O que são Legal Ops e quais os desafios e oportunidades para o mercado jurídico brasileiro?
Luciano Teixeira – São Paulo
No mundo jurídico, o termo “Legal Operations” ou “Legal Ops” refere-se ao conjunto de práticas e processos que buscam otimizar a operação dos departamentos jurídicos, promovendo eficiência, redução de custos e maior produtividade. Embora seja um conceito consolidado em mercados como os Estados Unidos e Europa, o Brasil tem caminhado para adotar essa tendência, enfrentando, porém, desafios específicos no contexto local. O cenário brasileiro apresenta oportunidades significativas para a transformação das operações jurídicas, impulsionando a modernização do setor.
A ascensão do Legal Ops no Brasil
O conceito de Legal Ops tem ganhado força no Brasil à medida que empresas percebem a necessidade de maximizar o valor de suas operações jurídicas. Tradicionalmente, os departamentos jurídicos eram vistos como centros de custo, atuando de forma reativa a demandas legais. Hoje, há uma mudança para uma abordagem mais estratégica, na qual os advogados in-house, por exemplo, desempenham papéis de liderança em processos que vão além do contencioso, incluindo a inovação, gestão de riscos e implementação de tecnologias.
O movimento de transformação digital impulsionado pela pandemia de Covid-19 também acelerou essa transição. Com o aumento do trabalho remoto e a necessidade de soluções ágeis, os departamentos jurídicos começaram a adotar ferramentas tecnológicas, como inteligência artificial (IA) e softwares de automação, que são centrais para uma operação Legal Ops eficaz.
“Legal Ops é colocar a tecnologia como parte central da produção e das operações jurídicas para que os advogados e os profissionais da área foquem de fato suas atividades nas tarefas táticas e estratégicas. Você não substitui só pessoas por tecnologia; você coloca as pessoas para tomar decisões melhores em cima dessas informações que automaticamente a máquina vai extrair”, explica a advogada Celina Salomão, especialista em gestão e tecnologias jurídicas e cofundadora da ForeLegal.
Principais desafios enfrentados
Apesar do crescente interesse, os desafios para a implementação de práticas de Legal Ops no Brasil são inúmeros. Um dos principais é a falta de padronização dos processos judiciais. O sistema judiciário brasileiro é conhecido por ser fragmentado, com diferentes tribunais estaduais e federais operando de maneira distinta. Isso dificulta a coleta e o tratamento de dados, que são fundamentais para uma operação jurídica eficiente.
Outro desafio é a resistência cultural. Muitos advogados, especialmente em escritórios tradicionais, ainda se apegam a métodos manuais e formas convencionais de trabalho. A adoção de novas tecnologias e a transformação dos processos muitas vezes enfrentam barreiras culturais e de mentalidade, o que pode retardar a modernização dos departamentos jurídicos.
“O advogado, de forma geral, não é treinado para pensar em gestão operacional, o que faz com que atividades como controle de orçamento ou medição de desempenho se tornem grandes desafios dentro dos departamentos jurídicos”, afirma Paulo Silva, diretor de legal operations e gestão jurídica da eLaw.
“O maior desafio é o cultural. As pessoas entenderem esse novo modelo, assim, o novo paradigma para poder estabelecer processos de gestão mais eficientes dentro dos ambientes jurídicos”, analisa Celina Salomão.
A questão regulatória também não pode ser ignorada. As leis e regulamentações frequentemente mudam, impondo novos desafios aos departamentos jurídicos, que precisam manter-se atualizados com um cenário legal em constante transformação. Além disso, há a questão de como operar dentro dos limites éticos e legais da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ao lidar com dados sensíveis dos clientes.
Oportunidades no mercado
Apesar dos desafios, o contexto brasileiro também oferece oportunidades para o desenvolvimento de Legal Ops. Com a fragmentação do sistema judiciário, surge a chance de departamentos jurídicos se destacarem por meio da inovação na gestão de processos. Por exemplo, soluções que automatizam o acompanhamento processual e analisam dados em larga escala podem oferecer insights para a tomada de decisões.
No Brasil, ferramentas como chatbots, plataformas de automação e sistemas de gestão de contratos estão sendo cada vez mais utilizados para simplificar tarefas rotineiras. Isso não apenas reduz custos, mas também permite que advogados concentrem seus esforços em questões estratégicas.
