Justiça brasileira reconhece a proteção ao solado vermelho dos calçados Louboutin: O que muda para o Direito de Marcas?
Luciano Teixeira – São Paulo
Em uma decisão inédita para o direito de propriedade intelectual no Brasil, a 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro declarou a proteção e distintividade do famoso “Solado Vermelho” dos calçados Christian Louboutin. O tribunal anulou a decisão anterior do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que havia indeferido o pedido de registro da marca de posição. O caso representa um avanço significativo para a proteção de marcas não convencionais no país.
A sentença reforça a importância da distintividade e da proteção de elementos únicos em marcas. Desde 1992, o solado vermelho tem sido utilizado de forma consistente nos calçados da Louboutin, sendo reconhecido mundialmente como um símbolo de exclusividade e sofisticação. No entanto, o INPI havia rejeitado o registro com base na suposta “ausência de distintividade”, fundamentado no Manual de Marcas da autarquia.
A grife francesa contestou judicialmente o indeferimento, argumentando que o solado vermelho é amplamente reconhecido como um identificador de origem por consumidores de artigos de luxo, profissionais do mercado da moda e especialistas em propriedade intelectual. A juíza Márcia Maria Nunes de Barros concedeu liminar favorável à Louboutin em 2023, destacando que o solado vermelho já possuía forte associação com a marca.
“A fama e reputação dos sapatos Louboutin fizeram com que os consumidores associassem o solado vermelho ao produto, caracterizando distintividade adquirida (secondary meaning)”, afirmou a magistrada em sua decisão.
Marcas de posição e “Secondary Meaning”
O reconhecimento do “Solado Vermelho” como uma marca de posição marca um avanço no direito marcário brasileiro. Essa categoria de marca é definida pela aplicação de um sinal distintivo em uma localização específica de um produto, contribuindo para sua identificação no mercado. Embora as marcas de posição tenham sido formalmente reconhecidas no Brasil pela Portaria INPI nº 37/2021, sua implementação prática ainda enfrentava desafios.
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Um dos fundamentos centrais da decisão foi o conceito de secondary meaning (distintividade adquirida). Esse fenômeno ocorre quando um elemento inicialmente comum ou genérico adquire caráter distintivo por meio do uso contínuo e massivo no mercado. Pesquisas de mercado apresentadas durante o processo demonstraram que mais de 95% das consumidoras entrevistadas identificavam o solado vermelho como um indicador exclusivo da marca Louboutin.
“Além de assegurar esses direitos, a sentença reforça que elementos estéticos podem ser registrados como marca em contextos específicos, proporcionando maior segurança para a indústria. Isso é especialmente relevante ao proteger o uso não convencional de cores em posições específicas como identificadores de origem, desde que seja comprovada a distintividade adquirida”, avalia Rafaela Borges Carneiro, sócia do escritório Dannemann Siemsen e uma das advogadas da ação no Brasil.
Para a advogada, a decisão brasileira alinha-se com precedentes internacionais, onde o solado vermelho já havia sido protegido em diversas jurisdições. Mais de 50 decisões judiciais e administrativas globais foram usadas como referência no julgamento.
A sentença destacou que o reconhecimento de marcas de posição é essencial para a harmonização do Brasil com padrões globais de propriedade intelectual. “O solado vermelho não é apenas um detalhe estético, mas um elemento identificador de origem que gera forte conexão emocional e comercial com os consumidores”, argumentaram os representantes da Louboutin no processo.
Flávia Tremura, head de marcas e sócia do escritório Kasznar Leonardos, defende que é necessário avançar na discussão do tema, com a implementação de regras relativas à proteção, formas de comprovação e efeitos do reconhecimento. “Até o momento, reconhecimento do secondary meaning no Brasil é uma construção jurisprudencial que, gradualmente, está sendo aceita pelos tribunais. A adoção mais ampla do conceito no âmbito do INPI e o alinhamento com padrões internacionais são passos necessários para conferir maior segurança jurídica na proteção de marcas não tradicionais”, analisa.
