Fernanda Funck: “A falta de integração do Judiciário é um dos maiores desafios para a Microsoft no Brasil”
Luciano Teixeira – São Paulo
Fernanda Funck, diretora jurídica da Microsoft Brasil, é uma profissional com ampla experiência em liderança de equipes e um olhar atento à inovação. Com uma carreira que abrange desde o setor automobilístico, onde liderou departamentos jurídicos e de desenvolvimento de rede de concessionários, até a Microsoft, Fernanda acumula uma trajetória marcada pela gestão em áreas como proteção de dados, contencioso, governança corporativa e relações trabalhistas. Sua experiência inclui representar empresas em comitês de relevância e engajar equipes em ambientes altamente regulados.
À frente do departamento jurídico da Microsoft Brasil, Fernanda lida com desafios que vão além do mundo corporativo tradicional. Um de seus focos é enfrentar as dificuldades de um sistema judiciário ainda fragmentado, que carece de integração entre suas diversas plataformas, tornando o acesso a informações e a eficiência na resolução de processos algo complexo e oneroso. Em entrevista, ela ressalta a importância de uma modernização que permita ao Brasil acompanhar a transformação digital e garantir um acesso mais ágil e seguro à Justiça.
Outro ponto crítico abordado por Fernanda é a segurança cibernética. Com o avanço das ameaças digitais e uma crescente onda de ataques hackers, o desafio de proteger os clientes que utilizam os serviços da Microsoft se intensifica. Fernanda destaca a necessidade de educação dos clientes sobre medidas de segurança, além da atuação direta do jurídico em processos decorrentes dessas situações. Acompanhe a entrevista.
Luciano Teixeira: Fernanda, quais são os três principais desafios que vocês na Microsoft Brasil enfrentam?
Fernanda Funck: Eu sou responsável por diversas áreas, como contencioso, consultivo trabalhista, societário e contratos, com foco na eficiência jurídica nessas frentes. Um dos principais desafios que enfrentamos no Brasil é o sistema Judiciário, que ainda é fragmentado, sem integração entre diferentes plataformas, o que dificulta o acesso rápido e eficiente aos dados para análise de processos e tomada de decisões.
Outro grande desafio é o uso responsável da tecnologia e da inteligência artificial. Trabalhamos para promover a segurança cibernética de forma significativa em nosso ordenamento, pois o mundo tem passado por ameaças constantes, e nossos clientes enfrentam cerca de 600 milhões de ataques de hackers por dia. Embora os sistemas sejam robustos, é fundamental que os clientes também adotem medidas de segurança.
Além disso, enfrentamos desafios na área trabalhista, especialmente em acomodar diferentes realidades e demandas de flexibilização. Por exemplo, enquanto nos Estados Unidos há maior flexibilidade nas férias dos funcionários, no Brasil enfrentamos uma legislação mais rígida. Precisamos encontrar um equilíbrio que atenda às novas demandas sem comprometer a segurança dos trabalhadores.
Luciano Teixeira: Sobre os ataques hackers, como o departamento jurídico lida com uma empresa que enfrenta tantos ataques diários? Que tipo de demandas esses ataques geram?
Fernanda Funck: Os ataques são direcionados aos nossos clientes que utilizam sistemas como a nuvem. Eles precisam adotar camadas extras de segurança, como autenticação em dois fatores, para fortalecer seus sistemas. Quando os clientes não contratam esses sistemas de segurança, podem ocorrer falhas que, em alguns casos, são atribuídas à Microsoft, gerando processos judiciais. Precisamos lidar com essa situação explicando a importância das medidas de segurança e enfrentando os processos quando necessário. Além disso, o judiciário brasileiro ainda tem pouca especialização em temas cibernéticos, o que dificulta a condução de certos casos.
Luciano Teixeira: Você mencionou a falta de integração dos sistemas do Judiciário. Que tipo de dificuldades isso gera para vocês?
Fernanda Funck: Temos que contratar sistemas para operar em diversos tribunais com diferentes plataformas, o que eleva os custos. Se houvesse um sistema único para acesso aos dados, isso ajudaria todas as empresas que recorrem ao Judiciário. Além disso, sistemas como inteligência artificial podem ajudar a mitigar esse problema, automatizando tarefas e trazendo mais eficiência.
Luciano Teixeira: A inteligência artificial tem mudado a forma de trabalhar dos departamentos jurídicos. Que sistemas vocês utilizam atualmente?
Fernanda Funck: Desde o final de 2022, com o surgimento do ChatGPT, temos internalizado soluções como o Copilot, nossa inteligência artificial. O jurídico da Microsoft tem sido um dos principais usuários desse sistema. Utilizamos essas ferramentas para organizar e priorizar e-mails, redigir respostas, criar apresentações e gerar resumos automáticos de reuniões. Nossa área de contencioso também se beneficia de sistemas desenvolvidos de forma customizada, trazendo eficiência para a gestão dos processos.
Luciano Teixeira: Como é a estrutura do departamento jurídico da Microsoft?
Fernanda Funck: Temos áreas dedicadas a contratos (comercial), relações governamentais, contencioso, consultivo trabalhista, societário, entre outras. Trabalhamos de forma colaborativa, buscando sempre a eficiência.
Luciano Teixeira: Como foi sua experiência de entrar para a Microsoft, e como é ser advogada in-house?
Fernanda Funck: Trabalhar na Microsoft é um presente, especialmente em um momento em que a inteligência artificial está transformando a nossa forma de atuar. Como in-house, preciso ser mais generalista, conectando temas como proteção de dados com outras áreas. É um desafio constante, mas que me inspira a aprender cada vez mais.
Luciano Teixeira: O que você diria para os advogados sobre o uso da inteligência artificial?
Fernanda Funck: Quero encorajar todos a explorarem a inteligência artificial de forma ética e responsável. Acredito que ela não substituirá o contato humano nas questões mais sensíveis, mas sim complementará nosso trabalho. É importante mantermos a mente aberta para experimentar e evoluir constantemente.