Bolsonaro indiciado pela PF por plano de golpe: E agora, o que vai acontecer?
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo da investigação sobre tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e determinou o encaminhamento do relatório final da Polícia Federal à Procuradoria-Geral da República (PGR). Com isso, os detalhes da investigação foram revelados.
De acordo com o documento, “as ações apuradas não se limitam a manifestações públicas, mas envolveram a articulação de grupos organizados, com financiamento estruturado, para desestabilizar as instituições democráticas e subverter a ordem constitucional.”
Em outro ponto, o relatório avalia o uso das redes sociais. “As redes sociais desempenharam um papel central na disseminação de discursos de ódio, desinformação e na convocação de atos que buscavam a ruptura da ordem democrática.”
O documento deixa claro a gravidade das ações. “Os atos investigados configuram ataques coordenados ao Estado Democrático de Direito, com o objetivo de abolir o sistema constitucional por meio de métodos violentos e ilegais”. E também avalia a consistência das provas. “As provas reunidas demonstram a existência de um esquema estruturado, envolvendo atores públicos e privados, que planejavam a interrupção das funções dos Poderes da República.”
O relatório também conclui que houve financiamento para os atos golpistas. “Há evidências claras de que recursos financeiros substanciais foram direcionados para a organização e execução de atos antidemocráticos, o que reforça a atuação de uma organização criminosa.”
E fala sobre a participação de figuras públicas. “Diversas autoridades públicas e líderes políticos estão diretamente envolvidos na promoção e financiamento de ações que buscavam legitimar um golpe contra as instituições democráticas.”
Pede ainda a responsabilização dos envolvidos. “É imprescindível que os responsáveis pelos atos sejam responsabilizados de forma exemplar, para que se preserve o pacto democrático e a credibilidade das instituições brasileiras.”
A análise dos especialistas
Para Rodrigo Prando, cientista político do MacKenzie, em São Paulo, o relatório é técnico e jurídico. “Demonstra um trabalho meticuloso, com 834 páginas que deixam claro a lógica dos eventos e das ações investigadas. É uma pancada técnica e jurídica bastante forte”, afirma.
Ele avalia que o relatório descreve de forma didática os núcleos de desinformação, ataques ao sistema eleitoral, adesão militar ao golpe, apoio jurídico e operacional. “Esses núcleos mostram uma sequência lógica que evidencia como o bolsonarismo utilizou estratégias de desinformação e teoria da conspiração como elementos-chave para mobilizar apoio e desestabilizar o Estado Democrático”, diz.
Prando analisa o impacto político e jurídico do documento. “O relatório traz provas robustas, como conversas de WhatsApp e depoimentos que mostram um esquema bem articulado. Apesar disso, a narrativa bolsonarista tentará desacreditar as conclusões e sustentar que não houve golpe, apenas ideias que não foram colocadas em prática.”
O cientista político acredita que, para quem está dentro do bolsonarismo, esse relatório será apenas mais uma peça de perseguição. “A narrativa está pronta para rechaçar qualquer ação do STF, da PGR ou da Polícia Federal. É um confronto entre a narrativa política e o conteúdo técnico robusto do relatório.”
E agora?
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi indiciado pela Polícia Federal (PF) junto a 36 pessoas, pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. O indiciamento, porém, não significa que Bolsonaro será preso ou considerado culpado, sendo apenas uma conclusão da PF de que há indícios de autoria em relação aos crimes investigados.
Agora, cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) analisar o inquérito e decidir se há elementos suficientes para oferecer denúncia contra Bolsonaro e os demais indiciados. Sem a denúncia formalizada pelo Ministério Público, não há como avançar para uma ação penal.
Haverá prisão?
A prisão do ex-presidente não pode ser decretada automaticamente. Segundo os advogados criminalistas consultados por LexLegal, apenas o Ministério Público, no caso, a PGR, pode solicitar uma prisão preventiva. Neste caso, o juiz ou ministro relator não pode decretar a prisão de ofício sem um pedido do titular da ação penal.
Caso a PGR entenda que há necessidade de prisão preventiva, o pedido será avaliado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista, essa análise seguirá os critérios do artigo 312 do Código de Processo Penal, que permite prisão preventiva para garantir a ordem pública, evitar interferências na investigação ou assegurar a aplicação da lei penal, desde que haja provas do crime e indícios suficientes de autoria.
E quais são as possibilidades?
A PGR pode seguir um de três caminhos, de acordo com Abdouni:
- Solicitar à PF informações adicionais, caso considere o material atual insuficiente para prosseguir;
- Formalizar uma denúncia contra Bolsonaro e os demais indiciados, levando o caso ao STF para análise e eventual abertura de processo penal;
- Decidir pelo arquivamento do inquérito, se entender que não há crime ou que não há elementos suficientes para identificar os autores.
Para os advogados consultados, a possibilidade de arquivamento neste caso é “bastante improvável”, considerando os elementos apresentados até agora pela Polícia Federal.
A defesa de Bolsonaro afirma que ele é alvo de perseguição política e que provará sua inocência, reiterando que todas as ações do ex-presidente seguiram as leis e a Constituição brasileira.
Veja a íntegra da decisão que retirou o sigilo.
Veja a íntegra do relatório final da Polícia Federal.