Protecionismo francês: Por quê os frigoríficos brasileiros estão reagindo ao boicote do Carrefour?

Protecionismo francês: Por quê os frigoríficos brasileiros estão reagindo ao boicote do Carrefour?
Entidades representativas da cadeia produtiva divulgaram uma carta aberta em resposta às declarações do CEO do Carrefour na França sobre a decisão de suspender a compra de carne dos países do Mercosul/Carrefour
Publicado em 26/11/2024 às 11:06

Luciano Teixeira – São Paulo

A recente decisão de grandes frigoríficos brasileiros, como JBS e Masterboi, de interromper o fornecimento de carnes ao Carrefour no Brasil, está gerando impactos importantes no setor de varejo e no mercado de carnes. A medida foi uma resposta ao boicote anunciado pelo CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, que declarou que a rede francesa não venderá mais carnes provenientes de países do Mercosul em suas lojas na Europa. O movimento gerou uma reação em cadeia no Brasil, mobilizando o setor agropecuário e autoridades políticas.

O Carrefour Brasil, que possui uma fatia considerável do mercado varejista no país, afirmou que a decisão dos frigoríficos pode impactar o abastecimento em algumas unidades. Embora o grupo negue qualquer desabastecimento imediato, especialistas apontam que o corte no fornecimento de carnes in natura pode gerar rupturas no estoque em regiões onde a rede francesa tem uma presença predominante.

“A questão é como redistribuir essa produção. Redes como o Carrefour têm uma logística mais ampla e conseguem atuar em regiões onde pequenos supermercados não têm presença. A retirada da carne dessa rede cria um desabastecimento que pode gerar aumento de preços nas localidades onde o Carrefour é predominante. Se o boicote durar muito tempo, o impacto na inflação será inevitável”, afirma o economista e advogado Alessandro Azzoni.

“Se o Carrefour da França ou outros mercados internacionais reduzirem suas compras, isso pode beneficiar o mercado interno, aumentando a oferta de carne aqui no Brasil, onde há uma forte demanda reprimida. O mercado doméstico tem capacidade para absorver um aumento na oferta de carne, o que ajudaria a estabilizar os preços para o consumidor, especialmente em um cenário de alta inflação nos alimentos”, avalia a economista, planejadora financeira e professora da ESPM Paula Sauer.

Reação política e institucional

O boicote do Carrefour teve repercussão no setor político brasileiro. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, criticaram publicamente a decisão da rede francesa. Ambos reforçaram a importância do agronegócio brasileiro para o mercado global e alertaram sobre possíveis retaliações comerciais.

“Se o Carrefour decidiu boicotar produtos do Mercosul, nossos frigoríficos estão no direito de responder na mesma medida. É um movimento que visa proteger a reputação do setor agropecuário brasileiro, que opera sob regras rígidas de qualidade e sustentabilidade”, destacou Lira em coletiva.

Fávaro, por sua vez, enfatizou que a medida do Carrefour não reflete a realidade do agronegócio nacional. “O Brasil é referência em sustentabilidade e qualidade no mercado de carnes. A decisão do Carrefour é infundada e prejudica não só os frigoríficos, mas também os consumidores”, afirmou.

Além disso, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, defendeu um boicote contra o Carrefour e incentivou outros frigoríficos a suspenderem suas entregas para a rede.

Retratação

O Carrefour enviou uma carta de retratação em resposta às críticas geradas pelo boicote às carnes brasileiras. No documento, a empresa reconhece os esforços do setor agropecuário brasileiro no cumprimento de padrões ambientais e sanitários. “Valorizamos profundamente a parceria com o Brasil, um mercado estratégico e fundamental para o abastecimento global de carnes de qualidade”, afirma a nota.

Apesar da retratação, lideranças do setor mantêm cautela e cobram ações concretas. A resposta busca diminuir as tensões e preservar relações comerciais em um momento delicado para o varejo e o agronegócio.

