“Ser SAF não garante título, mas transforma o futebol”, diz idealizador da lei no Brasil

“Ser SAF não garante título, mas transforma o futebol”, diz idealizador da lei no Brasil
"A SAF é uma alternativa que profissionaliza e traz segurança ao futebol brasileiro"/CBF
Publicado em 07/12/2024 às 10:43

Luciano Teixeira – São Paulo

O modelo de sociedade anônima do futebol (SAF) trouxe uma verdadeira revolução para o esporte brasileiro. Instituída há três anos, a Lei das SAFs proporcionou uma alternativa ao modelo associativo que dominou o futebol por mais de um século. Transformando clubes em empresas, a norma abriu as portas para novos níveis de governança, acesso a capital e profissionalização na gestão esportiva.

Atualmente, o Brasil já conta com 95 clubes organizados como SAFs, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol (IBESAF), presidido por Rodrigo Monteiro de Castro, idealizador da lei. Além disso, outros 10 projetos estão em andamento, evidenciando o ritmo de adesão ao modelo.

Essa adesão expressiva surpreendeu até mesmo Monteiro de Castro, que acompanhou a evolução da ideia desde sua concepção. Segundo o advogado, durante o processo de debates muitos acreditavam que não havia necessidade de uma legislação específica para a criação de clubes-empresa. No entanto, a regulamentação trouxe previsibilidade e segurança jurídica, fatores essenciais para atrair investidores e modernizar o futebol nacional.

A Lei das SAFs, no entanto, ainda enfrenta desafios. Estão em discussão ajustes legislativos, como os propostos no Congresso pelo senador Rodrigo Pacheco, que visam consolidar aspectos de governança, separar de forma mais clara o clube social da SAF e fortalecer o regime centralizado de execuções, um mecanismo semelhante à recuperação judicial.

Nesta entrevista, Rodrigo Monteiro de Castro, advogado e coautor da Lei das SAFs, reflete sobre os avanços alcançados, os desafios futuros e o impacto desse modelo no futebol brasileiro e internacional. 

Confira a entrevista a seguir.

Luciano Teixeira: Qual é o principal benefício da Lei das SAFs para os clubes e quais são os desafios que ainda precisam ser superados?

Rodrigo Monteiro de Castro: A Lei das SAFs representa, antes de tudo, uma alternativa. Por mais de 100 anos, o futebol brasileiro foi organizado sob o modelo associativo, com clubes sem fins lucrativos. Esse formato não foi concebido para atuar como uma atividade empresarial. A Lei das SAFs possibilitou reorganizar o futebol sob uma perspectiva empresarial, o que trouxe avanços como maior governança, instrumentos de controle e acesso ao mercado financeiro e de capitais. Por exemplo, clubes agora podem captar recursos diretamente com investidores por meio de IPOs, algo que deve acontecer em breve. No entanto, o desafio está na adaptação, já que se trata de uma transformação estrutural e cultural, exigindo aprendizado contínuo e ajustes jurídicos.

Luciano Teixeira: Três anos após a implementação da lei, o que mudou no futebol brasileiro?

Rodrigo Monteiro de Castro: Já vemos resultados positivos. Clubes como Botafogo, Bahia e Cruzeiro são bons exemplos. O Botafogo, hoje, lidera o campeonato brasileiro; o Bahia, no segundo ano como SAF, já disputa a Libertadores; e o Cruzeiro saiu de uma grave crise financeira para disputar competições internacionais. No entanto, é importante entender que ser SAF não garante sucesso imediato. A vantagem está na profissionalização e no alinhamento de interesses entre investidores e clubes, reduzindo o imediatismo e o oportunismo que antes predominavam no ambiente associativo.

Luciano Teixeira: Quais são as expectativas de evolução das SAFs nos próximos anos, especialmente em termos de administração e questões jurídicas?

