Visita de Xi Jinping: Brasil pode ser saída para possível embargo dos EUA a produtos chineses?
Luciano Teixeira
Na próxima quarta-feira, 20 de novembro, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping se reúnem em Brasília para aprofundar os laços diplomáticos e econômicos entre Brasil e China. O encontro representa um estreitamento das relações entre as duas maiores economias em desenvolvimento, com a assinatura de diversos acordos nas áreas de finanças, infraestrutura, cadeias produtivas, tecnologia e meio ambiente. Segundo o Palácio do Planalto e o Ministério das Relações Exteriores (MRE), a reunião será um ponto de consolidação de confiança mútua e convergência política entre os países.
O encontro, aguardado desde maio, sinaliza um reforço do Brasil como parceiro estratégico da China em meio a um cenário global de tensões comerciais e geopolíticas. “Haverá a confirmação da elevação do patamar político internacional e a consolidação da confiança mútua”, destacou o embaixador Eduardo Paes Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do MRE.
Fortalecimento comercial
A China é, atualmente, o maior parceiro comercial do Brasil. De janeiro a outubro de 2024, o fluxo comercial entre os países somou US$ 136,3 bilhões, com destaque para exportações brasileiras de soja, óleos brutos de petróleo e minério de ferro. Em contrapartida, o Brasil importa principalmente componentes eletrônicos, veículos e equipamentos de telecomunicação da China. Desde a primeira visita de Lula à China em 2004, o comércio entre os países cresceu 17 vezes.
“Há sinergias entre as políticas de desenvolvimento e programas de investimentos de Brasil e China”, afirma Saboia. Segundo ele, essas ações podem beneficiar programas estratégicos do governo brasileiro, como o Novo PAC, o plano de transição ecológica e projetos de integração regional.
Entre os principais pontos de negociação para a visita de Xi, estão novos protocolos para exportação de produtos agrícolas brasileiros para a China e o incentivo a investimentos em infraestrutura e capacidade produtiva industrial. “Queremos ver uma presença ainda mais robusta de investimentos chineses, especialmente em infraestrutura e na indústria”, comenta Saboia. Hoje, o Brasil abriga 93 projetos industriais chineses, com destaque para a indústria automotiva, eletroeletrônica e de máquinas e equipamentos.
Roberto Dumas, professor de economia chinesa do Insper, em São Paulo, avalia que o Brasil está em grande necessidade de investimentos em infraestrutura, como saneamento básico e transporte. “Parcerias com a China podem contribuir para superar esses desafios, desde que sejam firmadas com acordos transparentes, que priorizem mão de obra local e respeitem as nossas leis ambientais”, diz.
Desde a visita de Lula à China em 2023, houve um esforço para estreitar os laços no segmento no campo financeiro. Projetos incluem iniciativas do BNDES, do Ministério da Fazenda e da B3 para linhas de financiamento, cofinanciamento e a negociação de fundos brasileiros e chineses em suas respectivas bolsas de valores.
Além disso, a ciência, tecnologia e inovação serão pilares importantes da cooperação bilateral. O Brasil e a China buscam intensificar pesquisas em fontes de energia limpa, nanotecnologia e inteligência artificial, além de iniciativas no setor de agricultura familiar e tecnologia nuclear.
“Se negociarmos bem, parcerias com a China podem gerar empregos, aumentar a produtividade e ajudar no desenvolvimento econômico e social do Brasil. No entanto, é fundamental que qualquer projeto de infraestrutura seja regido por regras claras e alinhadas com nossas demandas locais, sem comprometer nossa autonomia”, afirma Roberto Dumas.
José Renato Ferraz da Silveira, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e especialista em política externa, também defende que esse fortalecimento seja sustentável, para garantir que os acordos comerciais tragam benefícios para a cadeia produtiva nacional, promovam investimentos locais e respeitem nossas prioridades estratégicas. “A criação de marcos regulatórios que garantam transparência, participação nacional nos projetos e estímulo à inovação e competitividade local são passos essenciais nesse sentido”, pontua.
O especialista explica que é preciso aprender com as experiências de outros países para evitar dívidas insustentáveis ou projetos que não agreguem valor ao nosso desenvolvimento. “A chave é negociar com firmeza e ter um plano estratégico para usar esses investimentos em nosso benefício, sem nos tornarmos reféns de interesses externos”, diz.
A visita de Xi Jinping também marca o ponto alto das comemorações dos 50 anos de relações diplomáticas entre Brasil e China. O embaixador Saboia ressalta que, além da relação política, os laços comerciais entre os países são de “primeira ordem” e devem se diversificar com a inclusão de produtos brasileiros de maior valor agregado.
Nova Rota da Seda
Outro tema que ganha destaque é a possível adesão do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota, um megaprojeto chinês de infraestrutura, também chamado de “Nova Rota da Seda”. O projeto de infraestrutura e desenvolvimento liderado pela China, lançado em 2013 pelo presidente Xi Jinping, é inspirado nas antigas rotas comerciais da Rota da Seda que ligavam a China à Europa. A iniciativa visa construir e modernizar redes de infraestrutura, incluindo rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, oleodutos, gasodutos e sistemas digitais, conectando a Ásia, Europa, África e, potencialmente, outras regiões do mundo.
O objetivo é facilitar o comércio global, melhorar a conectividade entre países e ampliar a influência econômica e diplomática da China no cenário internacional. A iniciativa abrange projetos de infraestrutura em mais de 100 países, com investimentos de trilhões de dólares em setores como energia, transporte, telecomunicações, e infraestrutura digital.
