Teoria da “Perda de uma Chance”: Como o Direito reconhece e indeniza oportunidades perdidas
Mauro Dibe*
A teoria da perda de uma chance foi desenvolvida na França (la perte d’une chance) e tem aplicação quando um evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.
O precedente mais antigo no direito francês foi um caso apreciado em 17 de julho de 1889 pela Corte de Cassação, que reconheceu o direito de uma parte a ser indenizada pela conduta negligente de um auxiliar de justiça que tirou da parte a possibilidade de ganhar o processo.
Saliente-se que houve uma dedicação maior do tema por parte da doutrina e da jurisprudência francesa que, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou -se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, um dano decorrente da perda da chance.
Assim, passou a ser desenvolvida uma teoria específica para estes casos, que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem que não pôde ser realizada, fazendo-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. Foi assim que teve início a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.
Na Itália, a inicial resistência ao acolhimento da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance sucumbiu às consistentes manifestações favoráveis de importantes juristas, como Adriano De Cupis e Maurizio Bocchiola.
Segundo os autores italianos, existem características comuns entre a chance e o lucro cessante no que tange a prova do dano, pois em ambos os casos a prova da certeza não poderá ser mais do que uma prova da verossimilhança.
No entanto, no lucro cessante, o autor não deve provar o lucro em si, mas os requisitos necessários à verificação desse lucro, enquanto na perda de uma chance o acontecimento do resultado útil é impossível por definição. Assim, a perda de uma chance não poderia ser indenizável como lucro cessante, mas como dano emergente, pois a “chance” já fazia parte dos bens da vítima. Como uma espécie de dano emergente restaria superado o problema da certeza do dano para concessão da indenização.
No Brasil, nessa mesma linha, Sérgio Savi defende que, quando a perda da chance causar danos materiais, os mesmos devem ser considerados danos emergentes e, como tais, encontram previsão legal na primeira parte do art. 402 do Código Civil. Para o autor, ao se inserir a perda da chance no conceito de dano emergente, “elimina-se o problema da certeza do dano”.
Com efeito, se o dano material causado pela perda da chance enquadra-se no conceito de dano emergente, não haveria como se admitir o posicionamento contrário à integral reparação do dano sofrido pelas vítimas nesses casos, desde que as chances sejam sérias e reais.
De todo modo, a natureza jurídica do dano pela perda da chance é um tema que não possui unanimidade. Na doutrina a quem entenda, em razão das peculiaridades desse dano, impossível adequá-lo às noções estabelecidas do dano emergente ou lucro cessante, por isso propõem a criação de uma terceira modalidade dano, constituída exatamente pela perda das chance.
Sílvio de Salvo Venosa, afirma ser a perda da chance um terceiro gênero de indenização, que estaria “a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante” e que havendo certo grau de probabilidade, a mesma passa a entrar na esfera do dano ressarcível.
Nessa linha, Caitlin Sampaio Mulholland, ao tratar da situação em que um advogado contratado para ajuizar uma determinada ação, deixa de intentá-la no prazo tempestivo, levando à impossibilidade de conhecimento do pedido, afirma que existirá a hipótese de perda da chance do seu cliente ter a demanda devidamente ajuizada e discutida. Nesse caso, a indenização arbitrada não se confunde com o valor do dano emergente e do lucro cessante sofrido, na medida que não se sabe se de fato a demanda seria vencedora.
Isto porque, com a perda da chance não ocorre uma diminuição do patrimônio do lesado (dano emergente), nem se representa a hipótese de uma perda de vantagem futura e certa (lucro cessante), mas a perda da possibilidade de alcançar uma vantagem futura ou evitar uma perda. Nessa linha, faltariam requisitos para que o dano pelas chances perdidas possa ser considerado um dano emergente ou lucro cessante, até porque a forma de apreciação do quantum debeatur seria diversa da metodologia utilizada para apuração do montante indenizatório do dano pela perda da chance.
A indenização pela perda de uma chance ou de uma oportunidade pode ser entendida, assim, como um tertium genus na teoria da responsabilidade civil, já que constitui o ressarcimento pela privação das chances de se obter um lucro ou de se evitar um determinado prejuízo.
