Economia circular: desafios e oportunidades no contexto da nova estratégia nacional
Rafaela Guzzi e Paula Barroso Thompson*
A configuração atual do mundo, com o aumento populacional e o uso dos recursos naturais, traz à tona a necessidade de mudança do modelo linear de produção e consumo, que consiste em extrair, produzir e descartar produtos por meios mais sustentáveis. É necessária uma economia verde que reduza o desperdício e aumente a eficiência desses recursos, mediante um modelo circular que considere a reutilização, reparo, recondicionamento, reciclagem, manutenção e recuperação de valor dos produtos.
É nesse contexto que a economia circular busca o equilíbrio entre o sistema econômico, a sociedade e o meio ambiente para a devolução dos materiais ao ciclo produtivo. Um dos principais objetivos da economia circular, além da reciclagem dos produtos e suas embalagens, é promover mudanças nas etapas da cadeia produtiva, de modo que os produtos que são colocados no mercado sigam práticas ambientalmente corretas.
Esse conceito visa reduzir, reutilizar, recuperar e reciclar materiais e energia, substituindo o modelo de “fim de vida” da economia linear, pelo conceito de “do berço ao berço”, promovendo novos fluxos circulares de reutilização, restauração e reciclagem.
No contexto da economia circular, várias fases interligadas asseguram a economia e eficiência dos recursos naturais: o design circular desenvolve produtos mais duráveis, reparáveis e recicláveis; a produção prioriza o uso de materiais sustentáveis, reciclados ou biodegradáveis; o consumo envolve escolhas conscientes por parte dos consumidores; a reutilização e reparação prolongam a vida útil dos produtos, reduzindo a necessidade de novas extrações de recursos naturais; a reciclagem reintroduz os materiais dos produtos descartados em novos ciclos produtivos; e, por fim, a gestão de resíduos maximiza o valor dos produtos ao utilizar resíduos para geração de energia ou como matéria prima para outros produtos.
Um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), publicado como The Global E-waste Monitor 2024 (Monitor Global de Lixo Eletrônico 2024, em tradução livre), revelou que a produção de lixo eletrônico no mundo deve aumentar para 82 bilhões de toneladas até 2030.
Esse dado indica a urgência de uma economia circular para reverter, ainda que minimamente, este cenário. A boa notícia é que o setor de eletrônicos já inova nas fases da economia circular com design de produtos e insumos mais duráveis e recicláveis, serviços de recuperação de ativos, programas de empréstimo e aluguel de produtos e sistemas de logística reversa.
No Brasil, o recente Decreto Federal nº 12.082/2024 instituiu a Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC), que promove a transição do modelo linear para o circular com diretrizes para o uso eficiente dos recursos naturais e adoção de práticas sustentáveis ao longo da cadeia produtiva.
Alguns dos instrumentos previstos já estão consolidados com normas e procedimentos estabelecidos em várias regiões do Brasil, a exemplo da logística reversa de resíduos, prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010, enquanto outros são iniciais, como o incentivo fiscal, que apenas neste ano ganhou espaço com a publicação do Decreto Federal nº 12.106/2024, que regulamentou o incentivo fiscal à cadeia produtiva da reciclagem previsto na Lei Federal nº 14.260/2021, contudo, ainda depende de Portaria do Ministério do Meio Ambiente para estabelecimento de critérios de enquadramento para o benefício.
A transição para uma economia circular não é uma tarefa fácil. Nesse sentido, é necessária uma mudança cultural e comportamental de todos os elos da cadeia do ciclo de vida dos produtos. Além disso, a regulamentação e os incentivos do governo precisam se alinhar para promover a inovação de matérias e práticas circulares, implementar sistemas eficientes de coleta e reciclagem, bem como apoiar tecnologias avançadas para a recuperação de materiais.
*Rafaela Guzzi e Paula Thompson são advogadas da área Ambiental do Souto Correa Advogados.