Celulares nas escolas: Proibir ou educar para o uso consciente?
Luciano Teixeira – São Paulo
O debate sobre o uso de celulares nas escolas brasileiras tem ganhado força e dividido opiniões. Em 2024, o Ministério da Educação (MEC) apresentou uma proposta que visa proibir os aparelhos em instituições de ensino públicas e privadas, da educação infantil ao ensino médio. A medida, prevista para entrar em vigor em 2025, reflete preocupações sobre os impactos do uso excessivo de dispositivos eletrônicos no ambiente escolar e busca alinhar o Brasil a uma tendência global de restrição ao uso de celulares nas salas de aula.
A iniciativa estabelece a proibição do uso de celulares durante as aulas e intervalos em escolas de todo o país. Para estudantes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), os aparelhos não poderão nem mesmo ser levados à escola. Já para alunos dos anos finais do fundamental (6º ao 9º ano) e do ensino médio, os celulares deverão ser mantidos guardados durante o período escolar.
Há, entretanto, exceções à regra. O uso dos dispositivos será permitido para fins pedagógicos, desde que orientado por profissionais de educação, ou em casos que envolvam questões de acessibilidade, inclusão ou condições de saúde.
A medida ainda precisa ser aprovada pelo Legislativo federal e sancionada pelo presidente Lula. O objetivo é que sua aplicação seja regulamentada a tempo do início do ano letivo de 2025.
Por que banir os celulares nas escolas?
O uso excessivo de celulares no ambiente escolar tem sido associado a uma série de desafios para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos. Estudos internacionais apontam que dispositivos eletrônicos podem comprometer a concentração, a memória e a interação social dos estudantes.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o uso descontrolado de celulares é prejudicial para o aprendizado. A entidade recomenda cautela no uso de tecnologias educacionais, destacando que dispositivos devem ser ferramentas auxiliares e não distrativos.
Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação, enfatiza a importância de limitar o acesso aos aparelhos. “É preciso colocar um limite firme e rigoroso, para que o aluno possa ter seu desenvolvimento cognitivo e seu aprendizado garantidos, além de preservar a convivência social e o desenvolvimento emocional”, afirma.
Uma pesquisa do Datafolha revelou que 62% dos brasileiros apoiam o banimento dos celulares nas escolas, indicando um amplo respaldo popular para a medida.
SP: o primeiro estado a criar uma lei sobre o assunto
A partir do ano que vem os celulares estão proibidos nas escolas, públicas e privadas, de São Paulo. O governador Tarcísio de Freitas sancionou o Projeto de Lei 293/2024, da deputada Marina Helou (Rede) e aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo. A nova lei substitui e amplia a lei de 2007, agora proibindo os tipos de dispositivos eletrônicos, com a vedação passando a valer também para tablets, relógios inteligentes e aparelhos similares.
Com a nova lei, São Paulo passa a ser o primeiro estado a restringir o uso dos aparelhos eletrônicos, uma vez que a utilização ainda é permitida para fins pedagógicos, no acesso a conteúdos digitais e ferramentas educacionais. Os aparelhos serão suspensos também no intervalo entre as aulas, recreios e atividades extracurriculares.
Antes, as escolas determinavam como funcionaria a limitação do acesso aos celulares. Agora as unidades de ensino seguirão um protocolo pra o armazenamento dos celulares durante o período de permanência dos estudantes.
Projeto, em tramitação no Legislativo federal, amplia proibição para todo país
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, em caráter conclusivo, nesta quarta-feira (11), o Projeto de Lei 104/2015, que restringe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis, sobretudo de telefones celulares, nas salas de aula dos estabelecimentos públicos e privados de ensino infantil e médio.
O texto segue agora para apreciação pelo Senado. Se aprovado conforme encaminhado pelos deputados federais, permitirá o uso dos dispositivos eletrônicos em ambiente escolar apenas para fins pedagógicos, com a supervisão dos educadores. Os estudantes também poderão utilizar os equipamentos quando estes forem imprescindíveis para garantir a acessibilidade ou a inclusão; atender às condições de saúde ou garantir os direitos fundamentais dos alunos.
Impacto
Sandhra Cabral, professora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e responsável pelo portal Educar para Ser Grande, considera a proibição de celulares nas escolas uma medida necessária. Segundo ela, tanto crianças quanto adultos no Brasil não são devidamente instruídos sobre o uso consciente da internet, o que limita o entendimento de seus benefícios e potenciais prejuízos. Entre os impactos negativos, ela destaca problemas de cognição, perda de foco e distração.
No entanto, Sandhra acredita que a simples proibição não será suficiente para transformar o foco e a rotina dos alunos de forma completamente positiva, especialmente nos primeiros momentos da implementação. “As crianças estarão proibidas de usar o celular dentro da escola, sendo obrigadas a interagir com professores e colegas, o que é bom; mas elas ficarão extremamente ansiosas no início porque estão acostumadas a utilizar os aparelhos o tempo inteiro”, opina.