Esse posicionamento conjuga as duas teses (lucro cessantes e dano emergente), observando na perda da chance características únicas e inerentes a modalidades diversas de danos. Reconhece a chance com uma parte atual do patrimônio, mas também lhe atribui a característica de incerteza, demonstrada pela possibilidade de ocorrência.
Nesse diapasão, se a vítima comprovar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), restarão configurados os pressupostos do dever de indenizar.
Sublinhe-se que a definição se o dano gerado pela perda da chance possui natureza patrimonial ou extrapatrimonial, deve ser feita tendo por base o bem, direito ou interesse violado.
Caso um advogado deixe de interpor um recurso em uma demanda que versa sobre interesse de natureza eminentemente extrapatrimonial (como por exemplo guarda de um menor), sem consequências diretas na esfera patrimonial que pudesse verificar, não há maneira de afirmar que o dano pela perda da chance seja dano patrimonial.
Por outro lado, caso um advogado deixe de interpor um recurso e uma demanda trabalhista que versa sobre pagamento de verbas rescisórias e contratuais, o dano pela perda da chance será de natureza patrimonial.
É importante sublinhar que o Código Civil Brasileiro, elaborado sob forte influência do Código Civil francês, transpôs para o ordenamento jurídico brasileiro um sistema de responsabilidade civil muito parecido com os sistemas francês e italiano. Isto porque o Código Civil estabelece em seu artigo 186 uma cláusula geral de responsabilidade civil, dispondo expressamente que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Nesse diapasão, ao tratar das consequências do ato ilícito, o artigo 927 do Código Civil é categórico: “aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Ou seja, o Código Civil Brasileiro, assim como os Códigos Civis Francês e Italiano, também utilizou um conceito amplo de dano, sem delimitar quais seriam as espécies de danos abarcados no conceito. Desse modo, não haveria no Código Civil Brasileiro qualquer entrave à indenização das chances perdidas.
Pelo contrário, a interpretação sistemática das regras sobre responsabilidade civil traçadas pelo legislador nos leva a acreditar que as chances perdidas, desde que sérias, deverão ser sempre indenizadas quando restar provado o nexo causal entre a atitude do ofensor e a perda da chance.
Nessa linha, é importante destacar que, além da existência da cláusula geral de responsabilidade civil em nosso Código Civil, os artigos 402 e 944, ao estabelecerem que o credor terá direito a obter o que efetivamente perdeu e o que razoavelmente deixou de lucrar, e que a indenização se mede pela extensão do dano, acabaram por positivar um importante princípio da responsabilidade civil, qual seja, o da reparação integral dos danos, estabelecendo um equilíbrio entre o dano e a reparação.
Como afirma Maria Celina Bodin de Moraes, a CRFB/88 ao estabelecer a dignidade humana como princípio fundamental da república (1º, III) e consagrar como objetivo fundamental da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (3º, I), acabou por transpor para o texto constitucional o princípio da reparação integral dos danos.
Segundo o Ministro Luis Roberto Barroso, se a CRFB/88 estabelece que a reparação deve ser justa, eficaz e, portanto, plena, não há como se negar a necessidade de indenização dos casos em que alguém perde uma chance ou oportunidade em razão de ato de outrem.
Vê-se, assim, que ao se deparar com uma ação de responsabilidade civil, o julgador deverá procurar sempre atender ao princípio da reparação integral dos danos. Contudo, se em determinado caso concreto houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá reduzir equitativamente a indenização, pois, neste caso, privilegiará outro princípio constitucional, que é o da justiça.
Acresça-se que a evolução da responsabilidade civil fez com que o foco da atenção do julgador mudasse do ato ilícito para a proteção da vítima contra os danos considerados injustos, como é o caso da perda da chance. Maria Celina Bodin de Moraes, em sua obra “Danos à Pessoa Humana”, explica que “o Direito Civil atual inverteu o polo e concentra-se na pessoa da vítima, considerando que, se alguém sofre um dano imerecido, faz jus, em princípio, à indenização.”
Note-se, assim, a inversão do fundamento geral de responsabilidade, que hoje tem por princípio geral a ideia de que a vítima não deve ficar irresarcida, em lugar da máxima que vigia anteriormente na matriz liberal, isto é, “nenhuma responsabilidade sem culpa”.