Um exemplo dessa parceria é a inauguração do Porto de Chancay, no Peru, que consolida a estratégia da China de fortalecer sua presença econômica na América do Sul e amplia sua influência nas rotas comerciais globais. O porto, localizado a cerca de 80 quilômetros ao norte de Lima, teve investimento de US$ 3,5 bilhões feito pela estatal Cosco Shipping Ports e foi projetado para ser um dos maiores centros logísticos da região.
Com capacidade para movimentar milhões de contêineres, a nova infraestrutura busca facilitar o fluxo de commodities sul-americanas para a Ásia. Durante a cerimônia de inauguração, o presidente Xi Jinping destacou que o Porto de Chancay estabelece um “corredor marítimo-terrestre” ligando diretamente a América Latina à China, refletindo a ambição chinesa de se tornar uma força proeminente na região.
Para o Brasil, o novo porto traz oportunidades. A infraestrutura promete reduzir custos e tempos de transporte para exportações de commodities como soja e minério de ferro, melhorando o acesso ao mercado asiático. Contudo, a crescente dependência dos mercados chineses requer cautela. Especialistas apontam que, para maximizar os benefícios econômicos, o Brasil precisará proteger seus interesses nacionais e manter uma posição estratégica nas negociações comerciais, sem comprometer sua soberania.
“A presença chinesa em setores estratégicos do Brasil, como infraestrutura, saneamento e energia, deve ser regida por contratos de concessão com cláusulas rígidas. Precisamos garantir que a exploração de ativos ocorra de maneira transparente e que os benefícios sejam reais, com fiscalização adequada e respeito à soberania”, afirma Roberto Dumas.
Para os países participantes, esses projetos de infraestrutura oferecem oportunidades de desenvolvimento econômico por meio de grandes investimentos. No entanto, críticos apontam que os empréstimos oferecidos pela China para financiar tais projetos podem resultar em dependência econômica e política, bem como em problemas de endividamento para algumas nações. Além disso, há preocupações sobre a transparência dos contratos e o impacto ambiental de alguns projetos.
A diplomacia brasileira, no entanto, evita uma formalização apressada, ciente dos impactos geopolíticos que a decisão poderia acarretar. “Não há nenhum tabu em discutir o convite, mas não há pressa para decidir sobre o tema”, comentou o embaixador.
Olho nas relações com os norte-americanos
O encontro de Xi e Lula ocorre em um momento sensível da geopolítica global, com a volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos, o que pode impactar a relação Brasil-EUA. A proposta do mandatário norte-americano de sobretaxar produtos chineses faz parte de sua política econômica focada em proteger a indústria e os empregos locais, além de tentar reequilibrar a balança comercial com a China. Em seu primeiro mandato, Trump adotou tarifas sobre centenas de bilhões de dólares em produtos chineses, como parte de uma guerra comercial para pressionar Pequim a renegociar práticas que considerava desleais, incluindo supostas violações de propriedade intelectual e subsídios industriais.
Se essa proposta for retomada em um novo mandato, ela poderá ter impactos globais, incluindo desdobramentos significativos para países como o Brasil. A China está reforçando parcerias comerciais com outras nações, como o Brasil, para compensar eventuais perdas de mercado nos Estados Unidos. Isso pode representar tanto oportunidades, como o aumento da exportação de commodities brasileiras para a China, quanto desafios, especialmente se o Brasil precisar lidar com pressões americanas para escolher lados na disputa econômica.
O avanço chinês na América do Sul gera apreensão nos Estados Unidos, que enxergam a construção de grandes projetos de infraestrutura, como o Porto de Chancay, como parte de uma estratégia de expansão de Pequim. Autoridades americanas temem que a presença chinesa na região seja utilizada para fins geopolíticos e de segurança, incluindo um possível fortalecimento militar no Pacífico.
O Brasil busca equilíbrio em suas relações com as duas maiores potências globais. A chegada de Trump ao poder pode intensificar as tensões com a China, tornando as decisões de Brasília ainda mais delicadas. A posição de Pequim na América Latina, com investimentos em países como Venezuela, também gera cautela no governo brasileiro, que busca preservar a soberania e os interesses estratégicos da região.
Questionado sobre o impacto de um eventual novo mandato de Donald Trump nos Estados Unidos na relação Brasil-China, o embaixador Saboia afirma que os laços entre os dois países atravessaram diversas administrações americanas, sem enfraquecer. “Temos excelentes relações com os Estados Unidos e com a China. Nosso desejo é manter essas relações fortes e densas com ambos os países”, pontua.
José Renato Ferraz da Silveira avalia que a visita de Xi Jinping é estratégica para consolidar o Brasil como um parceiro prioritário da China em um cenário de tensões. “Trump deve intensificar práticas protecionistas, e a China buscará mercados alternativos, como o Brasil, para escoar seus produtos e fortalecer suas parcerias comerciais. Isso inclui setores como carros elétricos e produtos agrícolas, que podem sofrer com as sanções americanas. O Brasil, nesse contexto, pode se beneficiar, mas precisa agir com cautela para proteger seus próprios interesses”, diz.
Para Roberto Dumas, o Brasil também precisa adotar uma política externa pragmática e focada em seus próprios interesses econômicos. “Não podemos nos alinhar cegamente a nenhum dos lados, seja China ou Estados Unidos. Nosso objetivo deve ser buscar acordos que tragam benefícios comerciais e de infraestrutura, sem envolver o país nas disputas geopolíticas de maneira que comprometa nossa economia”, analisa.
A visita de Xi Jinping será marcada por um jantar no Palácio do Itamaraty, com a presença de autoridades dos dois governos, e deve reafirmar o compromisso do Brasil em continuar e diversificar suas relações comerciais com a China. Segundo os especialistas ouvidos por LexLegal, o encontro reforça o papel estratégico do Brasil no cenário internacional e mostra que o país está disposto a fortalecer seus laços com todas as nações que contribuam para seu desenvolvimento econômico e social.