Ana Carolina Lourenço: “ESG é sobre a função social das empresas e nossa responsabilidade compartilhada”
Luciano Teixeira – São Paulo
Nos últimos anos, a sigla ESG, que representa os princípios de ambiental, social e governança, tem ganhado destaque no mundo corporativo e, consequentemente, no universo jurídico. À medida que a sociedade cobra uma postura mais responsável das empresas, os impactos dessas práticas passam a influenciar desde contratos até políticas internas e estratégias empresariais. Com isso, o debate sobre ESG não é apenas uma questão de sustentabilidade, mas também de competitividade e sobrevivência no mercado.
A incorporação dos princípios de ESG nas práticas empresariais vai além de um simples discurso e exige que advogados, empresários e líderes de mercado adaptem seus processos para incluir cláusulas e políticas que reflitam uma postura ética, transparente e responsável. Isso se traduz em maior comprometimento com questões como diversidade, mudanças climáticas, governança e responsabilidade social.
Para discutir a relevância e os desafios do ESG, entrevistamos a advogada do escritório Machado Meyer Ana Carolina Lourenço, especialista em contencioso cível, com ênfase em gestão de crise, eventos críticos e solução de litígios. Ela avalia como esses princípios estão moldando a prática jurídica, a elaboração de contratos e impactando os negócios no Brasil e no mundo. Acompanhe.
Luciano Teixeira: Qual o impacto do ESG no nosso cotidiano e no mundo jurídico?
Ana Carolina Lourenço: Vamos trazer a sigla para o português para aproximar mais as pessoas: ESG se refere ao ambiental, social e governança. Assim, não parece algo distante, mas algo com valor real para o nosso país. O ESG é importante porque, no fim, estamos falando das nossas relações diárias. Seja como CNPJ ou CPF, estamos sempre lidando com pessoas, e isso tem impacto ambiental, social e de governança. As escolhas que fazemos impactam os negócios, nossa comunidade ao redor e como nos adaptamos a ela. Governança, por exemplo, é algo que já existe há muito tempo, com foco em regras claras, transparência e conformidade.
Luciano Teixeira: E por que a responsabilidade é tão central atualmente?
Ana Carolina Lourenço: Hoje, não podemos mais aceitar um capitalismo destrutivo como antes. Precisamos pensar em um capitalismo mais consciente, que reconheça as relações com nossos stakeholders e o poder individual que todos temos, especialmente com o alcance das redes sociais. Temos o poder de viralizar ou cancelar alguém, o que exige responsabilidade de investir em empresas conscientes, promover mudanças e refletir sobre nossa responsabilidade compartilhada.
Luciano Teixeira: No contexto jurídico, especialmente em contratos, como o ESG é relevante?
Ana Carolina Lourenço: Os advogados são os que, no fim das contas, estabelecem responsabilidades, obrigações e direitos em contratos. Precisamos inserir cláusulas que reflitam a colaboração e gestão responsável com os parceiros comerciais. Se quero que meus contratantes não utilizem trabalho infantil, por exemplo, devo prever formas de verificar isso, seja por meio de workshops ou fiscalização. Não basta redigir o contrato; precisamos garantir que ele seja cumprido.
Luciano Teixeira: Pode nos dar outros exemplos práticos de como o ESG pode impactar positivamente ou negativamente?
Ana Carolina Lourenço: Um caso negativo foi o do Carrefour, um incidente que eles tiveram com um terceirizado que gerou uma crise reputacional. Isso levantou questões sobre como o Carrefour gerenciava suas contratações terceirizadas e sensibilizava temas raciais. Já o Magazine Luiza foi um exemplo positivo com seu programa de trainees focado em pessoas negras, mostrando como uma empresa pode se alinhar ao ESG para refletir sua comunidade.
Luciano Teixeira: E sobre a questão de diversidade, como o ESG aborda isso?
Ana Carolina Lourenço: O “S” do ESG também abrange diversidade e inclusão. Vivemos em um país diverso, com 56% da população sendo de pessoas negras. Precisamos refletir essa diversidade nas empresas, desde o conselho até a base, para evitar que todos pensem da mesma forma. Diversidade traz novas visões e oportunidades.
Luciano Teixeira: Quais orientações jurídicas podem ser aplicadas para melhorar os contratos?
Ana Carolina Lourenço: O jurídico pode apoiar com mapeamento de riscos, criação de planos de gestão de crises e cláusulas que reflitam os valores das empresas. Precisamos prever possíveis crises e incluir cláusulas que promovam valores, como o respeito às pessoas.
Luciano Teixeira: E quanto às mudanças climáticas, como o ESG pode ser aplicado?
Ana Carolina Lourenço: As mudanças climáticas já estão aqui. Empresas que não se adaptarem perderão relevância. Precisamos incluir cláusulas que prevejam e adaptem os negócios às novas realidades climáticas, garantindo continuidade e responsabilidade. No fim do dia, ESG é sobre a função social das empresas. Devemos cumprir essa responsabilidade com seriedade.
