A polêmica da tributação de fertilizantes e defensivos agrícolas na reforma tributária

A polêmica da tributação de fertilizantes e defensivos agrícolas na reforma tributária
"Defensivos e fertilizantes são insumos essenciais a uma produção em larga escala, segura e rentável aos produtores"/Pixabay
Publicado em 06/11/2024 às 15:20

Ranieri Genari Augusto*

No momento em que o Congresso se debruça sobre a análise e votação do texto das leis complementares que regulamentarão a Reforma Tributária, aprovada em 2023, é salutar ampliarmos as discussões sobre o Imposto Seletivo, também conhecido em outros países como “Sin Tax”, ou imposto do pecado, em tradução livre.

É notório que, pelo art. 153, inc. VII da CF/88, foi delegado à União a competência para “sobretaxar” bens e serviços que causam mal à saúde e ao meio ambiente. Nesse sentido, muito se discute se está correta a inclusão dos defensivos e fertilizantes agrícolas no Anexo IX do PLP 68/2024, que trata da redução do IVA em 60%, o que impede que lhes seja aplicado o Imposto Seletivo em virtude da vedação expressa contida no art. 9º, § 9º da EC 132/2023, quando, em tese, tais itens se enquadrariam na materialidade da hipótese de sua incidência.

Ora, seria um tanto quanto temerário de nossa parte conjecturar que os defensivos e fertilizantes são todos potenciais degradadores do meio ambiente, ou mesmo que sua ingestão ou manuseio no campo resultará, inexoravelmente, em malefícios à saúde, haja vista não só a restrição e controle de uso sobre alguns, imposta pelas autoridades sanitárias, mas também muito pelas inovações tecnológicas, que melhoraram exponencialmente a aplicabilidade e uso seguro desses produtos, avanços esses reconhecidos pelo STF, em junho deste ano, ao suspender a análise da ADI 5553, que trata da manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos, para que, em audiência pública, discussões sérias possam ser travadas, de parte a parte.

Nesse sentido, ao olharmos para a experiência europeia, veremos que, em alguns modelos de tributação, a exemplo da Dinamarca, aplica-se uma tributação progressiva a esses itens, de acordo com seu grau de toxicidade, o que contribui para a sua substituição por insumos ambientalmente mais sustentáveis; em alguma medida, isso poderia se adequar à nossa realidade, mediante a alteração da redação atual do PLP 68/2024, diferenciando a aplicação da redução das alíquotas, a depender dessa toxicidade, permitindo assim a aplicação do Imposto Seletivo sobre aqueles considerados mais tóxicos.

Convém também lembrarmos que o Governo Federal, desde o início das tratativas sobre a Reforma Tributária, deixou claro que a ideia não seria aumentar a arrecadação, tampouco diminuí-la, mas sim mantê-la nos patamares atuais; logo, em relação a esses itens, vemos que a opção legislativa pela redução nada mais faz do que refletir o cenário atual de tributação, conforme o Convênio ICMS 100/1997, que lhes promove a redução de 60% na base de cálculo do ICMS, bem como em relação ao IPI, cuja tributação é zero.

Devemos destacar sempre que nosso país é majoritariamente um produtor de alimentos, atividade responsável por boa parte de nosso PIB, sendo os defensivos e fertilizantes insumos essenciais a uma produção em larga escala, segura e rentável aos produtores, mas que também garante a segurança alimentar não só no Brasil, mas no mundo. Portanto, qualquer discussão nesse sentido deve ser levada a efeito sem paixões ideológicas ou meramente econômicas, mas sim pautadas na racionalidade e seriedade necessárias a um tema tão sensível.

Para além disso, devemos compreender que a instituição de um tributo, tal como o Imposto Seletivo, não se dissocia de suas repercussões econômicas, tanto em seu efeito no orçamento público quanto em seu efeito catalisador ou inibidor do consumo daquele bem ou serviço sobre o qual é aplicado; desta feita, não é insensatez supormos que um aumento de carga tributária sobre esses insumos, embora com o caráter pedagógico de desincentivar ou substituir o seu uso, resultará em um custo maior de produção, que invariavelmente será repassado aos consumidores, impactando as exportações brasileiras no que tange à competitividade global dos preços das commodities, bem como implicando internamente na inflação dos alimentos, reduzindo economicamente o poder de compra das famílias brasileiras, cujo impacto social será o aumento das desigualdades de renda e o indesejado incremento do “Mapa da Fome” no país.

*Ranieri Genari é advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/Ribeirão Preto, consultor tributário na Evoinc.

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