Impacto no Direito da Concorrência
Outro ponto relevante foi o equilíbrio entre a proteção da marca e os princípios do direito da concorrência. A decisão estendeu a proteção do solado vermelho para calçados além dos sapatos de salto alto, abrangendo também botas e sapatos sem salto, usados pela Louboutin como extensão de sua identidade visual.
“Embora a marca em questão tenha se tornado conhecida para sapatos femininos de salto alto, é natural que a autora também a utilize para produtos similares dentro do segmento calçadista”, afirmou a decisão, garantindo a abrangência necessária para evitar concorrência desleal.
Caso a decisão de primeira instância seja mantida pelo tribunal, esse precedente poderá orientar novas decisões judiciais a respeito de marcas não tradicionais, como as marcas de posição e marcas de cores. “Também servirá como referência ao próprio INPI na análise de futuras decisões envolvendo marcas de posição. Essa decisão poderá incentivar titulares de marcas de posição a promoverem o registro de suas marcas – já que essa forma de proteção é relativamente nova – e contribui para reforçar o conceito de distintividade adquirida, que ainda não é reconhecido no âmbito do INPI”, diz Flávia tremura.
Avanços e precedentes no Direito Marcário Brasileiro
A decisão da 13ª Vara Federal reforça a evolução do direito de marcas no Brasil. No contexto global, o caso Louboutin é frequentemente comparado a outros exemplos icônicos, como a garrafa da Coca-Cola e o chocolate Toblerone, que também se destacam pela proteção de elementos gráficos ou visuais intrínsecos às suas identidades de marca.
A jurisprudência brasileira já vinha incorporando o conceito de secondary meaning. Um exemplo relevante foi o acórdão do TRF-2 no caso “China In Box”, que reconheceu a distintividade adquirida do nome, embora inicialmente genérico. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também reconheceu a importância da notoriedade e distintividade de elementos gráficos em casos anteriores.
“Diante da falta de regulamentação específica, os titulares precisam usar a criatividade para produzir provas que demonstrem, de forma inequívoca, que uma marca formada por um elemento inicialmente comum ou genérico adquiriu caráter distintivo por meio do uso contínuo e massivo no mercado”, explica Flávia Tremura.
Segundo as especialistas ouvidas por LexLegal, pesquisas de mercado são fundamentais nesse processo, pois mostram que o público reconhece o elemento como marca e não como algo genérico. “É importante que essas pesquisas sejam abrangentes, representativa de ampla parcela do mercado, com perguntas claras e dados que demonstrem a ligação direta entre o elemento e a empresa. Além das pesquisas, testemunhos de consumidores, relatórios de especialistas e publicidade consistente podem reforçar a percepção de que o público associa o elemento ao titular da marca, evidenciando o chamado secondary meaning ou distintividade adquirida”, afirma a advogada do Kasznar Leonardos.
Além de fortalecer a proteção marcária no Brasil, a decisão contribui para o diálogo jurídico internacional sobre marcas de posição e cores. A proteção de elementos estéticos incentiva a inovação em setores como moda e design.
O caso também reafirma o papel do Brasil como um player relevante no campo da propriedade intelectual. Ao reconhecer a exclusividade do solado vermelho, o país se aproxima das práticas internacionais, promovendo um ambiente jurídico mais atrativo para empresas globais e locais.
Assim, a exclusividade da marca Louboutin é agora garantida, o que fortalece a posição da empresa no mercado brasileiro e serve de exemplo para outras marcas que buscam proteger características não convencionais de seus produtos.
A decisão também estimula um debate mais amplo sobre a relação entre criatividade, inovação e proteção jurídica. A indústria da moda, que frequentemente se apoia em elementos estéticos para criar identidade e valor, pode se beneficiar de uma jurisprudência mais robusta e alinhada com padrões globais.
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Embora a decisão seja inédita, ainda cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). A revisão pelo tribunal superior será uma oportunidade para consolidar o entendimento sobre marcas de posição e distintividade adquirida no Brasil.
Ao reconhecer a distintividade adquirida e a importância das marcas de posição, a Justiça brasileira pavimenta o caminho para uma maior valorização de elementos únicos em produtos e serviços. Para consumidores e empresas, a decisão é um sinal de que a criatividade e a inovação têm espaço garantido no mercado, respaldadas por um sistema jurídico em constante evolução.