Violência contra a mulher: a necessidade da denúncia para a mudança de comportamento
Antonio Baptista Gonçalves*
Em 7 de agosto de 2006 foi promulgada a Lei Maria da Penha. De lá para cá foram feitas modificações e aprimoramentos legislativos, como a Lei de feminicídio, importunação sexual e ainda tramitam no Congresso projetos ligados ao tema.
A Lei Maria da Penha foi responsável por conquistas, como por exemplo, pesquisa do IPEA de 2015 que demonstrou que a aludida Lei reduziu em 10% a projeção de aumento da taxa de homicídios domésticos. Ademais, os grandes centros instalaram Delegacias contra a Mulher e as campanhas de conscientização e denúncia resultaram no disque 180, um canal criado para mulheres que estão passando por situações de violência que funciona em todo o país 24 horas por dia, e os números de denúncias cresceram desde a criação da Lei. Mesmo com avanços e conquistas, a realidade da violência ainda assusta, não apenas no Brasil, como também no mundo e dados da ONU revelam que diariamente 137 mulheres são mortas por um familiar, em média no mundo.
Em que pese os avanços e conquistas inegáveis advindos da Lei, os dados correntes ainda consternam, porque, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, o número de mulheres que sofreu algum tipo de violência doméstica foi de 258.941 em 2023, o que importa em um aumento de 9,8% em comparação com 2022.
O número 190, da Polícia Militar, foi acionado 848.036 vezes para reportar episódios de violência doméstica. E, ainda, no tocante às ameaças, houve um crescimento de 16,5% no número de casos – 778.921. E, por fim, foram 38.507 registros de casos de violência psicológica, um aumento de 33,8%.
Em 2023 foram registrados 3.181 casos de violência contra a mulher, ou seja, a cada 24 horas, oito mulheres foram vítimas.
No ano passado, segundo o Anuário, 1.467 mulheres foram assassinadas por causa do seu gênero. Em 63% o crime foi praticado por parceiro íntimo. Ademais, 1 estupro a cada 6 minutos (83.988 vítimas de estupro de vulnerável), uma taxa de 41,4 por 100 mil. De 2011 a 2023 os estupros cresceram 91,5%. E, ainda, 76% das vítimas eram vulneráveis, 88,2% do sexo feminino e, por fim, 61,6% das vítimas tem até 13 anos.
No âmbito processual houve avanços, afinal, somente nos cinco primeiros meses de 2024, foram registrados 380 mil casos de violência contra a mulher, segundo o Conselho Nacional de Justiça, temos 2,5 mil novas ações judiciais por dia em todo o país. No mês de abril houve um incremento de 78,5% ao número médio de casos na justiça. Se comparado com os mesmos cinco meses do ano anterior houve um aumento de 13,1%. No entanto, ainda há muito que precisa ser melhorado, em especial, as políticas públicas. As delegacias da mulher, os centros de referência, abrigos e o próprio sistema de justiça carecem de ampliação e aperfeiçoamento.
Em que pese o incremento, outros fatores precisam ser alterados para uma maior proteção à mulher. O principal é o aumento das denúncias. A denúncia é um importante instrumento de transformação comportamental, seja para inibir delitos futuros como para incentivar outras vítimas a se manifestar e irromper o ciclo da violência.
No caso das denúncias pouco ou nada importam o status social da vítima, se a pessoa for famosa, reconhecida ou com distinção social, isso não lhe confere um salvo conduto para ser um agressor, portanto, ao se sentir ameaçada ou se for vítima de violência cabe à vítima denunciar, pedir medidas restritivas e processar o agressor.
Ademais, o incentivo para a denúncia perpassa para outro ponto central da violência contra a mulher: a mudança da cultura machista brasileira.
O que precisa ser modificado não é a legislação, mas sim, a cultura da população brasileira, tanto para homens quanto para as mulheres. É preciso que se conscientize as mulheres de que elas não têm culpa alguma de seu amigo/namorado/companheiro/marido ser desrespeitoso, violento ou agressor. Ademais, também se faz necessário incentivar as mulheres com educação e cidadania que denunciem a violência dentro de seus lares ou fora dele.
A mudança do comportamento masculino passa diretamente pela ameaça da exposição dos abusos, assédios e demais ações desrespeitosas contra as mulheres. Esse é o norte a ser seguido a fim de se modificar condutas, a eficácia é maior do que o endurecimento penal, não que este deva deixar de existir, não é disso que falamos, mas claro está que sozinho, o endurecimento não tem sido a solução.
Se as grandes cidades e as capitais possuem Delegacias da mulher, o fato é que em municípios menores, a realidade nos mostra a falta de estrutura dos serviços. Segundo o IBGE, apenas 7% das cidades brasileiras contam com uma Delegacia da Mulher. Além disso, faltam casas abrigo, responsáveis pelo acolhimento de vítimas em situação extrema, centros de referência, além da demora para a realização das audiências, com desrespeito a medidas protetivas que deveriam ser aplicadas em 48 horas, dentre outros casos.
De tal sorte que denunciar, processar e se proteger é caminho a fim de garantir e efetivar a proteção aos direitos das mulheres. O agressor é conhecido, seja para estupro, violência ou feminicídio, portanto, não espere deixar de ser alvo para ser vítima para denunciar, ao menor sinal de violência psicológica, emocional já denuncie e se preserve para que a justiça apure o ocorrido e responsabilize os que praticaram algum delito sexual, ameaça ou violência doméstica. A justiça garantirá sigilo e não haverá exposição, independente da fama, respaldo ou reconhecimento do agressor. Denuncie.
*Antonio Baptista Gonçalves é Advogado, Pós-Doutor em Desafios en la postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela.