Os ataques ao STF e a discussão sobre sua qualificação como terrorismo
Welington Arruda*
Os ataques ao Supremo Tribunal Federal marcam um momento crítico das tensões políticas que vivemos no Brasil. Eles trazem à tona um debate importante: como a legislação antiterrorismo deve ser aplicada e interpretada? A Lei n.º 13.260/2016 define terrorismo como atos que provocam pânico generalizado, motivados por objetivos políticos, ideológicos ou sociais, visando desestabilizar a ordem pública ou institucional. No entanto, essa mesma lei exclui manifestações legítimas de natureza social, política ou religiosa, o que, na prática, dificulta o enquadramento de ações realizadas por grandes multidões e com motivações diversas.
Quando analisamos os ataques ao STF, a questão gira em torno de como classificá-los e das implicações jurídicas que essa classificação pode ter. Apesar da gravidade dos atos, que colocam em risco o Estado Democrático de Direito, eles não seguem o padrão clássico de terrorismo definido em convenções internacionais. Geralmente, o terrorismo é associado a ações planejadas, dirigidas contra civis, com o objetivo de intimidar governos ou populações inteiras.
No contexto global, o terrorismo é entendido como ataques coordenados que têm como alvo civis ou instituições, buscando espalhar medo em larga escala. Casos como o 11 de setembro nos Estados Unidos ou os atentados em Paris ilustram esse padrão, em que o planejamento estratégico e a violência extrema são elementos centrais. No Brasil, embora nossa legislação busque se alinhar aos padrões internacionais, as definições adotadas incluem ressalvas que complicam a tipificação de atos internos que não tenham a mesma estrutura ou impacto devastador.
Olhando para os ataques ao STF, fica claro que há uma forte motivação política e ideológica por trás das ações. Porém, a ausência de aspectos como organização internacional, ataque direto a civis ou uma estratégia de longo prazo torna questionável o enquadramento como terrorismo nos moldes tradicionais. Ainda assim, não se pode ignorar o peso simbólico desses ataques. Atacar o STF é, em essência, atacar um dos pilares que sustentam nossa independência judiciária e a ordem constitucional – elementos indispensáveis para a democracia.
Um episódio que ilustra bem essa complexidade é o caso de Tiü França, que faleceu em frente ao STF. Sua morte traz uma dimensão humana a um debate jurídico e político denso. Para muitos, Tiü França simboliza a polarização que toma conta do país e as tensões que emergem quando conflitos ideológicos extrapolam os limites do diálogo e da civilidade.
Esse caso também expõe fragilidades na nossa legislação. A Lei n.º 13.260/2016 ainda precisa de critérios mais específicos para tratar ameaças institucionais de grande escala sem colocar em risco liberdades fundamentais. A exclusão de manifestações legítimas foi concebida como uma salvaguarda democrática, mas, na prática, cria uma espécie de limbo jurídico.
Situações envolvendo multidões com objetivos distintos acabam deixando espaço para interpretações conflitantes, o que dificulta a responsabilização de indivíduos e grupos, especialmente quando a justificativa envolve discursos sobre liberdade de expressão e direito de protesto.
Não podemos tratar os ataques ao STF apenas como atos isolados de vandalismo ou violência. Eles são mais do que isso: representam uma tentativa consciente de enfraquecer uma das instituições mais importantes do equilíbrio dos poderes no Brasil. O STF é o guardião da Constituição, a peça central que garante que as regras do jogo político sejam respeitadas. Atacar essa instituição é, de fato, uma tentativa de desestabilizar nossa democracia.
Os responsáveis por esses atos têm um objetivo claro: minar a confiança nas instituições e fomentar a instabilidade. Isso pode abrir espaço para discursos autoritários que, sob o pretexto de “restaurar a ordem”, acabam sacrificando direitos e liberdades. Por isso, é fundamental que o Brasil responda a essas ameaças de forma firme, mas sempre dentro dos limites do Estado de Direito. Punições devem ser aplicadas, mas também é preciso reafirmar o compromisso com os valores democráticos que sustentam a nossa sociedade.
Uma atualização normativa se faz urgente. É preciso revisar a tipificação de terrorismo para abarcar atos que, mesmo sem seguir o padrão tradicional, busquem desestabilizar as instituições democráticas. Além disso, é essencial criar mecanismos que garantam a distinção clara entre manifestações legítimas e ações criminosas. Assim, protegemos a liberdade de expressão sem abrir espaço para abusos.
Essas mudanças devem ser feitas de forma cuidadosa, com a participação de juristas, legisladores e da sociedade civil. É necessário que novas normas reflitam os desafios do nosso tempo sem dar margem para perseguições políticas ou restrições desproporcionais. Esse é um grande desafio, mas acredito que ele é essencial para a preservação da democracia no Brasil.
Os ataques ao STF são um reflexo das divisões políticas e sociais do nosso país. Classificar esses atos como terrorismo é uma tarefa complexa, que exige um olhar atento às suas motivações, métodos e impactos. Mais do que apenas punir os culpados, é preciso trabalhar nas causas profundas que levam a esses atos, fortalecendo as instituições democráticas e promovendo o diálogo entre os diversos segmentos da sociedade.
A trágica morte de Tiü França deveria servir como um alerta sobre os perigos da polarização e da violência no debate público. O Brasil precisa avançar na construção de um sistema jurídico que seja capaz de proteger as instituições e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos fundamentais. Só assim garantiremos que a nossa democracia permaneça firme, mesmo diante de desafios tão intensos.
*Welington Arruda é advogado criminalista.