Elita Ariaz: “Não basta intuição; no Nubank, tudo precisa ser embasado em dados”

Elita Ariaz: “Não basta intuição; no Nubank, tudo precisa ser embasado em dados”
"A tecnologia permite que produzamos dossiês probatórios muito mais detalhados e eficazes, algo que antes era impossível sem o uso da IA"/Divulgação
Publicado em 05/11/2024 às 2:01

Luciano Teixeira – São Paulo

A chegada de Elita Ariaz como Chief Legal Officer do Nubank marca um passo significativo para a governança jurídica e de compliance em uma das maiores plataformas de serviços financeiros do mundo. Com uma trajetória de mais de 20 anos no setor financeiro e passagens por instituições tradicionais como Safra e Santander, Elita agora enfrenta o desafio de liderar o departamento jurídico de um banco digital que se destaca pela inovação e rápida adoção de tecnologias de ponta. Ela também é a quarta mulher a ocupar uma posição na diretoria executiva da Nu Holdings, junto com Cristina Junqueira, cofundadora, Livia Chanes, CEO Brasil, e Suzana Kubric, CHRO, reforçando a presença feminina na liderança do banco.

Em sua nova função, Elita encara um contexto de desafios e oportunidades. Além de garantir a segurança jurídica em um ambiente altamente regulado e competitivo, ela precisa adaptar as práticas tradicionais do setor financeiro à abordagem disruptiva do Nubank, onde a tecnologia e os dados são peças centrais. Um dos maiores desafios, segundo Elita, é a necessidade de fundamentar todas as decisões em dados concretos, o que representa uma mudança em relação à prática tradicional, onde a experiência e a intuição eram mais prevalentes.

A utilização de inteligência artificial é outro aspecto fundamental no trabalho do departamento jurídico do Nubank, que, segundo Elita, já observa um aumento significativo na eficiência e nas vitórias processuais com o uso dessa tecnologia. Desde a análise de novas normas regulatórias até a construção de dossiês probatórios detalhados, a IA ajuda a otimizar processos e garante uma atuação mais estratégica e informada. Para a executiva, o papel do advogado em instituições inovadoras como o Nubank é mais do que apenas interpretar normas, é impulsionar o desenvolvimento do banco enquanto se adapta ao uso intensivo de tecnologia em suas operações. Veja a entrevista a seguir.

Luciano Teixeira: Elita, como é ser a chefe do departamento legal de uma empresa dessa relevância e quais os principais desafios que você enfrenta diariamente?

Elita Ariaz: Eu estou há pouco tempo na empresa, apenas sete meses. Venho da indústria financeira, onde atuei por quase 30 anos, passando por instituições como o Safra e o Santander. Para mim, estar aqui é a realização de um sonho, pois é uma empresa que olha tanto para a tecnologia quanto para a missão de simplificar a vida das pessoas. Não se trata apenas de slogans na parede: realmente buscamos resolver as dores dos clientes em cada decisão. Essa função une minha expertise jurídica, minha experiência e a paixão pelo direito, e é gratificante fazer isso em uma empresa tão inovadora, que tem propósito no que faz.

Luciano Teixeira: Quais seriam os três principais desafios que você já enfrentou nesses sete meses?

Elita Ariaz: O primeiro grande desafio é mudar a forma de trabalho. Venho de uma cultura mais tradicional, e aqui o ambiente é muito mais tecnológico, com uma linguagem diferente e onde o uso de dados é fundamental. Costumo dizer que eles me pagam não só pela minha intuição, mas para que eu também embase minhas recomendações em dados. Um exemplo é na área de litígios: não basta eu acreditar que determinada estratégia vai funcionar; preciso mostrar os dados que comprovam a efetividade dessa escolha, muitas vezes usando ferramentas de “legal ops” [operações legais, uma área que visa otimizar os processos internos de um departamento jurídico, de modo a aumentar a eficiência e alinhar as atividades jurídicas com os objetivos estratégicos da empresa] para construir modelos de previsibilidade.

