Botafogo em transformação: como compliance e ética redefinem o clube em campo e fora dele
Luciano Teixeira – São Paulo
O Botafogo vive, em 2024, uma temporada dos sonhos no futebol, liderando o Campeonato Brasileiro e avançando para a final da Copa Libertadores. Após anos de instabilidade e dificuldades financeiras, o clube parece finalmente consolidar-se em uma trajetória de crescimento e competitividade. Essa transformação não envolve apenas mudanças no campo, mas uma reformulação profunda em suas práticas corporativas e de governança, resultado direto da implementação da Sociedade Anônima de Futebol (SAF), que trouxe novos investimentos, estrutura administrativa e modernização dos processos internos.
A reestruturação liderada pela SAF permitiu ao clube desenvolver programas de integridade e compliance, além de reforçar áreas estratégicas como o setor jurídico e a área de comunicação. As iniciativas refletem um comprometimento do Botafogo em redefinir sua cultura organizacional, aproximando-se de padrões de transparência e responsabilidade que já são realidade em mercados esportivos mais consolidados, como os da Europa e dos Estados Unidos. A criação de canais internos de denúncia e o incentivo à capacitação dos profissionais envolvidos mostram o esforço para promover um ambiente ético e seguro, tanto para os colaboradores quanto para os torcedores.
Em entrevista a LexLegal, Allan Turano, DPO da SAF Botafogo, detalha como essa nova visão de governança impactou a imagem do clube e ajudou a consolidar seu protagonismo dentro e fora dos campos. Com foco na transparência e no fortalecimento da relação com a torcida, a equipe busca se destacar como líder no futebol, e, para além disso, como referência em práticas que envolvem todos os setores, a começar pelo departamento jurídico. Turano explica as iniciativas implantadas e como a estrutura legal atua para garantir que o Botafogo se mantenha alinhado aos valores de ética e responsabilidade em todas as suas ações.
Luciano Teixeira: Allan, vamos começar falando sobre o Botafogo. Este ano, o time realmente se destacou, mas também houve uma mudança na imagem do clube desde a criação da SAF. Como essa transformação aconteceu?
Allan Turano: Houve dois movimentos simultâneos. De um lado, o corporativo, e do outro, o esportivo. Ambos caminham juntos, apesar de terem influências distintas. O corporativo impacta diretamente na credibilidade. Quando você investe em estrutura — seja no jurídico, na comunicação, no marketing, no financeiro ou no setor de pessoas e cultura — você começa a ver resultados positivos também no campo. A direção acreditou nesse processo, investiu na formação e capacitação da equipe e implementou programas de integridade dentro do clube.
Luciano Teixeira: Você mencionou capacitação. O que foi implementado para apoiar essa nova fase?
Allan Turano: Temos parcerias com instituições que certificam profissionais em compliance, com as quais nossos colaboradores se capacitam e se certificam para atuar na área. Isso incluiu treinamento e provas, e o clube cobriu os custos financeiros e ofereceu suporte moral, incentivando os colaboradores a se especializarem. A ideia é que, ao investir nos nossos profissionais, consigamos desenvolver uma cultura de compliance e transparência dentro do clube.
Luciano Teixeira: E, na prática, quais foram as mudanças no dia a dia do Botafogo? Você poderia dar exemplos concretos?
Allan Turano: Claro. Um dos avanços foi a criação do nosso canal de denúncia. Esse canal permite que colaboradores e até mesmo parceiros externos reportem irregularidades, como casos de assédio ou uso inadequado de despesas. As denúncias são tratadas com confidencialidade, e isso empodera aqueles que precisam reportar algo. Outro exemplo foi o programa “A Hora Delas”, focado no público feminino. Nosso torcedor tem uma grande representatividade feminina, e esse programa permite que as mulheres denunciem casos de violência, física ou psicológica, durante as partidas. Contamos com apoio jurídico e policiamento especial para garantir que o estádio seja um ambiente seguro.
Luciano Teixeira: E como essas mudanças impactaram tanto a equipe quanto a torcida?
Allan Turano: Internamente, os colaboradores agora têm uma sensação de segurança e transparência. Sentem que a alta direção valoriza a integridade e que existe um ambiente seguro para reportar e resolver questões. Para a torcida, isso traz um ciclo virtuoso. O estádio passa a ser visto como um espaço seguro e acolhedor, onde todos podem expressar sua paixão pelo clube sem medo. Recentemente, tivemos o caso de um torcedor identificado em um ato racista. O clube denunciou o fato, compartilhou imagens e o baniu do estádio. Essa é a integridade em ação.
Luciano Teixeira: Toda mudança de postura tende a enfrentar resistências. Como foi esse processo no Botafogo?
Allan Turano: A resistência maior veio externamente, de um segmento da torcida que às vezes adota uma visão social ultrapassada, defendendo uma “época em que tudo era diferente”. No entanto, essas vozes têm sido neutralizadas pelo próprio apoio da torcida e pelo reconhecimento das nossas iniciativas.
Luciano Teixeira: Para finalizar, qual o papel do setor jurídico nessas mudanças?
Allan Turano: O jurídico é fundamental, pois garante que todas as ações estejam em conformidade com as leis. Isso traz uma sensação de segurança, tanto para o clube quanto para os colaboradores e a torcida, mostrando que estamos fazendo as coisas da maneira certa.