As questões jurídicas da herança de Silvio Santos e dos valores mantidos em paraísos fiscais

As questões jurídicas da herança de Silvio Santos e dos valores mantidos em paraísos fiscais
A viúva e as seis filhas de Silvio Santos decidiram acionar a Justiça contra o Estado de São Paulo, contestando a cobrança de R$ 18 milhões referente ao imposto/Reprodução Instagram
Publicado em 10/01/2025 às 4:30

Da redação de LexLegal

A família do apresentador Silvio Santos, que faleceu em agosto do ano passado aos 93 anos, está enfrentando uma disputa judicial envolvendo o montante deixado por ele. A herança do apresentador, avaliada em cerca de R$ 429,9 milhões, está no centro de um questionamento tributário. A maior parte desse valor, aproximadamente R$ 428 milhões, está depositada em contas internacionais nas Bahamas, especificamente na instituição Daparris Corp Ltd, que era presidida por Silvio Santos. As Bahamas são conhecidas como um paraíso fiscal, o que adiciona um nível de complexidade à aplicação do imposto no Brasil. A fortuna gerou divergências relacionadas ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

A viúva e as seis filhas de Silvio Santos decidiram acionar a Justiça contra o Estado de São Paulo, contestando a cobrança de R$ 18 milhões referente ao imposto. A família argumenta que a cobrança é indevida, já que o dinheiro está fora do Brasil. O processo foi iniciado em 13 de dezembro de 2024.

O procurador Paulo Gonçalves da Costa Júnior, em manifestação no caso, questionou a origem dos valores e a presença de bens em paraísos fiscais, alegando que a maior parte do patrimônio atribuído à herança surpreende por estar vinculada a contas e participações societárias no exterior, especificamente nas Bahamas.

“Silvio Santos, ou Senor Abravanel, era uma figura amplamente reconhecida no Brasil, com atividades econômicas e patrimônio bem conhecidos no país. É curioso que grande parte da herança esteja associada a uma entidade sediada em um paraíso fiscal, até então desconhecida do público”, apontou o procurador.

Decisão favorável à família

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concedeu uma liminar em benefício de Íris Abravanel, viúva de Silvio Santos, e de suas seis filhas: Patrícia, Rebeca, Cintia, Silvia, Daniela e Renata Abravanel. A decisão temporariamente isenta as herdeiras de pagar o imposto normalmente aplicado em situações de herança.

A liminar, emitida pelo juiz Luis Manoel Fonseca Pires, da 3ª Vara da Fazenda Pública, foi assinada em 19 de dezembro de 2024, mas só se tornou pública no início de janeiro de 2025, após o recesso de fim de ano.

A decisão reconheceu possíveis excessos na cobrança do imposto e determinou a suspensão temporária da exigência. O magistrado destacou que a medida também evita que os nomes das herdeiras e da viúva sejam inscritos em cadastros de inadimplentes, como o Serasa, devido à pendência fiscal.

“Defiro a tutela de urgência para suspender a exigibilidade da parcela controversa do tributo ITCMD no montante apurado pelas partes autoras e para impedir a inscrição das autoras nos serviços de proteção ao crédito, caso o motivo seja o débito aqui debatido”, afirmou o juiz.

Apesar da decisão favorável, o acesso às contas internacionais permanece bloqueado, e a liminar trata exclusivamente da suspensão do pagamento imediato do imposto.

O TJSP planeja agendar uma audiência de conciliação para tentar resolver o impasse entre as partes. Contudo, até o momento, não há uma data definida para esse encontro.

O debate jurídico: a cobrança é legítima?

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é um tributo estadual aplicado a transferências de bens ou direitos realizadas sem contraprestação financeira, como doações e heranças. Em São Paulo, a alíquota do ITCMD é de 4%, conforme previsto na Lei nº 10.705/2000.

A base de cálculo do imposto é o valor total dos bens ou direitos transferidos, e sua incidência é obrigatória em casos de transmissão de bens situados no Brasil, mesmo que o proprietário original tenha recursos em contas no exterior.

Para muitos especialistas, a cobrança feita pelo Estado de São Paulo é juridicamente controversa. Segundo Diego da Silva Viscardi, consultor do Machado Associados, o STF já declarou a inconstitucionalidade do ITCMD sobre bens no exterior na ausência de uma lei complementar específica. “Mesmo com a Emenda Constitucional nº 132/2023 permitindo uma regulamentação provisória, a jurisprudência majoritária ainda favorece os contribuintes”, explica.

Christiane Valese, do Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados, ressalta que não há isenção para bens no exterior, mas sim uma impossibilidade jurídica de cobrança devido à ausência de regulamentação. “O principal precedente é o Recurso Extraordinário 851108, que impede a instituição do imposto sem uma lei complementar”, afirma.

De acordo com tributaristas, a decisão de deixar boa parte da fortuna em paraísos fiscais pode ser justificada por questões como diversificação de investimentos, proteção contra oscilações cambiais e facilitação do processo sucessório.

“A manutenção de bens no exterior é legítima e comum em grandes fortunas, mas exige rigoroso compliance tributário para evitar questionamentos legais”, analisa João Henrique Gasparino, sócio do Grupo Nimbus. David Giacomazzi, do J Legal Team, complementa: “É fundamental que esses ativos estejam devidamente declarados à Receita Federal.”

Impactos na imagem e nas finanças da família

Para Leandro Chiarottino, do Chiarottino e Nicoletti Advogados, disputas como essa são naturais em grandes espólios. “Desde que conduzidas com transparência, tendem a não afetar significativamente a reputação pública dos envolvidos”, observa.

Do ponto de vista financeiro, a suspensão temporária da cobrança, concedida liminarmente pela Justiça, evita um impacto imediato, mas não garante o acesso rápido aos valores depositados no exterior. A decisão final dependerá do julgamento sobre a legalidade da cobrança.

Enquanto a família Abravanel defende sua posição com base na jurisprudência do STF, o Estado de São Paulo sustenta que a Emenda Constitucional 132/2023 já permite a cobrança, mesmo sem uma lei complementar. O desfecho do caso terá implicações para os herdeiros de Silvio Santos e também para outros contribuintes em situações semelhantes.

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