Quais são as acusações e questões jurídicas que motivaram a ação contra o primeiro general quatro estrelas a ser preso na história?

Quais são as acusações e questões jurídicas que motivaram a ação contra o primeiro general quatro estrelas a ser preso na história?
Segundo o relatório policial, Braga Netto teria desempenhado um papel de coordenação no que foi descrito como um "gabinete de crise", destinado a articular ações após o golpe/Agência Brasil
Publicado em 14/12/2024 às 11:23

Luciano Teixeira – São Paulo

O general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa durante o governo de Jair Bolsonaro, foi preso neste sábado (14/12) pela Polícia Federal em sua residência no Rio de Janeiro. A detenção está relacionada a acusações de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, após as eleições de 2022.

A prisão preventiva foi decretada com base no artigo 312 do Código de Processo Penal, que prevê essa medida quando é necessário garantir a conveniência da instrução criminal. No caso do general Braga Netto, a polícia demonstrou que ele interferiu dolosamente para atrapalhar as investigações, o que justificou a decisão judicial.

Ele é acusado de organização criminosa, embaraço à investigação, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. As penas variam de 3 a 12 anos para cada crime, podendo ser cumulativas, dependendo da gravidade e do contexto. Segundo Maurício Zanoide, advogado e professor de Direito Penal da USP, caso seja condenado por estes crimes ele pode ser preso por no mínimo 14 anos de prisão, mas a soma pode ultrapassar 30 anos se for concedida pena máxima.

“A prisão do general é histórica, não apenas por ele ser o primeiro oficial dessa patente a ser preso, mas também pelo contexto dos crimes investigados. O ministro Alexandre de Moraes destacou que a Polícia Federal conseguiu reunir muitos elementos que indicam que ele tentou embaraçar a investigação, o que configura um crime e justifica a prisão preventiva”, avalia o professor.

Acusações detalhadas

As investigações conduzidas pela PF apontam Braga Netto como uma das figuras centrais na articulação do plano golpista. Ele é acusado de participar ativamente da elaboração de estratégias para anular as eleições e implementar um governo provisório. A PF indicou que o general teria liderado reuniões estratégicas em Brasília, incluindo um encontro realizado em sua casa em 12 de novembro de 2022, no qual foi aprovado o planejamento operacional do golpe.

Segundo o relatório policial, Braga Netto teria desempenhado um papel de coordenação no que foi descrito como um “gabinete de crise”, destinado a articular ações após o golpe. Esse gabinete teria a função de organizar redes de inteligência, controlar a comunicação pública e consolidar apoio político e militar para sustentar a tomada de poder.

Entre os elementos do plano golpista, estavam ações como a substituição de membros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a anulação dos resultados das eleições de 2022 e a prorrogação dos mandatos de autoridades políticas. A PF também revelou que o plano incluía medidas coercitivas contra opositores, como a prisão ou mesmo o assassinato de figuras-chave, como o ministro Alexandre de Moraes e os líderes eleitos Lula e Geraldo Alckmin.

“São acusações gravíssimas. O envolvimento em um plano para abolir o Estado Democrático de Direito ou para executar autoridades pode levar a penas severas. Esses crimes são considerados extremamente graves porque ameaçam a democracia. A polícia aponta indícios consistentes, incluindo delações e mensagens trocadas entre os envolvidos, que confirmam a participação do general nesses atos”, afirma Zanoide.

Ataques a militares resistentes

O relatório da PF destacou ainda a participação de Braga Netto em um núcleo de incitação militar, que teria promovido ataques coordenados contra generais que resistiram ao plano golpista. O general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército à época, foi identificado como um dos principais alvos. Em mensagens obtidas pela investigação, Braga Netto teria se referido ao comandante como “cagão” e solicitado ataques direcionados à sua reputação e à de sua família.

Outro alvo foi o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, comandante da Aeronáutica, contra quem Braga Netto teria ordenado uma campanha de difamação, incluindo ataques pessoais e a disseminação de conteúdos críticos em redes sociais e na mídia.

Documentos incriminadores

Entre as evidências reunidas pela PF está um esboço manuscrito de um plano de golpe, intitulado “Operação 142”, encontrado na sede do Partido Liberal, legenda de Jair Bolsonaro. O documento descrevia ações para anular as eleições, convocar novas eleições e substituir autoridades do TSE. Esse material foi localizado na mesa de um assessor de Braga Netto, corroborando as acusações de seu envolvimento direto na organização do plano.

A PF classificou as ações descritas no documento como uma “clara intenção golpista”, destacando que o general e seus aliados tentaram subverter o Estado Democrático de Direito ao buscar legitimar o golpe por meio de uma interpretação deturpada do artigo 142 da Constituição Federal.

Prisão do general pode impactar processo contra ex-presidente Bolsonaro?

Em novembro de 2024, a Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro, Braga Netto e outras 35 pessoas por suspeita de crimes como abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. 

Apesar do indiciamento, até o momento não há informações confirmadas sobre uma possível prisão de Jair Bolsonaro. A prisão de Braga Netto, no entanto, pode aumentar a pressão sobre Bolsonaro, especialmente se surgirem novas evidências que indiquem seu envolvimento direto nas supostas atividades golpistas.

Segundo os advogados da área, o indiciamento é uma etapa preliminar no processo penal, indicando que há indícios suficientes para investigar formalmente uma pessoa. A partir daí, o Ministério Público pode apresentar denúncia, que, se aceita pela Justiça, inicia a ação penal. A prisão preventiva pode ser decretada se houver risco de fuga, ameaça à ordem pública ou possibilidade de obstrução da investigação.

No caso de Bolsonaro, sua prisão dependerá da avaliação das autoridades judiciais sobre a gravidade das acusações, a existência de provas concretas e a necessidade de garantir a integridade do processo investigativo.

“Apenas se houver provas de que Bolsonaro sabia, anuía ou colaborava com os atos criminosos ele poderá ser preso. Até o momento, não há indícios claros disso. A relação pessoal ou profissional entre eles não é suficiente para configurar culpa, mas qualquer evidência de envolvimento pode alterar esse cenário”, explica Maurício Zanoide.

Reação e contexto político

A defesa de Braga Netto afirmou que o general nega qualquer envolvimento em atividades ilegais e que as investigações carecem de fundamentos sólidos. Contudo, a PF afirma ter provas robustas que conectam Braga Netto a diversos núcleos da organização golpista, incluindo mensagens, depoimentos e documentos.

A detenção de Braga Netto reforça o peso das investigações sobre figuras de alto escalão envolvidas na tentativa de golpe. A PF alega que as ações atribuídas ao general foram coordenadas e estrategicamente planejadas para minar o sistema democrático brasileiro.

A prisão também reflete o avanço das apurações e a disposição das autoridades de responsabilizar os envolvidos.

“Essa prisão marca uma nova postura no Brasil em relação à responsabilização de militares. Diferentemente do passado, agora há provas concretas de crimes sendo investigados de maneira rigorosa. Não se trata apenas de punir; é uma mensagem de que a democracia precisa ser protegida”, conclui Zanoide.

Com novas etapas investigativas em andamento, espera-se que mais detalhes sobre a suposta trama golpista venham à tona, aprofundando as implicações políticas e jurídicas do caso.

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