Regulação de ativos virtuais pode transformar o mercado financeiro?

Regulação de ativos virtuais pode transformar o mercado financeiro?
As consultas públicas, que receberão contribuições até fevereiro de 2025, são vistas como um passo essencial para equilibrar inovação e segurança no mercado financeiro/Pixabay
Publicado em 09/12/2024 às 1:16

Luciano Teixeira – São Paulo

O mercado de ativos virtuais no Brasil está passando por um momento de transformação. Em novembro de 2024, o Banco Central (BC) lançou duas consultas públicas para discutir a regulamentação do setor. A proposta visa estabelecer diretrizes claras para o funcionamento de sociedades prestadoras de serviços relacionados a ativos virtuais, como corretoras e custodiantes, promovendo segurança jurídica, eficiência e solidez para esse segmento em crescimento.

A primeira proposta aborda o funcionamento dessas sociedades, classificando-as em três modalidades: intermediárias, custodiantes e corretoras de ativos virtuais. Entre os principais pontos, destacam-se as exigências de governança, limites mínimos de capital e obrigações específicas conforme a atividade exercida. Já a segunda consulta trata dos processos de autorização dessas sociedades, estabelecendo um tratamento diferenciado para entidades já em operação antes da regulamentação entrar em vigor.

O objetivo é claro: criar um ambiente seguro para consumidores e investidores, enquanto incentiva o desenvolvimento de novas tecnologias e a competitividade no mercado. Essa iniciativa reflete o compromisso do Banco Central em garantir que o Brasil se mantenha à frente na inovação financeira, com um ambiente regulatório adaptado às necessidades do setor.

As consultas públicas, que receberão contribuições até fevereiro de 2025, são vistas como um passo essencial para equilibrar inovação e segurança no mercado financeiro. Além disso, a regulação busca combater riscos associados ao uso de ativos virtuais, como fraudes e lavagem de dinheiro, ao mesmo tempo em que viabiliza o crescimento sustentável do setor.

Para discutir o impacto dessas regulamentações e o futuro das fintechs no Brasil, conversamos com Diego Perez, presidente da ABFintechs. Em entrevista, Em entrevista durante evento que ocorreu no Demarest sobre o tema, ele compartilha suas perspectivas sobre os desafios e oportunidades para o mercado de ativos virtuais, a posição do Brasil no cenário global e o papel das fintechs na inclusão financeira. Confira a seguir.

Luciano Teixeira: Diego, qual a importância da regulação de ativos virtuais para as fintechs e como a ABFintechs avalia esse processo?

Diego Perez: Na ABFintechs, representamos mais de 700 empresas de tecnologia que oferecem produtos financeiros. Essas empresas já estão sujeitas a diversas regulações, e o Brasil se destaca como um berço de inovação na América Latina. Nossa regulação, embora ainda precise evoluir, é eficiente e busca equilibrar o avanço da inovação com a segurança do mercado. Estamos lidando com recursos financeiros que, muitas vezes, representam as economias de uma vida de famílias, então é crucial garantir um ambiente seguro e confiável para que essas atividades cresçam de forma sustentável.

Diego Perez, durante seminário no Demarest: “Nossa regulação eficiente e iniciativas como o Pix são reconhecidas globalmente” /LexLegal/Direitos reservados

Luciano Teixeira: Quais são os pilares mais importantes para a regulação desse setor?

Diego Perez: Destaco três pilares fundamentais:

  1. Proteção do usuário: As regras devem proteger consumidores contra riscos como fraudes, golpes e ataques cibernéticos.
  2. Desenvolvimento do mercado: É importante criar condições para que o Brasil continue liderando em inovação financeira, tanto regional quanto globalmente.
  3. Competitividade: O ambiente regulatório deve permitir que novos entrantes desafiem o status quo, incentivando bancos e fintechs a inovarem continuamente.

Luciano Teixeira: Como o Brasil se posiciona em relação a outros países da América Latina e economias globais?

Diego Perez: O Brasil é líder na América Latina com grande vantagem. Nossa regulação eficiente e iniciativas como o Pix são reconhecidas globalmente. Comparando com hubs financeiros mundiais, São Paulo ocupa a quarta posição, atrás apenas de Nova York, São Francisco e Londres, superando cidades como Barcelona, Tóquio e Xangai. Isso reflete o ambiente favorável à inovação e o espírito empreendedor do brasileiro.

Luciano Teixeira: Diego, você mencionou o Pix como um exemplo de sucesso global. O que faz do Pix um modelo tão reconhecido internacionalmente?

Diego Perez: O Pix é reconhecido globalmente por sua eficiência, acessibilidade e ampla adoção em pouco tempo. Ele foi desenvolvido pelo Banco Central com uma abordagem colaborativa junto ao mercado, o que garantiu seu sucesso. Hoje, o Pix é mais eficiente que muitos sistemas semelhantes em países como Índia e Tailândia, movimentando bilhões de transações rapidamente e a baixo custo. Além disso, ele é um exemplo de como a tecnologia pode beneficiar tanto grandes empresas quanto pequenos empreendedores e indivíduos.

Luciano Teixeira: O modelo concentrado dos grandes bancos está mudando?

