Saúde e segurança no trabalho: os impactos da aplicação do NTEP e suas possíveis contestações
José Daniel Gatti Vergna, Filipe Vergette, Mylena Moraes e Luiz Fernando Goedert*
O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) estabelece a relação entre lesões e agravos à saúde e as atividades desenvolvidas pelo trabalhador, sendo avaliado pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Este processo se baseia na correlação entre os códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID) e da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE), para que seja possível atestar se uma condição de saúde pode ser associada ao trabalhado realizado pelo empregado.
Instituído pela Lei nº 11.430/2006 e em vigor desde 2007 (com alterações da Lei Complementar nº 150/2015), o NTEP visa a reduzir as subnotificações de doenças e acidentes de trabalho, o que resultou no aumento das concessões dos benefícios acidentários.
Para reconhecer a relação técnica entre a atividade profissional e a condição de saúde, o NTEP utiliza dados estatísticos para identificar quais doenças e acidentes estão mais frequentemente associados a determinadas atividades profissionais. Esse mecanismo não apenas assegura que os trabalhadores recebam os benefícios devidos, mas também permite que o INSS possa avaliar com mais precisão os impactos orçamentários da exploração das atividades econômicas pelas empresas e as medidas individuais de prevenção às lesões e agravos à saúde decorrentes das atividades profissionais nos ambientes de trabalho.
Essa avaliação pelo INSS pode resultar em três medidas: revisão da alíquota-base da contribuição social destinada ao custeio dos benefícios previstos nos art. 57 e 58 da Lei nº 8.213/1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho (GILRAT) para todo o setor que explora determinada atividade econômica; revisão anual do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), índice aplicado individualmente a cada empresa a partir de seus dados individuais relacionados à frequência, gravidade e onerosidade dos acidentes de trabalho na concessão de benefícios previdenciários, que é multiplicado pela alíquota-base da GILRAT; e ingresso de ação regressiva pelo INSS contra a empresa.
Justamente pela relevância desses impactos, especialmente com relação à revisão anual do FAP, é que o NTEP pode representar desafios consideráveis para as empresas. Isso porque sua aplicação nem sempre reflete com precisão a realidade das condições de trabalho. Principalmente porque muitas patologias desenvolvidas pelo empregado podem ser atribuídas a múltiplos fatores ou mesmo a fatores alheios à atividade profissional desempenhada.
A fim de mitigar os riscos para as empresas, o Regulamento da Previdência Social (RPS), que rege o trâmite do processo administrativo, permite que as empresas apresentem argumentos e provas circunstanciais para impedir a aplicação do NTEP, por meio de uma contestação.
Conforme o artigo 337, § 8º do Decreto nº 3.048/1999, a empresa tem um prazo de 15 dias corridos a partir da data de entrega das obrigações acessórias previdenciárias (eSocial ou Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social – GFIP, conforme aplicável) para apresentar uma contestação. Caso a empresa tome conhecimento da identificação do nexo apenas após a transmissão da obrigação acessória do mês de referência, poderá apresentar sua contestação no prazo de 15 dias corridos a contar do conhecimento da decisão que atribuiu o nexo, conforme § 9º do mesmo artigo.
Para se desobrigar dos impactos do reconhecimento do NTEP, a empresa deve apresentar argumentos e evidências que demonstrem a inexistência de nexo causal entre o trabalho e o agravo de saúde.
A impugnação do nexo desempenha um papel crucial na proteção dos interesses das empresas, especialmente em relação aos impactos financeiros e administrativos que podem surgir com o reconhecimento de um acidente de trabalho ou de uma doença ocupacional. A seguir, por amostragem, destacam-se alguns pontos relevantes para a tomada de decisão das empresas acerca da necessidade de contestar sua aplicação:
- Configuração de um acidente de trabalho ou reconhecimento de uma doença ocupacional: se a empresa não impugnar o NTEP após tomar ciência, os efeitos imediatos incluem a obrigatoriedade de manutenção dos depósitos de FGTS e a estabilidade do empregado por 12 meses após o retorno ao trabalho;
- Aumento de custos com contribuições previdenciárias: a classificação de uma doença como relacionada ao trabalho pode impactar o FAP, resultando em um aumento na alíquota da contribuição do Risco de Acidente de Trabalho (RAT), anteriormente conhecido como Seguro de Acidente de Trabalho (SAT). Esse aumento pode elevar significativamente os custos previdenciários e gerar retroatividade de valores;
- Aumento das fiscalizações pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): a contestação pode servir como um argumento adicional para impugnar eventuais fiscalizações do MTE;
- Processos trabalhistas: o reconhecimento de um acidente de trabalho ou doença ocupacional pode levar a ações judiciais por parte dos empregados, que podem buscar indenizações por danos morais ou materiais. Há também o risco de ações civis públicas pelo Ministério Público do Trabalho ou ações coletivas pelo sindicato, o que pode resultar em custos adicionais e danos à reputação da empresa;
- Ajuizamento de ações pelo INSS: a autarquia pode ajuizar ações para exigir a reparação por danos patrimoniais, buscando ressarcimento dos benefícios concedidos quando o acidente for resultado de culpa ou dolo do empregador;
- Necessidade de investimentos em segurança e saúde ocupacional: para evitar a classificação de doenças como ocupacionais, pode ser necessário que as empresas invistam, significativamente, em programas de saúde e segurança no trabalho, incluindo melhorias na ergonomia, treinamentos regulares e aquisição de equipamentos de proteção. Esses investimentos, embora essenciais para a segurança dos trabalhadores, podem aumentar os gastos operacionais;
- Mudanças nos procedimentos internos: a aplicação do NTEP pode exigir que as empresas revisem e aprimorem suas políticas de prevenção de doenças e acidentes de trabalho, bem como os procedimentos para lidar com afastamentos e atestados médicos. A implementação de novas práticas e treinamentos pode resultar em custos adicionais e mudanças na administração interna.
A contestação da aplicação do NTEP é uma ferramenta essencial para proteger os interesses das empresas contra os impactos financeiros e administrativos adversos associados ao reconhecimento de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Além de ajudar a mitigar custos diretos e indiretos, a contestação também pode prevenir consequências jurídicas e administrativas, permitindo que a empresa mantenha uma operação eficiente e conforme as normas regulamentares.
Portanto, a participação ativa em processos de contestação, juntamente com a adoção de medidas corretivas e preventivas, é essencial para garantir a conformidade e a integridade financeira da empresa no cenário de saúde e segurança no trabalho.
*José Daniel Gatti Vergna é sócio, e Filipe Vergette, Mylena Moraes e Luiz Fernando Goedert são advogados do Mattos Filho.