Herança de Gugu Liberato: como foi definida a divisão entre os familiares e o que o caso revela sobre disputas em outros inventários?
A disputa pela herança do apresentador Gugu Liberato tornou-se um dos casos mais comentados do Brasil nos últimos anos. Não apenas pelo vultuoso patrimônio envolvido, avaliado em R$ 1,4 bilhão, mas também pelos complexos aspectos jurídicos e emocionais que emergiram ao longo do processo. Depois de cinco anos de intensas batalhas judiciais e exposição na mídia, a família finalmente chegou a um acordo agora no fim de 2024, mas não sem deixar lições importantes para quem planeja a organização de bens e sucessão.
Relembre o caso
Gugu Liberato faleceu em novembro de 2019, após sofrer um acidente doméstico em sua residência nos Estados Unidos. O apresentador deixou um testamento detalhando a distribuição de seus bens: 75% do patrimônio seria destinado a seus três filhos — João Augusto, que tinha 18 anos na época, e as gêmeas Sofia e Marina, de 16. Os 25% restantes foram direcionados aos cinco sobrinhos do apresentador, com a irmã Aparecida Liberato designada como inventariante.
Porém, a ausência de Rose Miriam di Matteo no testamento, a mãe dos três filhos de Gugu, desencadeou uma batalha judicial. Rose entrou com uma ação para o reconhecimento de união estável com Gugu, o que lhe garantiria 50% do patrimônio. O caso se complicou ainda mais com a entrada de Thiago Salvático, chef de cozinha que também alegava ter tido uma união estável com o apresentador.
A disputa expôs divergências entre os membros da família e atraiu grande atenção pública. Em agosto de 2024, Rose Miriam decidiu renunciar à ação de reconhecimento de união estável, afirmando que não precisava provar nada sobre sua relação com Gugu. Com isso, a divisão dos bens foi realizada de acordo com o testamento, encerrando oficialmente a disputa judicial. Aparecida Liberato, que poderia ter direito a uma parcela adicional por ser inventariante, também abriu mão de qualquer valor extra, declarando que cumpriu a função apenas por amor e lealdade ao irmão.
Questões jurídicas e disputas em outros inventários
A união estável é reconhecida pelo direito brasileiro como entidade familiar, assegurando direitos sucessórios ao companheiro sobrevivente, conforme o artigo 1.829 do Código Civil. Contudo, comprovar a existência dessa relação em disputas por herança exige esforço probatório significativo.
Segundo Marina Dinamarco, do escritório Marina Dinamarco, a maior dificuldade está em demonstrar o início da relação e os elementos que a caracterizam, como convivência pública, duradoura e o objetivo de formar família. “Provas documentais, como contas conjuntas, mensagens de WhatsApp, fotografias e testemunhos, são essenciais para embasar o reconhecimento judicial da união estável”, explica.
Para Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados e Associados, a comprovação de união estável também enfrenta desafios devido à diversidade de situações fáticas e à subjetividade envolvida. “Os tribunais lidam com divergências sobre o que constitui convivência pública e intenção de formar família, especialmente em casos onde não há coabitação ou quando os conviventes mantinham certa independência econômica. O ônus da prova recai sobre o companheiro sobrevivente, que muitas vezes enfrenta resistência de familiares interessados na herança”, afirma.
Aracy Barbara, especialista em planejamento sucessório do VBD Advogados, destaca que a subjetividade dos critérios torna a comprovação ainda mais complexa. “Provar que havia intenção de constituir família quando uma das partes já não está viva é um dos maiores desafios no reconhecimento post mortem”, explica. Ela ressalta que, em tais casos, também podem surgir disputas sobre o regime de bens aplicável à relação, especialmente na ausência de uma escritura pública ou contrato prévio.
Além disso, Poli Vlavianos destaca que a ausência de reconhecimento formal prévio da união estável pode gerar debates sobre sua duração e início. “Nos casos de figuras públicas, a exposição midiática complica ainda mais a avaliação jurídica, desviando o foco para questões de opinião pública”, complementa.
Planejamento sucessório: evitando Conflitos
A ausência de planejamento sucessório é uma das principais causas de conflitos entre herdeiros. Especialistas recomendam o uso de instrumentos como testamentos, doações em vida e holdings familiares para evitar litígios.
