Trump eleito: O que muda para o Brasil e América Latina?
Luciano Teixeira – São Paulo
A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos promete trazer impactos significativos para a América Latina, em especial para o Brasil. Com uma trajetória política marcada pelo protecionismo econômico e uma abordagem direta com líderes globais, Trump reassume o cargo em um momento de competição intensa entre EUA e China pela influência na região. A forma como essa disputa será conduzida terá consequências diretas para o comércio, investimentos e o cenário político brasileiro.
A ascensão da China como parceira econômica estratégica para os países da América Latina já é uma realidade consolidada. Nos últimos anos, o comércio com a China cresceu exponencialmente, ultrapassando o protagonismo americano em vários setores. Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) mostram um aumento expressivo de 130% no comércio entre China e América Latina desde 2010. Para o Brasil, há a dependência do mercado chinês, especialmente na exportação de commodities como soja e minério de ferro, além de investimentos em infraestrutura.
Relações comerciais
A volta de Trump representa um possível endurecimento das relações comerciais. Para Roberto Dumas, professor de economia chinesa do Insper em São Paulo, o próximo presidente americano tem uma postura mais protecionista e pode não hesitar em adotar tarifas, inclusive para produtos do Brasil e da União Europeia. “Ele já declarou que aplicaria tarifas de 20% sobre o aço europeu e 60% sobre veículos elétricos chineses. Isso pode afetar indiretamente o Brasil. Ele deve endurecer ainda mais o comércio com a China, e a resposta chinesa provavelmente será buscar aumentar as importações agrícolas do Brasil, como vimos em 2017 e 2018. Então, setorialmente, o agronegócio brasileiro pode até se beneficiar”, diz.
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O especialista acredita que no setor automotivo a situação pode se complicar. “Trump pretende aplicar tarifas de até 200% em veículos elétricos chineses. Com o Brasil aumentando a importação desses carros – que já chegam a 720 mil unidades no primeiro semestre – a competição ficaria mais acirrada no nosso mercado, pois a China veria o Brasil como uma saída para os veículos barrados nos EUA”, analisa.
José Renato Ferraz da Silveira, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), especialista em política externa americana, lembra que Trump começou seu primeiro mandato com medidas de desregulamentação pró-crescimento e uma reforma tributária. “Ele iniciou sua onda de tarifas em 2018, com taxas específicas sobre aço, alumínio, máquinas de lavar, placas solares e uma variedade de produtos importados da China. Ele deixou de adicionar um imposto sobre automóveis estrangeiros que chegaria a 35% do valor, mesmo quando seu Departamento de Comércio escreveu um relatório chamando-os de ‘ameaça à segurança nacional’”, pontua.
Silveira avalia que o futuro governo Trump pode usar o discurso de “segurança nacional”, algo que já fez no primeiro mandato. “Essa é uma retórica agressiva de acusar outros países de ‘práticas injustas’ e de ameaça a segurança nacional. É possível que Trump utilize a ‘Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional’. Essa lei dá ao presidente ampla autoridade, após declarar uma emergência, ‘para lidar com qualquer ameaça incomum e extraordinária’ vinda do exterior”, afirma.
Essa alternativa foi usada, por exemplo, para congelar os ativos da Venezuela e interromper as exportações para o Irã. “Até agora ela nunca foi usada para impor tarifas. Trump ameaçou o México com ela em 2019, mas desistiu em meio a um acordo para expandir a política migratória chamada de ‘permaneça no México’”. Em síntese, em sua avaliação, o futuro governo Trump pode prejudicar as exportações brasileiras por interesses nacionais e de segurança. E isso poderia forçar o Brasil a buscar novas alternativas de mercado, fortalecendo ainda mais os laços com a China.
Meio ambiente
Outro ponto crítico na relação bilateral será o meio ambiente. Durante seu primeiro mandato, Trump demonstrou ceticismo em relação a políticas climáticas e regulatórias, retirando os EUA de acordos ambientais globais e enfraquecendo regulamentações internas.
“Trump é um inegável negacionista climático, como foi também na pandemia do coronavírus. Acredito que a questão do meio ambiente não será um vetor fundamental em sua futura política externa. Lembrando que Trump abandonou o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Ele disse que o documento trouxe desvantagens para os EUA para beneficiar outros países, e prometeu interromper a implementação de tudo que for legalmente possível imediatamente”, explica Silveira.
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Esse histórico contrasta com a postura do governo brasileiro, que busca fortalecer compromissos ambientais em meio ao aumento das críticas internacionais. A possível falta de alinhamento nesse tema pode enfraquecer o diálogo entre os dois países, levando o Brasil a buscar parcerias alternativas com a China e outras nações que compartilham interesses comuns em energia limpa e sustentabilidade.