O Carrefour Brasil enfrenta agora o desafio de reestruturar sua cadeia de fornecedores para garantir o abastecimento. A empresa, que já é uma das maiores compradoras de carne no país, depende fortemente de grandes frigoríficos como a JBS, que representa cerca de 80% do fornecimento de carnes in natura da rede.

Para evitar impactos maiores, o Carrefour anunciou que está buscando novos fornecedores e reforçando parcerias com frigoríficos menores. No entanto, especialistas alertam que a mudança pode aumentar os custos logísticos e operacionais, o que pode levar ao repasse desses custos para o consumidor final.

Cenário internacional e geopolítica

O boicote anunciado pelo CEO global do Carrefour está relacionado à pressão de agricultores franceses contra o acordo entre Mercosul e União Europeia. Esses produtores alegam que os países sul-americanos não seguem as mesmas regras ambientais e sociais aplicadas na Europa, o que criaria uma concorrência desleal.

No entanto, representantes do setor agropecuário brasileiro rebateram as acusações, destacando que a legislação ambiental e sanitária do Brasil está entre as mais rigorosas do mundo. Uma carta assinada por 44 entidades do setor criticou a decisão do Carrefour, classificando-a como protecionista e incoerente com os princípios do livre mercado. As entidades classificaram a decisão como infundada e incompatível com os princípios do livre mercado, da sustentabilidade e da cooperação internacional.

“A decisão anunciada demonstra uma abordagem protecionista que contradiz o papel de uma empresa global com operações em mercados diversos e interdependentes,” afirma a carta.

Os signatários também destacaram a posição do Brasil como líder mundial na produção e exportação de proteínas animais, mencionando os avanços do setor nas últimas décadas.

“Nos últimos 30 anos, a pecuária brasileira aumentou sua produtividade em 172%, enquanto reduziu a área de pastagem em 16%. Se uma carne brasileira não serve para abastecer o Carrefour na França, é difícil entender como ela poderia ser considerada adequada para abastecer qualquer outro mercado,” diz o documento.

Para Alessandro Azzoni, não é coincidência que o Carrefour, sendo uma rede francesa, adote essa posição em um momento em que há pressões contra o acordo Mercosul-União Europeia. “Existe um claro alinhamento com o discurso protecionista francês, liderado pelo presidente Emmanuel Macron, que busca beneficiar seus agricultores locais enquanto critica a competitividade dos produtos brasileiros”, avalia.

“A decisão do Carrefour parece parte de uma estratégia protecionista, usando questões ambientais como justificativa. No entanto, a carne brasileira já atende a padrões globais de qualidade, muitas vezes superiores aos exigidos pela União Europeia. O Brasil exporta para mercados com regulamentações muito rigorosas, como a China e outros países da Ásia. Se um mercado como o francês recuar, há opções para redirecionar nossa produção, desde que o escoamento seja bem estruturado”, analisa Paula Sauer.

O episódio reforça a crescente tensão entre as demandas ambientais e comerciais globais e a necessidade de o Brasil fortalecer sua posição como líder no mercado de carnes. “Os frigoríficos têm todo o direito de retaliar, especialmente por serem os maiores do mundo. Mas é uma decisão delicada, já que, sendo produtos perecíveis, eles precisam garantir o escoamento da produção. Caso contrário, o impacto pode ser negativo para eles mesmos”, analisa Azzoni. Para o especialista, retaliar o Carrefour dentro e fora do Brasil é uma forma de mostrar força diante de um posicionamento que prejudica toda a cadeia produtiva nacional.

Enquanto os frigoríficos brasileiros avaliam os próximos passos em relação à retaliação, a rede varejista terá que lidar com os impactos operacionais e buscar formas de manter o abastecimento sem comprometer sua competitividade. Uma lição para rede francesa de que uma declaração “mal dada” pode gerar prejuízo e impactos negativos num dos mercados mais importantes para a companhia global na América Latina.

SÃO PAULO WEATHER
Newsletter
Cadastre seu email e receba notícias, acontecimentos e eventos em primeira mão.