Apostas esportivas no Brasil: Quais são os desafios jurídicos e impacto econômico?
Luciano Teixeira – São Paulo
O mercado de apostas esportivas e de jogos no Brasil está em um momento de expansão acelerada, com implicações econômicas, sociais e jurídicas. Nos últimos anos, o setor tem atraído investimentos bilionários, gerado empregos e movimentado a economia, ao mesmo tempo em que provoca debates sobre sua normatização e as consequências para a sociedade. Com a regulamentação mais estruturada dos jogos de apostas de quota fixa, como as apostas esportivas, a expectativa é que o mercado continue a crescer, impulsionado pelo aumento do interesse dos consumidores e por novos atores que querem se consolidar em um setor promissor.
Um mercado em crescimento
Desde 2018, quando o Brasil sancionou a Lei nº 13.756/2018 que abriu caminho para as apostas esportivas, houve um aumento significativo no setor. De acordo com um estudo da PwC, o mercado brasileiro movimentou, só no ano passado, entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões. As apostas se tornaram uma febre nacional, com empresas de todo o mundo disputando espaço, especialmente no patrocínio de eventos esportivos e times de futebol. No entanto, com a nova regulamentação publicada pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda, incluindo a exigência do uso do domínio “bet.br”, o governo busca maior controle, transparência e arrecadação fiscal.
De acordo com Marcello Vieira de Mello, sócio-fundador do GVM Advogados, a situação assemelhou-se a “trocar o pneu com a bicicleta em movimento”, pois as apostas se popularizaram sem que houvesse um marco regulatório definido. Com a nova legislação em vigor, as empresas de apostas enfrentam o desafio de se adequar a normas rigorosas impostas pelo governo, incluindo práticas de compliance, segurança contra lavagem de dinheiro e proteção ao consumidor. A regulamentação também exige que as operadoras estabeleçam políticas de conscientização sobre o vício em jogos, promovendo um ambiente mais seguro para os apostadores.
Oportunidades e desafios
Entre os pontos positivos dessa expansão, segundo os especialistas, estão o crescimento econômico. “A regulamentação do mercado de apostas no Brasil tem como expectativa gerar significativa arrecadação tributária, promover a formalização do setor e impulsionar o desenvolvimento econômico, com a criação de empregos diretos e indiretos”, avalia Daniela Poli Vlavianos, do escritório Poli Advogados & Associados.
O governo espera que o controle das operações gere mais segurança jurídica, enquanto permite que receitas fiscais sejam investidas em áreas prioritárias, como saúde e educação. Para Bruno Borragine, sócio do Bialski Advogados, a nova legislação veio para formalizar um setor que até então operava em grande parte sem controle, delegando aos operadores a responsabilidade de atuar como “gateKeepers” do Estado, com rigorosos requisitos de compliance.
Impacto nos escritórios de advocacia
Os escritórios de advocacia têm adaptado suas estruturas para atender às novas demandas legais e regulatórias. Muitos criaram áreas especializadas em jogos e apostas para oferecer suporte jurídico, desde a criação de contratos com operadores até consultoria em compliance e proteção de dados. A atuação desses escritórios também se estende à resolução de disputas e conflitos de registro de domínios.
“Estamos preparados para oferecer assessoria, desde consultoria para pedidos de licença de funcionamento até o compliance regulatório setorial, envolvendo, entre outros temas, os fluxos financeiros transacionados entre casas de apostas e seus clientes, a prevenção à lavagem de dinheiro, a privacidade e proteção de dados, os direitos dos apostadores, as restrições e impedimentos, e o direito marcário dos operadores de apostas”, afirma Eduardo Bruzzi, sócio do BBL Advogados, especialista em monopólio de jogos e loterias no Brasil.
A expertise jurídica, portanto, é crucial para que as empresas operem em conformidade com as regras locais e internacionais, minimizando riscos e maximizando oportunidades. Segundo Borragine, essa especialização exige conhecimento multidisciplinar, abrangendo Direito Regulatório, Penal, Civil e de compliance. “Escritórios que investirem em expertise para atender a operadores de apostas estarão melhor posicionados para aproveitar o crescimento desse mercado”, diz.