Ela aponta que a adaptação exigirá esforços tanto dos estudantes quanto dos professores. “No primeiro dia letivo de 2025, a pessoa vai para a escola e não pode usar o celular por quatro, cinco horas. Se é integral, por muito mais tempo. Essa criança ou adolescente ficou com o celular na mão as férias inteiras. E aí ela chega lá e não vai ter isso. Então, primeiro será necessário ter uma readequação. Os professores terão que criar várias atividades pedagógicas que sejam interativas para as crianças não ficarem sentadas na carteira vendo o professor falar, porque isso vai dar uma ansiedade absurda nesses alunos”, analisa.
Para enfrentar esses desafios, Sandhra sugere a inclusão de aulas de educação midiática no currículo escolar, mesmo que de forma interdisciplinar. Ela critica a falta de aplicação da lei federal de 2023, que orienta as escolas a promoverem essa formação. “É preciso porque as crianças vão continuar usando a internet sem saber de todos os riscos. E nós vamos continuar tendo fake news e desinformação, porque as crianças não sabem diferenciar fato de opinião. E há uma gama de jovens analfabetos funcionais que também não sabem fazer essa distinção”, alerta.
Um ponto positivo apontado pela professora é a flexibilização da lei, permitindo o uso de celulares para fins pedagógicos. “Dessa forma, o impacto dessa ansiedade nas crianças diminuirá, ao mesmo tempo que se mostra ser possível fazer as duas coisas — manejar o celular e aprender ao mesmo tempo”, diz.
Desafios de implementação no Brasil
Apesar do apoio à proposta, especialistas apontam uma série de desafios para sua aplicação. Apenas 12% das escolas brasileiras afirmam ter implementado regras claras sobre o uso de celulares, de acordo com a pesquisa TIC Educação 2023.
Entre os obstáculos estão:
- Adesão das escolas: Muitas instituições públicas e privadas enfrentam dificuldades estruturais para fiscalizar o cumprimento da regra.
- Questões de segurança: A exigência de armazenar celulares no ambiente escolar pode atrair roubos e gerar preocupação entre pais e gestores.
- Conflitos familiares: Para muitos pais, o celular é uma ferramenta essencial de comunicação com os filhos, especialmente em cenários de insegurança urbana.
Casos internacionais como inspiração
A proibição de celulares nas escolas não é uma iniciativa exclusiva do Brasil. Em países como França, Holanda e Finlândia, políticas semelhantes têm sido adotadas, cada uma com suas particularidades.
- França: Desde 2018, o país proíbe celulares para alunos com até 15 anos, inclusive nos intervalos.
- Holanda: Em 2024, o governo implementou um acordo que restringe o uso de celulares, tablets e relógios inteligentes em sala de aula, permitindo exceções pedagógicas.
- Finlândia: Cidades maiores começaram a aplicar restrições, enquanto o governo trabalha em uma legislação nacional.
- China: Desde 2021, os aparelhos precisam ser entregues aos professores durante as aulas, salvo autorização especial dos pais.
Esses exemplos mostram que o sucesso de políticas de restrição depende de uma combinação entre proibição e educação digital.
Possibilidades e limitações no Brasil
Especialistas sugerem que, além da proibição, o Brasil deve investir em políticas de longo prazo que integrem a tecnologia ao currículo escolar. A Política Nacional de Educação Digital, por exemplo, propõe o uso responsável de dispositivos eletrônicos e o desenvolvimento de competências em áreas como programação e letramento digital.
Andreia Schmidt, pesquisadora vinculada à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), defende a proibição do uso de celulares nas escolas por acreditar que o ambiente escolar será um espaço para afastar crianças e adolescentes das telas, incentivando uma interação mais significativa com colegas e professores.
Para Andreia, promover maior interação social dentro da escola pode trazer benefícios significativos. “São as pessoas que nos ensinam como nos regular emocionalmente, como lidar com as diferenças e com o mundo, que é, em última instância, o que realmente importa”, argumenta.
Ela destaca que a lei cria uma oportunidade única para que jovens vivenciem o mundo real e desenvolvam habilidades sociais essenciais. “O que de fato essa lei vem trazer é a oportunidade para as crianças e adolescentes interagirem no mundo real, tanto com as tarefas, com as demandas do mundo real, como com as demandas sociais, que são as demandas de relacionamento, de interação que a gente precisa aprender ao longo da infância e da adolescência”, conclui.
Se aprovada, a proposta brasileira será um marco para o ambiente educacional, trazendo desafios e oportunidades. A implementação bem-sucedida dependerá da articulação entre governos, escolas e famílias, além de um esforço coletivo para educar sobre o uso responsável da tecnologia.
Como mostram os exemplos internacionais, a proibição pode melhorar o foco e a convivência em sala de aula, mas exige um planejamento cuidadoso para atender às necessidades específicas de cada contexto.
Dessa forma, o Brasil poderá transformar o desafio do uso excessivo de celulares em uma oportunidade para reimaginar o papel da tecnologia na educação, promovendo um ambiente mais equilibrado e favorável ao aprendizado.