Projeto de lei sobre processos estruturais avança no Senado para regulamentar casos complexos
A comissão de juristas responsável pela criação de um anteprojeto de lei sobre o processo estrutural aprovou nesta quinta-feira (31) o relatório final elaborado pelo desembargador federal Edilson Vitorelli. O documento, que define diretrizes gerais para o andamento desse tipo de processo nos tribunais brasileiros, deve ser entregue ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, até 12 de dezembro. Embora os processos estruturais já ocorram no Judiciário, ainda não há uma legislação específica que os regule.
O anteprojeto de lei sobre o processo estrutural busca estabelecer normas e diretrizes para a condução de processos judiciais voltados para a resolução de problemas complexos e de grande impacto social, que não podem ser solucionados por processos judiciais convencionais. Esse tipo de processo é chamado de “estrutural” porque seu objetivo é criar ou modificar estruturas de políticas públicas ou privadas, que sejam insuficientes para garantir direitos fundamentais ou resolver questões de interesse coletivo.
O conceito de processo estrutural envolve casos onde o Judiciário precisa mediar e orientar soluções que exigem a participação de várias partes, incluindo instituições públicas, privadas e a sociedade civil. Isso é comum em situações que demandam soluções de longo prazo e envolvem múltiplos interesses, como desastres ambientais, crises no sistema de saúde pública, segurança e educação, em que uma decisão pontual ou isolada não seria eficaz.
Nesses casos, a Justiça atua mediando negociações entre as partes para desenvolver soluções que atendam à complexidade dos problemas, como explica Vitorelli: “A edição de uma lei sobre o processo estrutural tende a fomentar uma condução mais participativa, democrática e construtiva dos processos judiciais, permitindo que as violações recorrentes a direitos sejam endereçadas de forma mais ordeira e com a colaboração de todos os envolvidos”.
O relatório aprovado pela comissão estabelece que os processos estruturais são “ações civis públicas voltadas para problemas estruturais” e define esses problemas como situações que não podem ser resolvidas por processos comuns e que se caracterizam por multipolaridade, impacto social, necessidade de intervenções duradouras e complexidade, além de envolver intervenções que afetam instituições públicas ou privadas. Casos como a reparação pelo rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, que resultou em indenizações de mais de R$ 37 bilhões, são exemplos práticos da aplicação desse conceito.
O anteprojeto sugere que o diálogo entre juiz, partes e demais interessados — incluindo os afetados pela decisão — seja a norma central para o processo estrutural. Prevê-se a realização de audiências públicas e consultas para ouvir os grupos impactados, com o objetivo de construir soluções que respeitem a realidade e os limites financeiros das partes envolvidas.
“O Brasil carece de um processo estrutural em meio a uma situação nacional de grande gravidade”, afirmou o subprocurador-geral Augusto Aras, presidente da comissão. Ele citou casos emblemáticos, como o rompimento da barragem em Mariana e as enchentes no Rio Grande do Sul, como exemplos da necessidade de direitos fundamentais serem garantidos por meio desse tipo de abordagem estrutural.
Para Wagner Pozzer, sócio coordenador da área de contencioso cível do escritório Rubens Naves Santos Junior Advogados, a aprovação do anteprojeto sobre o processo estrutural representa um avanço na gestão de casos complexos no Brasil. De acordo com o advogado, o projeto fortalece a responsabilidade processual, permitindo a eliminação de ações infundadas, sem sacrificar a análise de questões relevantes por detalhes formais.
“Promove o diálogo e a colaboração entre as partes, garantindo que, na ausência de consenso, as decisões sejam baseadas em informações completas e detalhadas. Com uma legislação específica, os processos judiciais passam a ser conduzidos de forma mais participativa e democrática, assegurando que violações de direitos sejam abordadas de maneira organizada e com a contribuição de todos os envolvidos, equilibrando a atuação do Poder Judiciário e os interesses coletivos”, avalia.
A comissão
A comissão de juristas, formada por 22 especialistas, é presidida pelo subprocurador-geral da República Augusto Aras. O colegiado foi instalado em junho pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. O anteprojeto aprovado pelo colegiado deve ser transformado em projeto de lei, analisado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados.
“O Brasil carece de um processo estrutural, no bojo de uma situação nacional de grande gravidade. Seja em Maceió, com a Braskem, seja no Rio Grande do Sul, com as enchentes, seja no caso de Mariana [MG], que ainda não se concluiu, seja no sistema penitenciário. Em tantos segmentos de carência, que exigem direitos fundamentais cumpridos, garantidos e assegurados” disse Augusto Aras.
O relatório de Edilson Vitorelli foi elaborado a partir de emendas propostas pelos membros da comissão. O colegiado promoveu três audiências públicas com especialistas e representantes da sociedade.