Robson de Oliveira: “Inclusão não é apenas sobre números; é sobre acolher, capacitar e reter talentos” 

Robson de Oliveira: “Inclusão não é apenas sobre números; é sobre acolher, capacitar e reter talentos” 
Um dos nomes à frente do Projeto Incluir Direito, promovido pelo Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), Robson tem sido um defensor da criação de oportunidades para advogados negros principalmente nos grandes escritórios brasileiros/Divulgação
Publicado em 21/11/2024 às 11:00

Luciano Teixeira – São Paulo

Robson de Oliveira é um nome de destaque no cenário jurídico brasileiro. Advogado do Demarest, ele tem sido uma figura essencial na luta por mais diversidade e equidade no mercado jurídico. Com mais de 15 anos de atuação, Robson combina expertise em áreas como Direito Ambiental, Agronegócio e Fusões e Aquisições com uma trajetória marcada pelo compromisso com a inclusão racial.

Um dos nomes à frente do Projeto Incluir Direito, promovido pelo Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), Robson tem sido um defensor da criação de oportunidades para advogados negros, principalmente nos grandes escritórios brasileiros. A iniciativa, que já impactou centenas de jovens, busca romper barreiras estruturais e transformar o setor jurídico em um ambiente mais plural. Para ele, a inclusão não se resume a aumentar números, mas passa por acolher, capacitar e reter talentos, garantindo que eles prosperem em suas carreiras.

Na entrevista a LexLegal, Robson compartilha sua visão sobre o mercado jurídico para profissionais negros, os desafios enfrentados por jovens advogados e o impacto transformador de projetos como o Incluir Direito. Ele também reflete sobre casos recentes de racismo no ambiente acadêmico e corporativo.

Luciano Teixeira: Como você vê o espaço que existe hoje para profissionais negros no setor jurídico, especialmente nos grandes escritórios?

Robson de Oliveira: É um desafio enorme, mesmo com avanços importantes e medidas afirmativas. A presença de pessoas negras no mundo corporativo ainda é limitada. Muitos negros ainda hesitam em ocupar esses espaços, e com razão. Em 2016, um censo da Aliança Jurídica mostrou que menos de 1% dos advogados nos grandes escritórios eram negros. Em 2021, esse número subiu para 11,4%. É uma melhora significativa, mas há muito a ser feito. O desafio não é apenas incluir, mas acolher, capacitar e, principalmente, reter esses profissionais. Muitos ainda enfrentam preconceitos sutis ou velados, que tornam o ambiente difícil. Por isso, alguns ainda optam pela carreira pública, que consideram um pouco mais acolhedora.

Luciano Teixeira: Quais outros avanços você destacaria?

Robson de Oliveira: Um grande avanço é a possibilidade de discutir questões raciais abertamente nesses espaços. Lembro que, quando entrei no mercado em 2008, esses diálogos simplesmente não existiam. Hoje, temos mais liberdade para debater e trazer à tona questões de racismo. A morte de George Floyd, por exemplo, intensificou esses debates globalmente, mas vejo um risco de regressão após decisões como a da Suprema Corte dos EUA contra as cotas nas universidades. A situação ainda exige atenção para que não haja retrocessos.

Luciano Teixeira: Recentemente, vimos um episódio envolvendo estudantes da PUC em um caso de racismo durante os Jogos Jurídicos no interior de São Paulo. Como você vê situações como essa e o reflexo delas na sociedade?

Robson de Oliveira: É lamentável, mas, infelizmente, ainda comum. Pessoas negras enfrentam preconceitos diariamente, mesmo em ambientes acadêmicos. Quando conseguimos ocupar espaços historicamente negados, isso é visto como uma ameaça ao status quo. Muitos tentam nos desvalorizar com preconceitos disfarçados de brincadeira. Esses episódios mostram o quanto ainda precisamos avançar no combate ao racismo estrutural.

