Tráfico humano na Ásia: por que brasileiros estão sendo aliciados e quais as questões jurídicas?
Luciano Teixeira – São Paulo
O paulistano Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, contatou sua família no Brasil para relatar que está detido em um centro de cibercrimes na fronteira entre Mianmar e Tailândia desde outubro. Segundo sua mãe, Cleide Viana, ele foi vítima de uma rede de tráfico humano após ser atraído por uma falsa proposta de emprego. Os criminosos estão exigindo R$ 120 mil para sua libertação.
Luckas é mais um caso de brasileiros aliciados por quadrilhas que utilizam vítimas como mão de obra em golpes virtuais, como fraudes envolvendo criptomoedas, jogos de azar e falsos investimentos.
O jovem havia viajado à Tailândia para trabalhar voluntariamente em um hostel em Bangkok, mas foi aliciado por uma nova proposta de emprego. Desde então, as comunicações com sua família foram limitadas. Em uma ligação recente, no dia 8 de dezembro, ele revelou o valor exigido para sua libertação.
Além de Luckas, outro brasileiro, identificado como Phelipe de Moura Ferreira, estaria detido no mesmo local. Ele tem mantido contato com sua família para compartilhar informações sobre a situação. O Ministério Público Federal informou que o procedimento referente a Luckas corre sob sigilo. O Itamaraty e a Polícia Federal também foram procurados, mas ainda não responderam.
Um problema crescente entre brasileiros
Este tipo de crime segue um padrão de tráfico humano crescente que afeta cidadãos brasileiros no Sudeste Asiático. Segundo o Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas (2021-2023), divulgado pelo Ministério da Justiça, 109 brasileiros foram vítimas desse tipo de crime na Ásia em 2022. A vulnerabilidade socioeconômica e a expansão das plataformas digitais são apontadas como fatores que facilitam o aliciamento.
A pandemia de Covid-19 agravou o problema ao migrar atividades criminosas, como fraudes em cassinos físicos, para plataformas online. Além disso, quadrilhas aproveitam a falta de fiscalização em países como Mianmar para explorar pessoas em situações de vulnerabilidade.
De acordo com investigações internacionais, essas quadrilhas atraem estrangeiros com falsas promessas de emprego bem remunerado. Após chegarem ao destino, as vítimas têm seus documentos retidos e são forçadas a operar em call centers clandestinos, aplicando golpes sob ameaças de violência.
“Territórios com baixa fiscalização se tornam um terreno fértil para o tráfico humano. O combate exige uma ação coordenada entre os governos de origem das vítimas e as autoridades locais”, explica Cecilia Mello, desembargadora federal aposentada e especialista em Direito Penal.
Desafios jurídicos e diplomáticos
O caso de Luckas expõe a complexidade de lidar com redes criminosas transnacionais. A Embaixada do Brasil em Mianmar foi notificada, mas enfrenta dificuldades para intervir devido às limitações jurisdicionais e à ausência de tratados específicos para esse tipo de situação.
A Embaixada vem sendo notificada de casos de aliciamento de brasileiros para trabalho em condições análogas à escravidão em Myanmar desde setembro de 2022. “Trata-se de esquema no qual empresas, supostamente do setor financeiro, oferecem vagas de emprego em operações alegadamente situadas na Tailândia. Tais ofertas são direcionadas a brasileiros e contemplam salários competitivos, comissões por ativos vendidos e passagens aéreas”, diz o Itamaraty em nota.
Segundo o governo brasileiro, na prática os nacionais brasileiros que são induzidos à assinatura de cláusula de confidencialidade, são transportados, por via rodoviária, para Myanmar, onde têm seus passaportes retidos e são submetidos a longas jornadas de trabalho, privação parcial da liberdade de movimento e possíveis abusos físicos. “Em tais circunstâncias, desaconselha-se fortemente a adesão a contratos de trabalho que se assemelham àqueles descritos acima”, diz o comunicado.
A criminalista Cecilia Mello ressalta a importância da Convenção de Palermo, um tratado internacional contra o crime organizado transnacional, do qual o Brasil é signatário. “Esse instrumento pode ser usado para pressionar pela cooperação das autoridades locais no resgate das vítimas e na desarticulação das redes criminosas”, diz.
Como o Brasil pode agir?
O combate ao tráfico de pessoas no Brasil requer ações coordenadas entre diferentes órgãos e a colaboração internacional. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigam e identificam aliciadores e operadores de redes criminosas que atuam no país. Um exemplo recente foi a Operação Rapax, que desarticulou uma organização criminosa especializada em tráfico de mulheres para exploração sexual e trabalho forçado na Europa. A operação contou com o cumprimento de mandados de prisão, bloqueio de bens e criptomoedas, além da cooperação internacional com a Europol e autoridades de países como Bélgica e Croácia.
Outra frente importante é o papel do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), que rastreia movimentações financeiras relacionadas às quadrilhas. O monitoramento de fluxos de dinheiro, incluindo o uso de criptomoedas, pode levar à identificação de membros da rede e facilitar sua responsabilização, além de mapear conexões internacionais.
“Rastrear os fluxos financeiros permite desmantelar as estruturas de financiamento das quadrilhas, além de identificar empresas de fachada e pessoas interpostas que viabilizam o crime”, explica Cecília Mello.
Além disso, a cooperação com organismos internacionais, como a Europol e as autoridades policiais de outros países, é essencial para enfrentar quadrilhas transnacionais. Essa articulação facilita o intercâmbio de informações, a localização de vítimas e a prisão de criminosos em diferentes jurisdições.
Medidas preventivas também são fundamentais, segundo os especialistas. Campanhas de conscientização podem ajudar a informar a população sobre os riscos e sinais de aliciamento, enquanto políticas públicas devem focar na redução das vulnerabilidades socioeconômicas que aumentam a exposição das vítimas ao tráfico humano.
Os casos de tráfico humanos evidenciam a necessidade de respostas mais rápidas e coordenadas para proteger brasileiros em risco no exterior. A urgência se reflete tanto no resgate imediato das vítimas quanto na implementação de estratégias para combater as redes criminosas que se aproveitam de vulnerabilidades sociais e econômicas.
“Esse tipo de crime só pode ser combatido com cooperação internacional efetiva, rastreamento financeiro e conscientização em larga escala. Proteger vidas deve ser prioridade”, conclui Cecilia Mello.