Fim da escala 6X1: Qual o impacto jurídico para empresas e trabalhadores?

Fim da escala 6X1: Qual o impacto jurídico para empresas e trabalhadores?
O objetivo central da PEC é acabar com o regime 6X1 de trabalho e repensar as escalas de descanso/Agência Brasil
Publicado em 11/11/2024 às 10:01

Luciano Teixeira – São Paulo

Uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa abolir a escala de trabalho 6X1 — em que o trabalhador tem um dia de folga após seis dias de trabalho — tem mobilizado discussões nas redes sociais e conquistado apoio popular. O debate sobre a proposta ficou em primeiro lugar nos assuntos mais discutidos pelos internautas na rede social X, antigo Twitter, no último fim de semana. A extinção da jornada 6×1 faz parte de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apresentada pela deputada Érica Hilton (PSOL-SP) na Câmara dos Deputados.

A parlamentar tem se engajado nas redes sociais para pressionar os deputados a assinarem o requerimento de apoio à PEC, que precisa de 171 assinaturas para ser apresentada oficialmente. Até o momento, Érica conseguiu quase metade dos apoiamentos necessários.

Segundo a deputada, a escala 6×1 é desumana. “Isso tira do trabalhador o direito de passar tempo com sua família, de cuidar de si, de se divertir, de procurar outro emprego ou até mesmo se qualificar para um emprego melhor. A escala 6×1 é uma prisão, e é incompatível com a dignidade do trabalhador”, disse a deputada nas redes sociais.

Deputada Erika Hilton (PSOL)

Apoio popular e mobilização

A proposta de Erika Hilton surge em um contexto de mobilização impulsionado pelo movimento Vida Além do Trabalho (VAT), liderado pelo vereador Rick Azevedo, o mais votado do Psol no Rio de Janeiro nas eleições de 2024. De acordo com a deputada, o projeto tem sido amplamente endossado pela sociedade civil, com 1,3 milhão de assinaturas em petições públicas, demonstrando um forte apoio popular para mudanças nas normas que regulam a jornada de trabalho no Brasil.

A PEC propõe alterar dispositivos da Constituição Federal e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em 1943 durante o Governo Getúlio Vargas. Atualmente, a legislação estabelece uma jornada semanal de até 44 horas, distribuídas em seis dias consecutivos de trabalho com um dia de descanso semanal. A Constituição Federal também garante o repouso semanal remunerado, recomendando que seja, “preferencialmente aos domingos”. Apesar das alterações trazidas pela Reforma Trabalhista de 2017, que flexibilizou alguns aspectos das relações de trabalho, a estrutura do modelo 6X1 permaneceu intacta.

“O fim da escala 6×1 visa um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional do trabalhador. Hoje, o trabalhador tem apenas 1 dia por semana para resolver os seus problemas pessoais, ter um momento de lazer com sua família ou poder simplesmente descansar. Nos últimos anos, vimos que doenças relacionadas ao psicológico do trabalhador vêm ganhando força, tal como o burnout, em decorrência da exaustão que atualmente os trabalhadores vêm vivendo”, afirma Stephanie Almeida, advogada trabalhista do escritório Poliszezuk Advogados.

O que propõe a PEC?

O objetivo central da PEC é acabar com o regime 6X1 de trabalho e repensar as escalas de descanso. “Os trabalhadores têm sua condição de saúde mental afetada por esta lógica do trabalho seis por um. Outros países do mundo mais desenvolvidos que o nosso, sem esta lógica escravocrata, já avançaram nesta política. Ninguém tem a resposta se será quatro por dois, quatro por um. O que queremos fazer é trazer esses trabalhadores precarizados a esta casa para discutir”, afirmou Erika Hilton durante discurso na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Hilton acredita que a mudança na legislação é uma questão de dignidade e saúde mental para os trabalhadores brasileiros, que ainda convivem com um modelo que, em sua visão, remete a práticas arcaicas e prejudiciais à qualidade de vida.

Os desafios da mudança

Para que a proposta avance no Congresso, a deputada precisa mobilizar outros parlamentares para conquistar o número mínimo de assinaturas. Além disso, a tramitação de uma PEC é, por si só, um processo complexo, que envolve diferentes comissões e a necessidade de aprovação por três quintos dos deputados e senadores em dois turnos de votação em cada casa.

“Vai ser difícil discutir a questão no Congresso. É a esquerda que está acreditando na proposta e no avanço dela. São dois momentos: o primeiro é conseguir as assinaturas, já é um desafio que está se mostrando difícil, porque há setores bem representados nas duas casas que são contrários a essa mudança no modelo. Caso consiga-se as assinaturas, tenha um número mínimo para protocolar e fazer avançar, aí vai ser um problema discutir o conteúdo, dado que é um parlamento bem conservador”, avalia o cientista político André Pereira César. De acordo com o especialista, na conjuntura atual é bastante improvável que a proposta seja aprovada no Legislativo.

Os defensores da PEC argumentam que a reforma do regime de trabalho 6X1 seria um avanço social importante, capaz de modernizar as relações trabalhistas e melhorar a saúde mental dos trabalhadores. Entretanto, a proposta encontra resistências, especialmente entre grupos empresariais e parte dos legisladores que alegam que a mudança pode representar desafios para a produtividade e competitividade das empresas.