Para Maria Cibele Crepaldi Santos, sócia do Costa Tavares Paes Advogados, a regulamentação do mercado de apostas online acarreta complexidade operacional e aumento de custos para as empresas. “Impõe obrigações como proteção ao consumidor, implementação de medidas contra fraudes e conformidade com normas de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo”, afirma.
Welington Arruda, criminalista, aponta que a regulamentação exige que as empresas atuem com conformidade estrita para evitar penalidades, como a suspensão de operações e até sanções criminais. “Traz maior transparência e segurança jurídica ao estabelecer padrões operacionais claros e auditáveis para as empresas, facilitando a fiscalização pelo governo. Quem se especializar certamente sairá na frente”, analisa.
Impacto no Consumo Familiar e na Economia
Além da necessidade de implementação de programas de compliance robustos, há o risco de aumento de problemas sociais, como o vício em jogos. O governo tem buscado mitigar esses riscos exigindo que as operadoras implementem medidas de autorregulação e ferramentas de controle, como limites de apostas e sistemas de bloqueio para jogadores em risco.
Por outro lado, há desafios que não podem ser ignorados. Um deles é o risco do aumento de problemas sociais, como a dependência de jogos e o endividamento dos apostadores. Também existe a preocupação com a lavagem de dinheiro e com práticas fraudulentas, exigindo que os operadores cumpram exigências de compliance.
O crescimento das apostas tem gerado impacto direto na economia brasileira e no comportamento dos consumidores. O estudo da PwC realizado em 2023 revelou que as apostas esportivas representam uma parcela significativa dos gastos das classes C, D e E, com tendência de crescimento. Nas classes D e E, as apostas chegam a representar 1,38% do orçamento familiar, podendo atingir 5,5% das despesas com alimentação agora em 2024. Parte do dinheiro que antes era direcionado a poupança, lazer e outras áreas agora é investido em apostas, demonstrando o impacto nas finanças pessoais.
“Precisamos estar atentos às novas tendências de mercado e aos novos interesses do consumidor brasileiro, além de refletir sobre como ele pretende investir seu orçamento”, alerta Luciana Medeiros, sócia da PwC Brasil. Entre as motivações dos apostadores, o desejo de “ganhar dinheiro” é predominante, mas a maioria dos que lucram com as apostas acaba reinvestindo os valores, perpetuando o ciclo de apostas.
“Entender como as apostas esportivas impactam o comportamento do consumidor é um desafio, uma vez que o cenário é volátil e dinâmico”, comenta Gerson Charchat, sócio da Strategy& no Brasil. “Precisamos compreender as motivações, preocupações e demandas dos consumidores para ajudar nossos clientes no desenvolvimento de planos estratégicos.”
A integridade do esporte também é uma preocupação central. “Hoje, o conceito de integridade está frequentemente ligado a apostas esportivas, onde é essencial garantir que os sistemas de apostas sejam livres de manipulação”, afirma Rodrigo Bertoccelli, sócio no Giamundo Neto. Ele é integrante do Programa de Integridade Tricolor, do São Paulo Futebol Clube, responsável pela elaboração das políticas e fiscalização. “A imprevisibilidade é a alma do esporte e qualquer violação a essa integridade desvirtua a essência do jogo, que é a disputa justa e emocionante.”
Para Guilherme de Carvalho Doval, sócio do escritório Almeida Advogados, o principal desafio regulatório enfrentado pelo mercado de apostas com a nova regulamentação é que a legislação ainda é recente e apresenta lacunas significativas. “Essas omissões impactam diretamente a operação das empresas de jogos e apostas online, que precisam recorrer a normas de outros setores para preencher essas lacunas regulatórias, gerando incertezas e aumentando a complexidade”, avalia .
Marcelo Cárgano, advogado e coordenador do Japan Desk no escritório Abe Advogados, explica que esse mercado ainda está em um processo de transformação, trazendo a atividade para a legalidade e criando um ambiente mais seguro tanto para os operadores quanto para os apostadores. “A nova regulamentação busca equilibrar o potencial econômico do setor com a proteção do consumidor e a responsabilidade social, respondendo a anos de vácuo regulatório”, afirma
Com a regulamentação estabelecida, o Brasil se torna um dos maiores mercados regulados de apostas do mundo, mas os desafios para equilibrar crescimento econômico e proteção dos consumidores permanecem.