Relações com a China e as consequências para a América Latina
Segundo os especialistas, enquanto o governo de Joe Biden busca uma abordagem mais cautelosa para lidar com a rivalidade sino-americana, Trump adota uma postura agressiva e confrontacional. Isso coloca o Brasil em uma situação delicada: alinhar-se de forma mais estreita com os EUA sob Trump pode significar enfraquecer os laços com a China, que é seu maior parceiro comercial. Essa escolha traz riscos econômicos significativos, especialmente em um contexto de dependência do mercado chinês para commodities e investimentos em infraestrutura.
Roberto Dumas avalia que, em termos de financiamentos de bancos multilaterais, Trump pode ser mais agressivo em influenciar o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial a competir com a China, algo que foi visto em seu mandato anterior. “A América Latina enxerga os EUA com certa ambivalência, e Trump intensifica essa sensação. A China, por outro lado, oferece incentivos diretos sem exigir alinhamento político, o que é atrativo para muitos países”, diz. Isso, na avaliação do professor, impacta setores econômicos e estratégias de desenvolvimento, especialmente as necessidades de financiamento e a influência crescente da China.
O cenário regional também será afetado pela postura de Trump em relação a temas como a Venezuela. Conhecido por sua retórica dura contra o governo de Nicolás Maduro, Trump poderá pressionar o Brasil a adotar uma posição mais alinhada aos interesses americanos na região. Essa pressão pode complicar a diplomacia brasileira, que tradicionalmente busca um equilíbrio entre diferentes atores internacionais para manter sua autonomia.
Além das questões econômicas, a vitória de Trump também terá implicações políticas internas no Brasil. O ex-presidente americano demonstrou apoio explícito a Jair Bolsonaro em 2022, alinhando-se com figuras conservadoras em todo o mundo. Esse apoio pode influenciar futuros cenários eleitorais no Brasil, especialmente para candidatos com discursos alinhados à direita.
Para José Renato Ferraz da Silveira, o “governo Lula 3.0” comprometeu-se com o aprofundamento das interações entre os membros do Brics. “O papel da atual da política externa brasileira compreende que os ganhos relativos no desenvolvimento dessa parceria estratégica, na consolidação dos Brics, é mais substantivo do que optar por outros caminhos já traçados no passado. O Brasil escolhe trilhar o novo – o desejo e a expectativa de mudança da governança global a partir da alteração da tradicional arquitetura institucional do pós-II Guerra Mundial”, avalia. O especialista explica que os interesses geoestratégicos e geopolíticos dos Estados Unidos são o Pacífico e a Europa. “O Brasil e a América Latina estão na quarta colocação”.
No entanto, a relação entre Trump e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva deve ser marcada por respeito institucional, mas também por desconfiança mútua. Ambos têm histórico de lidar com líderes políticos de orientações diversas, o que pode facilitar um diálogo protocolar, mas distante.
No campo dos investimentos, a dependência de financiamentos multilaterais dos EUA para projetos de infraestrutura na América Latina pode ser outro ponto de tensão. Durante seu primeiro mandato, Trump aumentou o apoio financeiro à região para contrabalançar o poder de investimento chinês. Contudo, essa política vem acompanhada de compromissos e dependências de longo prazo.
Roberto Dumas avalia que uma política expansionista e inflacionária de Trump, algo que tem grandes chances de acontecer, impacta moedas emergentes, como o real, que acaba se depreciando. “O Brasil é visto com certa concorrência no setor agropecuário pelos EUA e isso pesa. A relação com o Brasil também pode ser afetada pelos posicionamentos recentes do país em temas internacionais, como a guerra entre Israel e Palestina e o conflito na Ucrânia”, afirma o economista.
Dumas pontua que a ideia de uma vitória do Trump, mesmo antes dela acontecer, já impactou a curva de juros nos Estados Unidos. “O câmbio no Brasil chegou a 5,86 e depois voltou para 5,77 por conta da expectativa desse resultado e das movimentações aqui dentro, como a reunião entre Haddad e Lula”, diz.
Uma postura mais distanciada ou focada exclusivamente em interesses comerciais pode levar o Brasil a reforçar seus laços com a China. Por outro lado, uma abordagem colaborativa, mesmo sob Trump, com foco em comércio estratégico e segurança, pode abrir oportunidades de cooperação mútua.
“Trump deseja o retorno do capital para os Estados Unidos, o chamado reshoring e não quer expandir o poder estadunidense para o Sul Global – nem no fluxo de capitais, nem na promoção de uma economia global ou transfronteiriça. O governo Trump 2.0 assumirá cada vez mais a rivalidade econômica, comercial e financeira com a China. Se as exportações chinesas para o Brasil prejudicam ou prejudicarão os Estados Unidos, isso pode ser um elemento catalisador para uma possível retaliação estadunidense em relação ao Brasil e ainda mais para a China”, analisa Silveira.
O desafio para a América Latina será equilibrar as relações com as duas maiores potências econômicas globais, aproveitando as oportunidades oferecidas por ambos os lados, sem comprometer sua autonomia. A expectativa é de que os próximos anos tragam desafios e oportunidades, dependendo do rumo que as relações bilaterais tomarão sob a liderança de Trump.