Mauro Takahashi Mori, do Machado Associados, enfatiza que o planejamento sucessório deve ser preventivo e transparente. “A combinação de ferramentas jurídicas, como testamentos claros e cláusulas restritivas, é essencial para evitar conflitos”, diz. Ele também sugere a criação de estruturas societárias, como holdings familiares, para centralizar a administração patrimonial.
Já Priscilla Iglesias Maier Böing, do Böing Vieites Gleich Mizrahi Rei Advogados, ressalta a importância da doação em vida em situações específicas, como quando um herdeiro utiliza determinado imóvel como moradia. “Isso antecipa conflitos e organiza a partilha de forma mais clara, evitando discussões durante o inventário”, aponta.
Mudanças Legislativas e Impacto nas Disputas
Mudanças legislativas e jurisprudenciais recentes moldaram o cenário sucessório no Brasil. A decisão do Supremo Tribunal Federal em 2017 equiparou os direitos sucessórios de companheiros em união estável aos de cônjuges, ampliando a proteção ao companheiro sobrevivente.
“Essa mudança foi um marco para garantir maior proteção ao companheiro sobrevivente, mas não eliminou a complexidade dos processos que envolvem a comprovação dessa relação”, analisa Rodrigo Forlani Lopes, do Machado Associados.
Daniela Poli observa que outra questão relevante é a interpretação do regime de bens na união estável. “O STJ decidiu que mudanças no regime de bens não têm efeito retroativo, protegendo os direitos adquiridos antes da alteração. Essa é uma questão importante em inventários complexos”, explica.
Aracy Barbara ressalta outra evolução significativa: a recente Resolução do CNJ 571/2024, que permite ao inventariante alienar bens em inventários extrajudiciais para cobrir custos processuais, sem necessidade de autorização judicial. “Essa medida traz agilidade ao processo, mas demanda maior transparência e controle por parte do inventariante”, observa.
Lições do caso Gugu
O que aconteceu no caso Gugu Liberato, segundo os especialistas, mostra a importância de um planejamento sucessório claro e abrangente. Algumas lições podem ser extraídas:
Ausência de planejamento sucessório adequado: Embora Gugu tenha deixado um testamento, sua ausência de menção a Rose Miriam gerou questionamentos. Casos semelhantes ocorrem quando testamentos são ambiguamente redigidos ou não atualizados para refletir mudanças na dinâmica familiar.
Reconhecimento de união estável: Este é um dos temas mais contenciosos no direito sucessório brasileiro. A união estável garante direitos semelhantes ao casamento, mas sua comprovação pode ser subjetiva, dependendo de registros públicos, testemunhas e evidências documentais.
Conflitos entre herdeiros: Divergências entre familiares, especialmente em relação ao papel de inventariantes, são frequentes. A função de administrar o espólio é desgastante e, por vezes, gera acusações de favorecimento ou malversção de bens.
Exposição na mídia: Casos envolvendo figuras públicas como Gugu ganham proporções ainda maiores devido ao impacto midiático, o que pode acirrar ainda mais os conflitos.
Passo a passo para evitar problemas
Embora a família tenha finalmente alcançado um acordo, o caso serve de alerta para que outras pessoas, independentemente do tamanho do patrimônio, tomem medidas para garantir uma transição mais tranquila para seus herdeiros. Por isso, os advogados fizeram um passo a passo, com quatro itens considerados fundamentais.
Redação detalhada de testamentos: Testamentos devem ser elaborados de forma clara e incluir todas as pessoas relevantes para evitar disputas futuras.
Atualização constante: Mudanças na dinâmica familiar, como novos relacionamentos, separações ou nascimento de filhos, devem ser refletidas nos documentos de planejamento sucessório.
Busca por consenso familiar: Embora nem sempre seja possível evitar conflitos, conversas abertas sobre a divisão de bens podem prevenir desgastes futuros.
Assessoria especializada: Advogados e planejadores financeiros podem ajudar a estruturar um plano sucessório que minimize riscos e conflitos.
As controvérsias do caso de Gugu Liberato mostram como questões sucessórias podem ser complexas e emocionalmente desgastantes, reforçando a necessidade de medidas preventivas para preservar o patrimônio e a harmonia familiar. Afinal, um planejamento bem feito não é apenas uma questão financeira, mas também um gesto de cuidado e responsabilidade com aqueles que ficam.