e valores mobiliários (CTVMs) e distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVMs). Este movimento visa dar eficácia ao Marco Legal das Criptomoedas (Lei nº 14.478/2022), estabelecendo critérios claros para autorização e operação das empresas que atuam no setor, que movimentou R$ 247,8 bilhões até setembro de 2023, com mais de 5 milhões de usuários no Brasil.

Objetivo: segurança e transparência no mercado de criptoativos

Especialistas e advogados da área afirmam que a entrada de bancos e corretoras tradicionais nesse segmento tem potencial para trazer maior segurança, transparência e expansão ao setor. Fabio Braga, sócio da área de bancos, serviços financeiros, fintechs e ativos digitais do Demarest, explica que o Banco Central sintetizou a atuação das VASPs criando três modalidades de sociedades: intermediárias de ativos virtuais, custodiantes responsáveis pela guarda dos ativos e corretoras que combinam ambas as funções”. “Essas categorias exigirão capital mínimo proporcional à complexidade e volume de suas operações, estabelecendo um patamar de responsabilidade mais elevado para os participantes do setor”, diz.

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O advogado Paulo Brancher, especialista nas áreas de tecnologia, bancos e serviços financeiros, criptoativos e questões relacionadas à indústria de inovação do escritório Mattos Filho, destaca que a regulamentação traz obrigações de transparência, controle contra lavagem de dinheiro, cibersegurança e regras mínimas para a contratação de terceiros. “Isso cria um mercado mais seguro e estruturado, elevando a seriedade das operações e incentivando a entrada de grandes players institucionais”, avalia. Ele acrescenta que a adaptação das empresas será um dos maiores desafios, uma vez que precisarão comprovar robustez econômica e conformidade com normas de governança e compliance.

Exigências e critérios para as VASPs

A regulamentação proposta impõe critérios rigorosos para o controle societário das VASPs. Os controladores e detentores de participações significativas deverão comprovar idoneidade, experiência no setor e ausência de antecedentes criminais. As regras também preveem a separação patrimonial dos ativos dos clientes em relação ao patrimônio das empresas, aumentando a segurança dos investidores. “Essas medidas são importantes para proteger os investidores em cenários de crise financeira”, reforça Brancher.

Tatiana Mello Guazzelli, sócia do Pinheiro Neto Advogados nas áreas de direito empresarial, com foco nos mercados financeiro, de capitais e de criptoativos, aponta que “a regulamentação exige que as empresas estrangeiras tenham uma sociedade no Brasil para prestar serviços de ativos virtuais aqui”. Ela ressalta que ainda há dúvidas sobre o que exatamente caracteriza operar no país, o que exige maior clareza para orientar empresas estrangeiras interessadas no mercado brasileiro.

Impacto no mercado de criptoativos e desafios regulatórios

A nova regulamentação pode transformar significativamente o mercado brasileiro de criptoativos. “Muitas das exigências são alinhadas com práticas já existentes no mercado financeiro tradicional, como gerenciamento de risco. Entretanto, existem novas regras específicas, como a ‘travel rule’, que exige a identificação da origem e destino dos ativos virtuais. Essa é uma camada adicional de compliance que os bancos terão que adotar”, avalia Tatiana Guazzelli. A “travel rule” traz desafios para a adaptação dos bancos e corretoras, mas também eleva a segurança das operações ao combater práticas como lavagem de dinheiro.

Para os consumidores finais, a regulamentação pode representar um marco de segurança e transparência. “Quando você investe ou utiliza criptoativos sob um marco regulatório claro, a confiança aumenta, pois há garantias de que as instituições seguem regras de compliance, segurança e proteção do consumidor. Isso reduz os riscos de fraudes e facilita a entrada de novos investidores”, analisa Paulo Brancher.

Consulta pública e debate aberto

A consulta pública ficará aberta até fevereiro de 2025, permitindo que empresas, associações e cidadãos apresentem sugestões sobre as normas propostas. “É fundamental que o Banco Central mantenha o diálogo aberto com o mercado, permitindo que as normas sejam ajustadas conforme as necessidades dos participantes”, explica Tatiana Guazzelli. A proposta prevê um regime de transição para as empresas já em operação, possibilitando que continuem atuando mediante comprovação de atividades anteriores e adesão a requisitos de conformidade, como controles internos e normas de prevenção à lavagem de dinheiro.

“O Banco Central também propõe um tratamento diferenciado para prestadoras de serviços que já atuam no mercado até a entrada em vigor das novas regras. Isso permite uma transição gradual e evita rupturas que poderiam prejudicar o mercado”, afirma Fabio Braga.

Oportunidades e inovação no mercado regulado

A regulamentação também pode ser um motor de inovação e crescimento para o setor. Paulo Brancher acredita que a transição de um mercado não regulado para regulado cria oportunidades para escritórios de advocacia e empresas que buscam se adequar às novas regras. “Ao criar um ambiente regulado, com regras claras e fiscalização eficaz, o Brasil pode se tornar um hub de inovação em ativos digitais, atraindo novos negócios e fortalecendo sua posição na economia global”, diz.

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Para os especialistas ouvidos por LexLegal, a regulamentação pode ser um catalisador para a inovação, desde que não seja excessivamente restritiva. “Quando há regras claras, os participantes se sentem mais seguros para investir em novas soluções, produtos e serviços”, explica Tatiana Guazzelli. No entanto, a advogada alerta para a importância de um equilíbrio regulatório, que proteja os consumidores sem sufocar a inovação.

Desafios para instituições financeiras e startups

A adaptação ao novo marco regulatório será um desafio, especialmente para instituições financeiras e startups que operavam com menos controle regulatório. “Com a necessidade de comprovar robustez econômica e conformidade com normas, haverá uma nova barreira de entrada. Mas, para quem tem visão de longo prazo, isso pode ser uma oportunidade de ganhar credibilidade e atrair mais investidores e parceiros”, explica Brancher.

Tatiana Guazzelli acrescenta que a exigência de que as VASPs ofereçam contas de pagamento para os clientes ainda precisa ser discutida. “Nem todas as empresas querem ou precisam oferecer contas diretamente, e seria mais adequado permitir flexibilidade, usando estruturas de instituições financeiras independentes, quando aplicável”.

Brasil como referência internacional em criptoativos

A regulamentação pode posicionar o Brasil como uma referência internacional no mercado de criptoativos. “Essa é uma abordagem equilibrada, criando regras claras sem proibir as atividades. Isso sinaliza ao mercado global que o país é um ambiente regulado, com estabilidade e previsibilidade para investidores”, avalia Brancher.

As mudanças, na visão dos especialistas, têm potencial para atrair grandes instituições financeiras e novas empresas de tecnologia. “Para que o Brasil se torne uma referência, é necessário um equilíbrio entre inovação e regulação, além de uma colaboração ativa entre setor privado, reguladores e demais partes interessadas”, explica Tatiana Guazzelli.

Impacto no longo prazo e próximos passos

No longo prazo, a regulamentação pode transformar o mercado de criptoativos em um setor mais robusto, seguro e competitivo. Os advogados da área destacam que o mercado é dinâmico e a regulamentação precisa acompanhar essa evolução. A perspectiva é de que, com a normatização, o Brasil caminhe para se consolidar como um dos principais mercados de criptoativos regulados do mundo, com oportunidades de crescimento, segurança para os investidores e inovação contínua.

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