Brics buscam alternativas tecnológicas e financeiras na disputa global com EUA
A 16ª Cúpula do BRICS, que aconteceu em Kazan, na Rússia teve como foco central a busca por estratégias que permitam aos seus membros contornar as barreiras comerciais e tecnológicas impostas pelos Estados Unidos e seus aliados. O bloco, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além de seus novos membros (Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito), busca se consolidar como uma alternativa ao sistema econômico dominado pelas potências ocidentais.
A China, um dos principais membros do BRICS, enfrenta pressão crescente devido às sanções econômicas impostas por países ocidentais, especialmente pelos EUA, que visam conter seu avanço tecnológico e comercial. O professor de direito do comércio internacional da Universidade de São Paulo (USP), José Augusto Fontoura Costa, aponta que essa pressão faz parte de uma guerra comercial declarada entre as duas maiores economias do mundo.
“Os Estados Unidos estão em clara guerra comercial com a China para tentar conter o desenvolvimento chinês. Por isso, a China tenta construir um espaço para sua atuação econômica, e isto é uma das coisas que interessa ao Brasil e a todos os demais participantes do BRICS”, explica Fontoura Costa.
Segundo o especialista, o principal campo de embate entre os dois países está nas tecnologias de ponta, como chips, foguetes, biotecnologia e medicamentos. “É nesse campo que vai se definir quando e quem vai ser o novo ator hegemônico no mundo, se vai continuar sendo EUA, se a China vai passar ou se vai chegar em um equilíbrio”, analisa.
Expansão do BRICS e integração dos novos membros
Esta cúpula também marcou um momento significativo para o bloco, que recebeu cinco novos países este ano. A entrada de Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito fortalece o BRICS em termos de influência geopolítica e econômica, ao mesmo tempo em que oferece uma plataforma para países que sofrem com sanções ocidentais, como Irã e Rússia, buscarem alternativas financeiras e comerciais.
A coordenadora do grupo de pesquisa sobre BRICS da PUC do Rio de Janeiro, Maria Elena Rodríguez, ressalta que a intenção de potências ocidentais, como os EUA, de manter o controle sobre tecnologias de ponta, está ligada a uma lógica de hegemonia e dependência. “Se eu controlo uma tecnologia que ninguém mais tem, todos vão depender de mim, não só economicamente, mas também em termos de necessidades. Isso é imperialismo e hegemonia. E, quando se trata de tecnologia, há um pouco de colonialismo”, afirma.
Rodríguez também destaca que os BRICS devem desenvolver um papel fundamental na cooperação tecnológica entre seus membros. “O Banco dos BRICS tem ajudado os países a alcançarem níveis de desenvolvimento importantes, algo que os bancos ocidentais, como o Banco Mundial, não têm interesse em promover”, complementa.
O Brasil e o desafio de equilibrar suas relações internacionais
A participação do Brasil no BRICS coloca o país em uma posição estratégica, na qual precisa equilibrar sua atuação no bloco com suas relações com os Estados Unidos e outros aliados ocidentais. José Augusto Fontoura Costa observa que o Brasil deve aproveitar suas relações comerciais com a China para avançar tecnologicamente em setores estratégicos, como a agropecuária, o petróleo e gás, além da tecnologia aeronáutica.
“O Brasil não é um vazio tecnológico, temos potencial, mas perdemos muito tempo sem investir adequadamente em desenvolvimento de ciência e tecnologia. Nosso desenvolvimento tecnológico sempre foi impulsionado pelo Estado, através de empresas como Petrobras, Embrapa e Embraer”, explica.
Maria Elena Rodríguez reforça que o Brasil vem buscando avançar no campo tecnológico, especialmente por meio de tecnologias verdes. “O Brasil está propondo que a China seja um aliado importante em tecnologias verdes que vão ajudar o país no processo de reindustrialização. O país tem se posicionado de forma forte em suas cooperações e no fortalecimento dos países do Sul Global”, afirma.
Impactos da regulação digital no Brasil: integração com o cenário global
Além da cooperação no âmbito do BRICS, o Brasil também enfrenta desafios internos, principalmente no que diz respeito à regulação das plataformas digitais. O Ministério da Fazenda tem buscado alinhar a legislação brasileira às tendências internacionais, como o Digital Markets Act da União Europeia, e fortalecer o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para fiscalizar gigantes tecnológicas.
A advogada Daniela Poli Vlavianos, do escritório Poli Advogados & Associados, destaca que “as propostas do Ministério da Fazenda para regular as plataformas digitais no Brasil terão impacto significativo no ambiente jurídico e econômico”. Segundo ela, a modernização da Lei de Defesa da Concorrência permitirá ao Brasil promover um mercado mais competitivo e regulado, além de evitar monopólios e proteger consumidores.
Poli Vlavianos também aponta que a regulação trará desafios jurídicos para as empresas que atuam no setor, especialmente no que diz respeito à adaptação às novas normas de transparência e compliance. “A necessidade de maior transparência poderá impactar a forma como essas empresas coletam e utilizam dados, exigindo um compliance mais robusto e possivelmente acarretando sanções para aquelas que não se adequarem”, explica.
Cristiano Padial Fogaça, sócio do escritório Fogaça Murphy Advogados, ressalta que o poder das big techs no mercado digital é uma preocupação crescente. Ele acredita que a regulação do setor é necessária para evitar abusos e desequilíbrios nas relações comerciais entre as empresas. “O Governo enxerga que as big techs passaram a exercer um poder econômico muito relevante no mercado, e por isso entende que o setor deve ser regulado pelo Cade”, afirma Fogaça.
Fogaça também observa que o direito concorrencial no Brasil, que visa garantir a livre concorrência, precisa ser atualizado para lidar com a complexidade das plataformas digitais. Ele destaca a importância de que as novas regulamentações estejam em conformidade com o sistema de defesa da concorrência já existente. “Se admitirmos que a Lei nº 12.529/2011 não consegue dar conta da complexidade das plataformas digitais, é fundamental que o novo regramento, a ser discutido pelo Congresso, não conflite com o sistema de defesa da concorrência”, conclui.
As questões de regulação digital e o fortalecimento da economia tecnológica e verde fazem parte desse cenário em que o país deve se posicionar, não apenas como um observador, mas como um protagonista que equilibra interesses diversos em um mundo em rápida transformação.