Impactos potenciais da mudança

Se aprovada, a alteração proposta pela PEC impactaria diretamente as relações de trabalho em setores como comércio, serviços e indústria, onde a escala de seis dias é mais comum. Os críticos alertam que uma mudança drástica nas jornadas de trabalho pode gerar custos adicionais para empresas, que teriam de reorganizar seus horários e equipes, além de possíveis dificuldades na adaptação das rotinas operacionais.

“Qualquer proposta de redução de jornada precisa passar por uma análise econômica séria. Não podemos simplesmente transferir esse custo para os empregadores. Reduzir a jornada de 44 para 40 horas sem reduzir salários significa que as empresas teriam que contratar mais funcionários ou compensar essa perda de produtividade de alguma forma, o que aumenta os custos operacionais”, afirma Fernando Peluso, sócio do PGBR advogados e coordenador da área de Direito do Trabalho do Insper em São Paulo.

Para o especialista, a redução de jornada gera uma cadeia de efeitos. “Se uma empresa precisa contratar mais funcionários para compensar a perda de horas trabalhadas, os custos aumentam, e isso pode resultar em preços mais altos para produtos ou serviços”, diz.

Por outro lado, os apoiadores destacam os benefícios da proposta. A possibilidade de jornadas mais flexíveis e de mais folgas semanais contribuiria para a melhoria da saúde mental dos trabalhadores, redução de problemas como estresse e burnout, além de potencialmente impulsionar a produtividade.

“Alternativas como a semana de quatro dias, a escala 4×2 e modelos híbridos com flexibilidade de horários podem oferecer mais descanso aos trabalhadores, resultando em menos absenteísmo, maior engajamento e aumento da produtividade. Essas mudanças não apenas melhoram o bem-estar dos empregados, mas também fortalecem a competitividade das empresas, evitando conflitos trabalhistas e promovendo um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo”, analisa Stephanie Almeida.

Experiências internacionais

A ideia da semana de trabalho de quatro dias, com o mesmo salário e benefícios, ganhou força em diversos países, especialmente após a pandemia de Covid-19, quando flexibilidade e equilíbrio entre vida pessoal e profissional se tornaram mais valorizados. A proposta visa condensar as horas trabalhadas, resultando em menos dias de trabalho, o que tem sido apontado como uma forma de aumentar a produtividade e melhorar o bem-estar dos trabalhadores. Essa mudança tem gerado discussões e experimentações em diversas partes do mundo.

Na Bélgica, uma nova legislação permite aos trabalhadores condensar suas horas semanais em quatro dias, sem perda de salário, o que visa trazer maior flexibilidade e dinamismo ao mercado de trabalho. No entanto, essa opção não reduz a carga total de horas, o que pode resultar em jornadas mais longas nos dias úteis, especialmente para quem trabalha em regimes mais rígidos, como os de turnos. O governo espera que essa flexibilidade contribua para um mercado de trabalho mais moderno e competitivo.

No Reino Unido, um piloto com mais de 60 empresas mostrou que a redução da semana de trabalho para quatro dias aumentou a produtividade e melhorou o bem-estar dos trabalhadores. Mais de 90% das empresas participantes planejam manter a medida, que se baseou no modelo “100:80:100” (100% do salário, 80% do tempo, 100% de produtividade). O sucesso desse experimento impulsionou debates sobre a viabilidade de aplicar a mudança em outros países.

Outros países, como a Escócia e o País de Gales, também estão adotando a ideia, com testes planejados ou em execução para reduzir a jornada de trabalho sem cortar salários. Na Escócia, o governo promete apoiar financeiramente as empresas que participarem de seus projetos piloto, enquanto no País de Gales, há um movimento crescente para realizar testes em diversos setores, destacando-se as vantagens para a saúde e felicidade dos trabalhadores.

A Islândia é um dos líderes no experimento de semanas mais curtas, com testes bem-sucedidos entre 2015 e 2019 que resultaram na redução das horas trabalhadas para 35 a 36 horas por semana sem corte de salário. A mudança melhorou o equilíbrio entre vida e trabalho, reduzindo o estresse e aumentando a qualidade de vida. Experimentos semelhantes estão sendo conduzidos ou planejados em outros países, como Espanha, Japão e Nova Zelândia, mostrando um interesse global em repensar as dinâmicas de trabalho tradicionais.

No Brasil, essa discussão enfrenta resistência cultural e econômica. “Existem modalidades de jornada de trabalho muito mais complexas e prejudiciais que mereceriam ser revisadas primeiro, como a jornada de 12 por 36 ou os turnos alternados. Antes de importar qualquer modelo europeu, é preciso considerar as especificidades do Brasil, como a quantidade de feriados e emendas de feriados que temos”, analisa Fernando Peluso.

Para muitos empresários, a mudança traria um aumento no custo de mão de obra e um desafio logístico para as operações. “Precisamos encontrar um equilíbrio entre os direitos dos trabalhadores e a viabilidade econômica das empresas, mas o debate é necessário”, afirma Hilton.

Enquanto avança, o debate em torno de sua viabilidade econômica e de seus impactos sociais continuará a mobilizar diferentes setores da sociedade. Entre apoios e críticas, a PEC do 6X1 discute o futuro das relações trabalhistas no país e a necessidade de modernização em favor da dignidade do trabalhador.

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