Rodrigo Monteiro de Castro: Espero um amadurecimento jurídico da aplicação da lei. Toda legislação nova gera incertezas, e a Lei das SAFs não foi diferente. Nos primeiros anos, tivemos diversas disputas judiciais, mas muitas já foram resolvidas, trazendo mais segurança jurídica. Isso deve estimular a criação de novas SAFs, especialmente com a entrada de investidores internacionais, que verão no Brasil um sistema mais previsível e confiável.

Luciano Teixeira: Como você avalia o interesse de investidores estrangeiros no modelo de SAFs no Brasil?

Rodrigo Monteiro de Castro: O interesse internacional é crescente. Inicialmente, vimos empresários como Ronaldo investindo no Cruzeiro, o que atraiu curiosidade tanto local quanto externa. Agora, com casos de sucesso, como o Botafogo, investidores do mercado americano, europeu e asiático estão mais atentos às oportunidades. É importante destacar que as SAFs continuam sendo empresas brasileiras, mesmo com capital internacional. Isso mantém a identidade nacional dos clubes, enquanto promove investimentos necessários para sua recuperação e competitividade.

Luciano Teixeira: O futebol brasileiro está se tornando mais competitivo com as SAFs?

Rodrigo Monteiro de Castro: Sem dúvida. Em apenas três anos, já temos uma final de Libertadores entre SAFs e clubes como Botafogo e Bahia se destacando. Além disso, projetos estão em andamento em times menores, como Fortaleza, Avaí e Atlético Goianiense, que prometem elevar o nível competitivo do futebol brasileiro. A tendência é que o esporte se torne cada vez mais intenso e organizado. Isso eleva o nível geral do futebol brasileiro, tornando-o mais competitivo e atrativo.

Luciano Teixeira: Sobre o projeto de alteração da Lei das SAFs em discussão no Congresso, liderado pelo senador Rodrigo Pacheco, qual a sua análise?

Rodrigo Monteiro de Castro: Participei da elaboração desse projeto junto ao gabinete do senador. Ele busca ajustar pontos que ficaram ambíguos na lei original, como a separação entre clube social e SAF, além de aprimorar aspectos de governança e o regime centralizado de execuções. A ideia é oferecer mais clareza e segurança jurídica para clubes e investidores, permitindo que novos projetos de SAFs sejam estruturados com mais confiança.

Luciano Teixeira: Há possibilidade de a criação de uma liga nacional ser facilitada pelo modelo de SAFs?

Rodrigo Monteiro de Castro: Sim, e a lei pode ser um elemento-chave nesse processo. Permitir que a liga seja organizada como uma SAF dá acesso a ferramentas empresariais como governança, organização e confiabilidade, fundamentais para estruturar uma competição de alto nível. Os clubes seriam acionistas dessa liga, que gerenciaria os campeonatos. Com isso, teríamos um sistema similar ao inglês, que é extremamente eficiente e bem organizado, priorizando o futebol como produto coletivo.

Luciano Teixeira: Qual o impacto do regime centralizado de execuções proposto no projeto de lei?

Rodrigo Monteiro de Castro: Esse regime permite que todas as execuções, sejam cíveis ou trabalhistas, sejam concentradas em um único juízo. Isso evita oportunismos e desorganizações no planejamento financeiro dos clubes. Com as receitas geridas de forma centralizada, os credores têm previsibilidade de pagamento, enquanto os clubes conseguem planejar melhor seus compromissos. Essa estrutura é essencial para viabilizar a recuperação financeira dos clubes.

Luciano Teixeira: Para encerrar, qual sua visão sobre o futuro do futebol brasileiro com as SAFs?

Rodrigo Monteiro de Castro: O modelo de SAFs está apenas começando, mas já trouxe melhorias significativas ao futebol brasileiro. Com ajustes legislativos e a entrada de novos investidores, temos potencial para construir um mercado de futebol mais competitivo e sustentável, colocando o Brasil em posição de destaque no cenário mundial.

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