Esse novo fundamento para a responsabilização que foi desenvolvido revela que passou-se a admitir a responsabilidade daqueles que causassem danos simplesmente em razão do exercício de suas atividades.
A Responsabilidade Civil focada no dano injusto permite, portanto, que as situações subjetivas sejam analisadas em conjunto e não mais isoladamente, como ocorria antes da interpretação dos institutos do direito civil à luz da Constituição, o que permitirá a mais efetiva realização de justiça.
A perda de uma chance, por sua vez, na grande maioria dos casos, será considerada um dano injusto e, assim, passível de indenização. Sublinhe-se que, não interfere na qualificação da perda de uma chance a distinção estrutural que existe entre responsabilidade civil por ação ou omissão.
Vê-se que a modificação do foco da responsabilidade civil, para a vítima do dano injusto, decorrente da evolução da responsabilidade civil, acaba por servir como mais um fundamento para a indenização do dano decorrente da perda de uma chance.
O acolhimento da Teoria da Responsabilidade civil por perda de uma chance pelo STJ
A teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance é amplamente acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Note-se que a Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial 1.254.141/PR que julgou ação relacionada a erro médico, consignou que a responsabilidade civil pela perda da chance consubstancia uma modalidade autônoma de indenização, passível de ser invocada nas hipóteses em que não se puder apurar a responsabilidade direta do agente pelo dano final.
Nessas hipóteses, o agente não responde pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas apenas pela chance de que ele privou outra pessoa. Com isso, de maneira eficiente, pode ser solucionada a perplexidade que a apuração do nexo causal pode suscitar.
Já no julgamento do Recurso Especial no 1.079.185 – MG, ao tratar de uma ação de responsabilidade civil de advogado por perda de prazo de apelação, a ministra Nancy Andrighi declarou: “Não há dúvida de que, em determinados casos, a perda da chance, além de representar um dano material, poderá também, ser considerada um “agregador” do dano moral. O que não se pode admitir é considerar o dano da perda da chance como sendo um dano exclusivamente moral”.
De aplicação normalmente complexa, a teoria da perda de uma chance em casos de perda de prazo por advogado é continuamente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). No julgamento do Agravo em Recurso Especial no 878.524-SP, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao agravo interno onde a agravante invocava a responsabilidade civil dos advogados que falharam na prestação de serviços advocatícios, em decorrência da perda de prazo processual para a interposição de recurso, subtraindo sua única chance de obter o ressarcimento dos prejuízos suportados.
No julgamento, o órgão colegiado declarou que o fato de o advogado ter perdido o prazo para contestar ou interpor recurso não ensejaria automaticamente a responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance, pois é fundamental verificar probabilidade séria e real que a parte teria de se sagrar vitoriosa ou de ter a sua pretensão atendida.
Nesse caso, o acórdão, com base nos elementos de prova, concluiu inexistirem chances concretas de êxito do recurso apresentado intempestivamente pelo advogado.
Importante observar que, para o acolhimento da teoria da perda de uma chance em caso de perda de prazo por advogado, não se está a exigir certeza de ganho de causa, o que seria impossível. No entanto, também não se admite que mera perda de prazo para interposição de recurso pelo advogado possa ensejar, por si só, o direito à indenização. O que se exige é a existência de concretas expectativas de êxito.
No julgamento do Recurso Especial no 1758767/SP, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou, no mesmo sentido, que a ausência de probabilidade de sucesso no recurso que deixou de ser interposto tempestivamente pelo advogado não enseja responsabilidade civil do advogado quando ausente a probabilidade de sucesso do recurso.
Acresça-se que, de acordo com o Ministro Relator, Paulo de Tarso Sanseverino, a característica essencial da perda de uma chance é a certeza da probabilidade. “A chance é a possibilidade de um benefício futuro provável, consubstanciada em uma esperança para o sujeito, cuja privação caracteriza um dano pela frustração da probabilidade de alcançar esse benefício possível”.
Os julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema revelam que, a perda de uma chance é técnica decisória criada para superar as insuficiências da responsabilidade civil diante de lesões a interesses aleatórios. Dessa forma, a teoria não se aplica na reparação de “danos fantasiosos”, e não serve para acolher “meras expectativas”.