Hoje, sou sempre desafiada a embasar minhas escolhas em dados, utilizando a tecnologia para prever resultados. Com o apoio da equipe de “legal ops” ,  construímos um modelo de previsibilidade, onde posso mostrar de maneira fundamentada o que está funcionando ou não na estratégia adotada.

Luciano Teixeira: E quais são os desafios de se advogar em uma instituição financeira no mercado brasileiro, pensando nos próximos anos?

Elita Ariaz: Um dos grandes desafios é a globalização. Hoje, os produtos financeiros ultrapassam fronteiras, e é essencial estar atualizado com o que acontece em outras jurisdições, pois muita coisa que ocorre fora do Brasil acaba se refletindo aqui. Outro ponto é a inteligência artificial. Precisamos estar atentos a como ela será regulada e aos riscos envolvidos, como viés nos processos decisórios. Questões de responsabilidade são cruciais – quem será responsabilizado se uma decisão automatizada resultar em erro?

Luciano Teixeira: Que tipos de inteligência artificial vocês estão utilizando atualmente no departamento jurídico?

Elita Ariaz: Estamos usando IA em duas frentes principais. A primeira é para monitorar e resumir novas normas, como resoluções do Banco Central ou mudanças legislativas, facilitando a disseminação rápida dessas informações internamente. A segunda frente é o uso de IA em litígios, onde conseguimos compilar um dossiê probatório muito mais robusto e eficiente, extraindo dados de diferentes canais de atendimento e históricos de transações dos clientes.

Luciano Teixeira: Isso impactou a eficiência do jurídico?

Elita Ariaz: Sim, vimos um aumento significativo nas vitórias em processos. A tecnologia permite que produzamos dossiês probatórios muito mais detalhados e eficazes, algo que antes era impossível sem o uso da IA. Ela nos ajuda a extrair informações específicas de horas de ligações e históricos, algo que seria inviável para uma equipe humana.

Luciano Teixeira: O setor bancário brasileiro é tradicionalmente concentrado. Como é atuar juridicamente em um banco que se destaca nesse mercado?

Elita Ariaz: É fundamental ter uma mentalidade disruptiva, estar sempre questionando o status quo e buscando alternativas. Na indústria financeira, temos uma regulamentação clara, mas sempre há espaços para interpretações que podem abrir novas possibilidades. Trabalhar nesse setor exige coragem para assumir riscos jurídicos de forma consciente e adaptável.

Luciano Teixeira: Ainda há poucas mulheres em posições de liderança no setor jurídico. Como foi, para você, quebrar essas barreiras?

Elita Ariaz: Quando comecei minha carreira, realmente era um ambiente muito masculino. Mas nunca me senti menos capaz por isso. Sempre acreditei em minhas capacidades e fui construindo minha trajetória. Hoje, cerca de 70% do meu time é composto por mulheres, e isso inclui posições de liderança. Acho que é importante não só contratar com foco em diversidade, mas também garantir que essas pessoas tenham voz e espaço para contribuir.

Luciano Teixeira: E como você vê a importância da diversidade no departamento jurídico?

Elita Ariaz: A diversidade é essencial para resolver problemas complexos. É preciso ter diferentes perspectivas na mesa, e isso vale tanto para as questões visíveis, como gênero e raça, quanto para a diversidade de pensamento, formação e experiências. É crucial que todos se sintam incluídos e que a diversidade não seja apenas um índice para apresentar ao mercado.

Luciano Teixeira: E como você enxerga o departamento jurídico em 2030?

Elita Ariaz: Acredito que o departamento jurídico terá uma composição ainda mais variada, com profissionais de diversas formações trabalhando juntos. Quero ver mais pessoas que possam ajudar com “legal ops” e análise de dados, não apenas advogados tradicionais.

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