Diego Perez: Sim, mas é um processo gradual. Há 10 anos, mais de 85% do crédito estava concentrado em cinco grandes bancos. Hoje, esse número caiu para cerca de 75%. Nos serviços financeiros em geral, fintechs e bancos menores já respondem por 50% do mercado, graças a parcerias estratégicas e ao uso de tecnologia para expandir seus serviços.

Luciano Teixeira: Sobre a regulação de ativos virtuais, quais são os pontos prioritários nas propostas discutidas com o Banco Central?

Diego Perez: As discussões envolvem principalmente três tópicos:

  1. Regulamentação de ativos virtuais: Garantir um ambiente que proteja consumidores e investidores enquanto promove a inovação.
  2. Acesso ao mercado de capitais: Facilitar a captação de recursos por pequenas e médias empresas, algo essencial para o crescimento econômico.
  3. Tributação simplificada: Propostas para ajustar e simplificar a tributação de transações com ativos virtuais, evitando complexidade desnecessária e incentivando a formalização.

Essas propostas buscam garantir que a regulação seja adaptável e eficiente, sem sufocar a criatividade e o empreendedorismo que caracterizam o setor de fintechs.

Luciano Teixeira: Qual a importância das consultas públicas do Banco Central para as fintechs?

Diego Perez: As consultas públicas são essenciais para garantir que as regras propostas pelo regulador sejam debatidas com o mercado. Temos aproveitado essas oportunidades para apresentar propostas que garantam que as regulamentações sejam adaptadas às necessidades das fintechs, sem comprometer a proteção dos investidores e consumidores.

Luciano Teixeira: Ativos virtuais são frequentemente associados a atividades criminosas. Como a regulação pode ajudar a mitigar esses riscos?

Diego Perez: Atividades criminosas ocorrem em diversas formas, seja com dinheiro em espécie, Pix ou até imóveis. A regulação ajuda a criar barreiras e responsabilizar as empresas por identificar e bloquear transações suspeitas. Além disso, facilita a recuperação de valores para vítimas de golpes.

Luciano Teixeira: Como o Brasil pode se tornar ainda mais competitivo globalmente no setor financeiro e de inovação?

Diego Perez: O Brasil já lidera na América Latina e é destaque global, mas há espaço para melhorar. Precisamos continuar incentivando a digitalização dos serviços financeiros, simplificar ainda mais a regulamentação e investir em educação e capacitação. Outro ponto crucial é aprimorar a infraestrutura tecnológica, garantindo que tanto fintechs quanto consumidores tenham acesso fácil e seguro às inovações.

Além disso, é importante manter um diálogo constante entre reguladores, empresas e a sociedade para que as regras sejam flexíveis o suficiente para acompanhar a velocidade da inovação, mas também rigorosas para proteger o mercado.

Luciano Teixeira: Como as fintechs têm contribuído para a inclusão financeira no Brasil?

Diego Perez: As fintechs desempenham um papel fundamental na inclusão financeira, oferecendo produtos e serviços acessíveis a milhões de brasileiros que antes estavam fora do sistema bancário tradicional. Com tecnologias como aplicativos de pagamentos, microcrédito e soluções de investimento de baixo custo, essas empresas estão democratizando o acesso a serviços financeiros.

Por exemplo, fintechs têm ajudado pequenos negócios a se formalizarem e pessoas físicas a acessarem crédito com menos burocracia e taxas mais competitivas. Isso gera um impacto social significativo e fortalece a economia como um todo.

Luciano Teixeira: Quais são os desafios para equilibrar inovação e regulação no Brasil?

Diego Perez: O maior desafio é o timing. A inovação avança rapidamente, enquanto a regulação tende a ser mais lenta e cuidadosa. Isso é natural, pois o regulador precisa proteger o mercado sem criar barreiras que impeçam o avanço tecnológico.

Outro desafio é evitar o excesso de regulamentação, que pode sufocar empresas menores e novas ideias. Por outro lado, a ausência de regras claras pode gerar insegurança jurídica, o que afasta investidores e prejudica o desenvolvimento do setor. Encontrar esse equilíbrio é uma tarefa contínua, mas necessária para garantir que o Brasil continue sendo um exemplo de inovação financeira.

Luciano Teixeira: Quais são as oportunidades com ativos virtuais nos próximos anos?

Diego Perez: A tecnologia dos ativos virtuais, como blockchain, tem o potencial de revolucionar o mercado financeiro. Ela reduz custos e elimina intermediários, tornando o acesso ao mercado de capitais mais inclusivo. Isso beneficiará pequenas e médias empresas, além de investidores com menor capacidade financeira, democratizando o acesso a recursos e fomentando a inovação. O futuro é promissor, e continuaremos trabalhando para que a regulação acompanhe o avanço tecnológico, garantindo segurança e competitividade para o mercado brasileiro.

Luciano Teixeira: Para encerrar, qual sua mensagem para quem está entrando no mercado de fintechs e inovação?

Diego Perez: Minha mensagem é de otimismo, mas com uma dose de realismo. O Brasil é um país de grandes oportunidades, mas também de desafios. Para quem está começando, é essencial conhecer bem o mercado, entender as dores dos consumidores e buscar soluções que realmente façam a diferença.

Além disso, é fundamental estar atento às mudanças regulatórias e manter um diálogo aberto com os órgãos reguladores e outros players do setor. A inovação não é só sobre tecnologia; é também sobre colaboração e construção de um mercado mais eficiente, inclusivo e sustentável.

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