Note-se, ademais, que na configuração da responsabilidade pela perda de uma chance não se vislumbrará o dano efetivo mencionado, sequer se responsabilizará o agente causador por um dano emergente, ou por eventuais lucros cessantes, mas por algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa.
A quantificação do dano
Além das dificuldades inerentes à identificação da possibilidade de chance séria e real eventualmente perdida, surge uma dificuldade ainda maior, qual seja, a do arbitramento do valor da chance perdida pelo Magistrado.
A quantificação do dano deverá ser feita de forma equitativa pelo juiz, que pode partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada.
Conforme afirma Judith Martins Costa, inexistindo regra própria para avaliação do dano ou para sua liquidação, deve ser aplicada outra cláusula geral, que estava prevista no artigo 1.553 do Código Civil de 1916, que a remete ao arbitramento.
Sérgio Savi, por sua vez, afirma que a chance de lucro terá sempre um valor menor que a vitória futura, o que refletirá no valor da indenização. Para o autor, a quantificação do dano deverá ser feita por arbitramento pelo juiz, que deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada.
Com relação às dificuldades de quantificação do dano nos casos de perda de chance, é interessante analisarmos o caso “show do milhão” (Recurso Especial nº 788.459), que pode ser considerado o verdadeiro leading case em matéria de responsabilidade civil por perda de uma chance.
Em sessão de julgamento realizada em 08/11/2005 a Quarta Turma do STJ enfrentou o tema. Cuidava-se de ação de indenização proposta por uma participante do programa perante a 1ª Vara Especializada de Defesa do Consumidor de Salvador – Bahia – contra BF UTILIDADES DOMÉSTICAS LTDA, empresa do grupo econômico “Sílvio Santos”, pleiteando o ressarcimento por danos materiais e morais, em decorrência de incidente havido quando de sua participação no programa “Show do Milhão”, consistente em concurso de perguntas e respostas, cujo prêmio máximo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em barras de ouro, é oferecido àquele participante que responder corretamente a uma série de questões versando conhecimentos gerais.
A autora logrou êxito nas respostas às questões formuladas, salvo quanto à última indagação, conhecida como “pergunta do milhão”, não respondida por preferir salvaguardar a premiação já acumulada de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), posto que, caso apontado item diverso daquele reputado como correto, perderia o valor em referência. No entanto, ponderou a autora haver a empresa BF Utilidades Domésticas Ltda, em procedimento de má-fé, elaborado pergunta deliberadamente sem resposta, razão do pleito de pagamento, por danos materiais, do quantitativo equivalente ao valor correspondente ao prêmio máximo, não recebido, e danos morais pela frustração de sonho acalentado por longo tempo.
Ao julgar o Recurso Especial Nº 788.459 – BA, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou que:
1. não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza – ou a probabilidade objetiva – do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante (ou seja, ausente um dos pressupostos “acréscimo patrimonial” apto a qualificar o lucro cessante);
2. não obstante, é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com questão mal formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente no momento em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta ensejadora de evidente dano;
3. resta, em consequência, evidente a perda de oportunidade.
Quanto ao valor do ressarcimento, o acórdão do STJ declarou que a quantia de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) – equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens – reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida.
Vê-se que o critério eleito de quantificação do dano que se amolda à forma de indenização baseada em probabilidades, se revela, nesse caso específico, “data venia”, equivocado.
Ao limitar a condenação em 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) – equivalente a um quarto do valor em comento, a decisão do STJ acaba por não coibir a conduta danosa da emissora, pois estrategicamente e de má-fé poderá sempre formular perguntas “do milhão” sem respostas corretas, para jamais pagar o valor integral do prêmio, limitando seu risco financeiro ao valor máximo de R$ 625.000,00.
Apesar de reconhecer a possibilidade de reparação da chance perdida, desde que séria e real, o STJ revela dificuldades, não só no momento da quantificação do dano, mas também no momento de harmonizar os conceitos da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, como veremos a seguir.
A análise do acórdão proferido pela 3ª Turma do STJ no julgamento REsp 1.291.247, e, principalmente, do voto divergente da Ministra Nancy Andrighi, revelam a utilização equivocada da teoria da perda de uma chance para fundamentar o deferimento de uma indenização no âmbito da responsabilidade civil.