A implementação de indicadores de desempenho (KPIs) também tem sido uma prática cada vez mais adotada nos departamentos jurídicos. Com métricas claras, é possível medir a eficiência das operações e demonstrar o valor agregado pelo jurídico para as demais áreas da empresa.
O papel das equipes multidisciplinares
Outro ponto que destaca o Legal Ops é a formação de equipes multidisciplinares. O departamento jurídico não pode mais ser composto apenas por advogados. Especialistas em tecnologia, analistas de dados, profissionais de compliance e gestores financeiros têm se tornado peças-chave para o sucesso das operações.
“A criação de equipes multidisciplinares é fundamental para tornar o departamento jurídico mais eficiente e alinhado às necessidades estratégicas das empresas,” diz Paulo Silva.
O conceito de gestão de riscos também ganha relevância nesse contexto. Com a crescente complexidade dos ambientes regulatórios e as constantes mudanças legais, as empresas precisam adotar uma abordagem preventiva e integrada. Nesse sentido, as práticas de Legal Ops podem incluir análises preditivas de risco e desenvolvimento de estratégias para mitigar possíveis impactos legais.
Educação e capacitação como pilares para o sucesso
O crescimento de Legal Ops no país também depende de educação e capacitação dos profissionais. Muitos advogados não têm formação em áreas como gestão de projetos ou uso de tecnologia aplicada ao Direito. Cursos, workshops e eventos que promovem o intercâmbio de conhecimento são fundamentais para que o conceito de Legal Ops seja mais amplamente compreendido e adotado.
Várias instituições brasileiras, como associações de advogados e universidades, já oferecem programas específicos para capacitar os profissionais do Direito em novas tecnologias e práticas de gestão. Isso tem ajudado a preparar uma nova geração de advogados e operadores do Direito que veem a tecnologia como aliada, e não como ameaça.
“Do ponto de vista educacional, acho que a gente tem muito que explorar ainda… você não vai ter profissionais no mercado daqui a alguns anos, então ela é urgente”, diz Celina Salomão.
A colaboração como chave para o sucesso
A colaboração entre empresas, escritórios de advocacia e startups jurídicas (legaltechs) também é um fator relevante para o crescimento do Legal Ops. Startups têm trazido soluções que desafiam o status quo, promovendo novas formas de atuação para os departamentos jurídicos. Parcerias com essas empresas permitem que os departamentos jurídicos inovem sem precisar desenvolver soluções do zero, economizando tempo e recursos.
“Legal Ops é uma prática que vai muito além dos departamentos jurídicos das empresas, abrangendo também escritórios de advocacia e buscando otimizar as operações, integrar processos e gerar mais eficiência nas atividades jurídicas. Nos últimos anos, vimos pequenos e médios escritórios que já nascem com uma forte base tecnológica, transformando a maneira de oferecer serviços jurídicos com mais eficiência e qualidade, inclusive competindo com grandes escritórios”, explica Paulo Silva
Além disso, a troca de experiências entre empresas por meio de fóruns e eventos de networking tem contribuído para o fortalecimento do ecossistema de Legal Ops. A disseminação de boas práticas e a discussão dos desafios comuns permitem que os profissionais aprendam uns com os outros e avancem mais rapidamente na implementação de novas práticas.
O futuro do Legal Ops
O futuro do Legal Ops no Brasil pode ser cheio de oportunidades para quem estiver disposto a inovar e se adaptar às novas demandas do mercado. À medida que mais departamentos jurídicos adotam práticas de Legal Ops, a expectativa é que a transformação do setor jurídico se acelere. Isso não só resultará em maior eficiência e economia de recursos, mas também em uma atuação mais estratégica e alinhada às necessidades dos negócios.
“A tecnologia tem papel central em Legal Ops, seja por meio de automação, inteligência artificial generativa ou ferramentas de RPA que reduzem atividades repetitivas, aumentando a eficiência e diminuindo a margem de erro”, explica Paulo Silva.
“As oportunidades são enormes porque a verdade é que há um grande oceano azul para se trabalhar ainda. As pessoas não têm clareza… É um projeto que precisa estar atrelado e unificado”, avalia Celina Salomão.
O contexto brasileiro, com todas as suas peculiaridades e desafios, pode ser terreno fértil para que o Legal Ops se desenvolva como uma prática essencial, capaz de transformar o papel do jurídico dentro das organizações e torná-lo ainda mais relevante no cenário empresarial e regulatório.