O racismo recreativo é um reflexo do racismo estrutural. Para quem pratica, parece uma “brincadeira”, mas para nós, é uma agressão real. Esse tipo de comportamento revela o quanto ainda precisamos avançar. Felizmente, hoje temos mecanismos como câmeras de celular para documentar e comprovar o que antes era negado ou considerado “coisa da nossa cabeça”.

Luciano Teixeira: Você coordena o projeto Incluir Direito, do Cesa. O que mudou desde o início do projeto? Quais são os principais desafios enfrentados pelos participantes?

Robson de Oliveira: O projeto começou com o desafio de mostrar aos estudantes negros que o mercado corporativo é, sim, um espaço para eles. Com o tempo, eles viram colegas sendo inseridos nesses espaços e acreditaram. No entanto, há um desafio geracional. Muitos jovens querem resultados imediatos, mas precisam entender que ocupar espaços de poder exige tempo e dedicação. Além das habilidades técnicas, é necessário desenvolver soft skills, como gestão de pessoas e captação de clientes.

Luciano Teixeira: Que tipo de barreiras você enfrentou?

Robson de Oliveira: Minha trajetória é de muita luta e resiliência. Tive a sorte de encontrar aliados que me apoiaram e reconheceram meu trabalho. No entanto, sorte não pode ser a regra. Precisamos de mudanças estruturais para garantir oportunidades iguais.

Luciano Teixeira: Que conselho você daria aos jovens advogados negros que sonham com grandes carreiras?

Robson de Oliveira: As barreiras ainda existem, mas as coisas estão mudando. É preciso coragem para enfrentar o preconceito e inteligência para navegar nesses ambientes. A mudança não acontece apenas com o que é confortável. Devemos estar preparados para superar desafios e construir novas oportunidades.

Luciano Teixeira: Falando em desafios, há uma percepção de que as barreiras para profissionais negros na carreira pública são menores do que no mercado privado. Você concorda com essa ideia?

Robson de Oliveira: Sim e não. Na carreira pública, há estabilidade após a aprovação em concurso, o que, para muitos, é uma segurança contra discriminações veladas ou explícitas que ocorrem no ambiente corporativo. No entanto, as barreiras também existem, especialmente em cargos de liderança e magistratura. Conheço juízes e juízas negras que trabalham muito para avançar a inclusão dentro do judiciário. Estamos vendo melhorias, como a criação de protocolos de perspectiva racial pelo CNJ, mas ainda há um longo caminho pela frente.

Luciano Teixeira: Você mencionou inteligência emocional para lidar com situações racistas. Pode dar um exemplo de como isso se aplica?

Robson de Oliveira: Claro. Uma vez, enquanto aguardava colegas no shopping, fui abordado por alguém que me confundiu com um funcionário. Mantive a calma, esclareci educadamente e até ofereci meu cartão como advogado. Minha amiga queria reagir de forma mais agressiva, mas eu sabia que isso poderia ser interpretado de forma negativa por causa do meu perfil como homem negro. Precisamos ser estratégicos para não reforçar estereótipos.

Luciano Teixeira: O equilíbrio entre reagir e não ser visto como agressivo é complicado. Como você lida com isso?

Robson de Oliveira: É extremamente complicado. Microagressões repetidas ao longo da vida são exaustivas. No entanto, precisamos ter inteligência emocional e estratégia para escolher nossas batalhas. Isso não significa aceitar injustiças, mas encontrar maneiras eficazes de combatê-las sem prejudicar nossa imagem profissional.

Luciano Teixeira: Você mencionou que o combate ao racismo requer estratégia. Como podemos avançar nisso?

Robson de Oliveira: Não se trata de “enfiar o pé na porta”, mas de conquistar espaços de maneira inteligente e eficaz. Precisamos mostrar que a inclusão é o caminho certo e necessário, não uma obrigação imposta. Com aliados e uma abordagem consistente, podemos transformar o ambiente corporativo em um espaço mais igualitário.

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