3ª Turma do STJ analisava um caso em que ocorreu o inadimplemento de obrigação de coletar e armazenar células-tronco embrionárias de recém-nascido saudável. A sociedade empresária contratada pelos pais (Cryopraxis Criobiologia Ltda) não compareceu para colher o sangue do cordão umbilical do recém nascido até trinta minutos após parto.
O órgão colegiado, por maioria, nos termos do voto do Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino, que foi acompanhado pelos Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e João Otávio de Noronha (vencidos os Ministros Nancy Andrighi e Sidnei Beneti) declarou que a criança teria direito a ser indenizada – com base na teoria da perda de uma chance –pois, em razão da ausência do preposto da empresa contratada por seus pais, não teve coletadas células-tronco embrionárias do seu cordão umbilical no único momento em que isso seria possível: a hora do parto.
Assim, a 3ª Turma do STJ entendeu configurada a responsabilidade civil pela perda de uma chance – afirmando que “é possível que o dano final nunca venha a se implementar, bastando que a pessoa recém-nascida seja plenamente saudável, nunca desenvolvendo qualquer doença tratável com a utilização de células-tronco retiradas do cordão umbilical. O certo, porém, é que perdeu definitivamente a chance de prevenir o tratamento dessas patologias, sendo essa chance perdida o objeto da indenização”.
As indenizações foram arbitradas em R$ 60.000,00 para criança e em R$ 15.000,00 para cada um dos pais.
No entanto, analisando o voto divergente (voto-vista) da Ministra Nancy Andrighi, percebemos que essa situação não configura, tecnicamente, dano pela perda da chance, em razão da ausência de processo aleatório em curso que tenha sido indevidamente interrompido, mas hipótese de inadimplemento contratual.
A Ministra declarou que, embora evidente o inadimplemento contratual da recorrida, que foi condenada a indenizar os pais, não há a certeza da probabilidade necessária à configuração do dano moral sofrido pelo recém nascido, senão apenas a perda de uma possibilidade de tratamento se e somente se ele vier a contrair uma patologia ou correr tal risco e se essa patologia puder ser prevenida ou curada pelo uso das células-tronco, que deveriam ter sido coletadas e não o foram.
Ou seja, a probabilidade de ser curado não se fazia presente no momento do fato lesivo, pois o menor nasceu saudável, não podendo ser visualizado no plano concreto, qualquer vantagem que não foi obtida, ou o prejuízo que não foi evitado. A certeza da probabilidade haveria caso a criança tivesse recebido o diagnóstico de uma doença com chances concretas de prevenção ou cura por meio das células embrionárias não utilizadas. Por isso, a solução do caso, a rigor, não pressupõe a análise do dano pela perda da chance.
Não obstante exista uma chance que foi perdida com o inadimplemento contratual, a hipótese não se enquadra na moldura de responsabilidade pela perda da chance, embora sua frustração configure dano ressarcível.
É importante notar que no caso do inadimplemento da coleta e armazenamento das células tronco resta flagrante a mera frustração do interesse existencial dos pais e do filho e obter e preservar material que pode, no futuro, ter a chance de vir a curar filho na remota hipótese de desenvolvimento de determinadas doenças que poderiam ser curadas com células-tronco conforme o avanço da medicina.
Inexiste na espécie, portanto, um processo aleatório um curso indevidamente interrompido, para que se pudesse invocar a teoria da perda de uma chance para fundamentar a indenização por danos morais ao recém-nascido.
É inegável, portanto, nos termos do voto vencido da Ministra Nancy Andrighi, que a frustração desse interesse existencial, com o inadimplemento absoluto do contrato, ensejaria indenização por danos morais, sendo tecnicamente incorreto invocar a aplicação da teoria da perda da chance.
Acresça-se que a quantificação do dano sequer poderia passar pela análise da baixa probabilidade de a criança desenvolver alguma doença e posteriormente vir a ser curado com a utilização de células-tronco, sob pena de configuração de mero dano hipotético.
*Mauro Dibe é advogado e sócio da Barreto Advogados & Consultores Associados.