Luciano Teixeira: E como as empresas podem garantir que a aplicação do ESG não fique só no papel, mas se traduza em práticas reais e eficientes?
Ana Carolina Lourenço: Esse é um desafio importante. Implementar ESG vai além de criar políticas e cláusulas contratuais. Exige um esforço contínuo de fiscalização, treinamento e adaptação às novas demandas sociais e ambientais. As empresas precisam garantir que há mecanismos internos de auditoria e um acompanhamento constante de como suas práticas estão refletindo os princípios do ESG. Isso pode ser feito, por exemplo, com comitês internos dedicados ao ESG, análises periódicas de impacto e até mesmo parcerias com ONGs e especialistas que possam ajudar a trazer práticas mais eficazes.
Luciano Teixeira: E no caso específico do Brasil, você acha que estamos avançando de maneira satisfatória no cumprimento dos princípios do ESG?
Ana Carolina Lourenço: O Brasil tem avançado, mas ainda há um longo caminho pela frente. Por um lado, temos muitos exemplos positivos de empresas que estão realmente comprometidas com ESG e liderando iniciativas relevantes. Por outro, ainda enfrentamos barreiras culturais, econômicas e sociais que dificultam a aplicação plena dos princípios do ESG. Além disso, a fiscalização e a cobrança por parte dos consumidores e do governo são essenciais para que as empresas realmente se comprometam, sem que ESG seja apenas um discurso de fachada.
Luciano Teixeira: Quais práticas de governança você considera fundamentais para garantir a transparência e a ética nas organizações?
Ana Carolina Lourenço: A governança começa com a criação de estruturas transparentes e a promoção de uma cultura de integridade dentro da organização. Ter conselhos de administração diversos, com independência e uma visão plural, é essencial. Além disso, políticas de compliance, canais de denúncia e códigos de ética são ferramentas fundamentais para garantir que as operações sejam conduzidas com transparência e que eventuais desvios de conduta sejam tratados com seriedade. Outra prática essencial é a comunicação aberta com os stakeholders, mostrando os resultados alcançados e os desafios enfrentados no cumprimento dos princípios do ESG.
Luciano Teixeira: A questão do ESG também tem impacto direto no consumidor final, certo? Como as empresas podem engajar os consumidores nesse processo?
Ana Carolina Lourenço: As empresas podem engajar os consumidores com campanhas de conscientização, transparência nas informações e mostrando claramente os impactos positivos que suas práticas geram. É importante incluir o consumidor nas iniciativas, oferecendo formas de participação, seja por meio de programas de sustentabilidade, reciclagem ou incentivos ao consumo responsável. Quando o cliente percebe que tem um papel relevante, ele se engaja e isso cria um ciclo virtuoso.
Luciano Teixeira: Existe o risco de algumas empresas usarem o ESG como uma estratégia de marketing sem realmente adotar mudanças significativas. Como evitar isso?
Ana Carolina Lourenço: Isso é o chamado “greenwashing”, quando a empresa se vende como sustentável ou responsável sem realmente ser. Para evitar isso, é fundamental ter métricas claras e mensuráveis, auditorias externas, relatórios de sustentabilidade e transparência total. As empresas que realmente adotam práticas ESG estão dispostas a mostrar suas falhas e o que estão fazendo para melhorar, não apenas a parte boa. Esse tipo de transparência é um grande diferencial para separar quem realmente está comprometido de quem está apenas usando ESG como discurso.
Luciano Teixeira: Como você vê o futuro do ESG?
Ana Carolina Lourenço: Eu vejo o ESG se consolidando ainda mais como um pilar essencial para as empresas. O mercado está cada vez mais atento, os consumidores estão mais exigentes e as regulamentações estão avançando. Quem não acompanhar essa transformação corre o risco de ficar para trás. O ESG vai deixar de ser um diferencial e passar a ser uma necessidade básica para quem deseja prosperar no mercado. Além disso, acredito que o foco em métricas claras e resultados mensuráveis será cada vez mais forte, e veremos um esforço maior das empresas em se adaptar às mudanças climáticas e às necessidades sociais.
Luciano Teixeira: Quais são os principais desafios para as empresas implementarem essa mensuração de forma eficaz?
Ana Carolina Lourenço: Um dos maiores desafios é definir quais métricas são realmente relevantes para cada negócio. As empresas precisam identificar indicadores que refletem não só seu impacto ambiental e social, mas também como eles afetam seus resultados econômicos. Outro ponto crítico é garantir que os dados sejam precisos e transparentes, sem manipulações. Muitos negócios ainda enfrentam dificuldades na coleta de informações devido à falta de integração entre áreas internas ou à dependência de fornecedores.