Automação de atividades precisa ser estratégica (e cercada de cuidados)
Leonardo Barém Leite*
Nos casos em que a análise é realmente bem realizada, todas (todas!!) as questões, aspectos e impactos são considerados, e de fato busca-se o aumento de qualidade, e considera-se a melhor forma de lidar com os colaboradores e a mão de obra humana de forma geral, e ainda com a efetiva experiência do cliente, “costuma dar certo”.
Alguns aspectos são cruciais na maioria dos casos, pois vivemos tempos de maior presença da tecnologia de forma geral nas nossas vidas, organizações etc., o que pode levar à impressão, de que a “tecnologia” é sempre melhor, mas igualmente grande parte da população (e dos consumidores) vem buscando diferenciais, que por vezes são completamente perdidos com a automação (que em muitos casos “nivela” organizações, destruindo efetiva criatividade, diferenciais e inovação). Ou seja, há casos e casos, que precisam ser avaliados e estudados.
Propomos de início uma simples reflexão sobre o possível conflito entre mera automação e evolução, inovação ou criatividade, uma vez que a simples automação de algumas tarefas e funções, efetivamente pode levar “apenas” à automação, sem que nada de fato inovador ou criativo surja. Será mesmo que a automação (tarefa a tarefa) será positiva?
Na mesma linha, propomos que as organizações avaliem se de fato seus clientes (ou ao menos a maioria deles) querem que algumas funções e tarefas sejam automatizadas, pois se há quem as valorize, há também (em por vezes em muito maior número) quem não as queira, e que delas chegue a fugir – buscando o diferencial, a qualidade e até a experiência humana. E na mesma linha, é preciso saber “quais” tarefas e funções de fato podem ser delegadas a “máquinas e sistemas”.
Muitos dos serviços que têm sido automatizados (especialmente, “na ponta”) apenas irritam e afastam o cliente (ou consumidor, a depender do caso), pois a promessa de maior rapidez e agilidade frequentemente não se comprova, e somente gera revolta – que a depender do caso pode levar à perda de qualidade e até do cliente. Todos temos muitos e muitos exemplos, como clientes e consumidores, de péssima experiência com a automação e a tecnologia.
Numa outra perspectiva, vemos a questão da coerência, pois são muitas as empresas que prometem maior cuidado com o cliente, melhoria de experiência, melhor atendimento, e até personalização, mas na prática fazem o oposto, ao automatizar (com o uso de sistemas e até de inteligência artificial) além do razoável.
Vários desses pontos são, portanto, contraproducentes se mal observados, pois além de não gerarem economia, podem reduzir ganhos e valor, abalar a base de clientes, gerar rejeição à marca, e ainda abalarem a própria estratégia da empresa; sem contar a incoerência quando não se tratar de melhoria efetiva de serviços e de experiência.
Diversos são os casos em que todos percebem claramente que o motivo da automação “passou bem longe” da melhoria, da personalização, do cuidado com as pessoas, e da efetiva eficiência, reduzindo-se, apenas, a uma pretensa redução de custos. E a situação é ainda pior quando a empresa utiliza um discurso desastroso, ao querer parecer que o foco “foi no cliente”.
Defendemos, na mesma abordagem que a dita redução de custos, que é de fato importante, e muitas vezes é o efetivo motivo da automação, seja avaliada com critérios mais amplos, incluindo a experiencia, a preferência e as características dos clientes e parceiros, uma vez que são muitos os custos que não podem ser cortados sem sacrificar o produto ou o serviço.
Deixamos para abordar na sequência o aspecto humano e social da automação dentro da própria organização e da cadeia de valor, uma vez que nem sempre as organizações consideram a automação dos postos de trabalho e das tarefas sob esse prisma; e por vezes apenas “cortam pessoal”, sem nem ao menos buscar maneiras de reaproveitamento, treinamento e capacitação para outras atividades etc.
Para que a automação seja bem-feita, é preciso que se ocupe, também, do impacto sobre seus colaboradores, para que sejam realocados, capacitados e reaproveitados, em outras áreas, setores e funções – sob pena de ser apenas “um corte de pessoal”.
Redução de postos de trabalho, sem o devido acompanhamento e cuidado com as pessoas, buscando-se ao menos (como mencionado acima) recolocação e requalificação, sem de fato demitir pessoas como “primeira opção”, já não nos parece razoável e sustentável – por organizações conscientes.
Automações simplistas, apressadas e descuidadas podem levar, até mesmo, a um aumento da tensão social, do desemprego, do empobrecimento das pessoas, e diversos outros problemas. E há que se considerar, ainda, que demissões em grandes proporções (que de fato ocorrem, se muitas organizações fizerem o mesmo, sem os devidos cuidados) geram, ainda, redução do mercado consumidor (o que tende a afetar negativamente até mesmo as próprias empresas demissoras).
A automação deve ocorrer, portanto, cercada de muitos cuidados, e em especial de cuidados com as pessoas, tanto de colaboradores e mão de obra em geral, quanto de consumidores e clientes. Em especial por organizações que se digam conscientes, responsáveis e preocupadas com as pessoas.
Sem esses cuidados, desrespeita-se, por exemplo características e a própria diversidade das pessoas, mesmo entre clientes, pois “muita gente” não quer, não se adapta, ou não pode lidar com “máquinas”. E isso precisa ser considerado e respeitado. Sob pena de gerar incoerência, “greennwashing”, abalo de imagem e de marca, e perdas financeiras.
Vivemos tempos em que precisamos avaliar muito bem as questões “massificadas”, pois não é razoável que as pessoas e as atividades sejam tratadas como se “fossem todas iguais”.
Torna-se difícil, em tempos de E-ESG, e de aumento de consciência e de responsabilidade, com foco em sustentabilidade, entender-se que ainda existam organizações que não se importam com as pessoas, e que com “a desculpa” de ganho de eficiência (que nem sempre ocorre), cometem erros dessa monta – seja ao desconsiderar os impactos negativos (internos e externos) de suas decisões, seja ao desrespeitar as pessoas (direta ou indiretamente ligadas a ela).
E consideremos, por fim, as cadeias de valor, uma vez que as reduções de custos, para serem “bem-feitas” precisam considerar o “todo”, para que não se gere desemprego indireto, e piora no atendimento ao longo de todas as etapas do processo. Tentar forçar redução de custos nos fornecedores e parceiros, sem cuidados, por veze gera esse efeito, que também precisa ser considerado.
Automações podem ser muito positivas, podem gerar eficiência, podem melhorar produtos, serviços e experiências, e podem gerar redução de custos e aumentos de lucros e de valor – mas precisam ser bem-feitas, e cercadas de cuidados.
Defendemos a evolução, a inovação, e o aumento da eficiência e da geração de valor, mas com estratégia, e com cuidado!
*Leonardo Barém Leite é sócio sênior do escritório “Almeida Advogados” em SP, especialista em Direito Societário e Contratos, Fusões e Aquisições, Governança Corporativa, Sustentabilidade e ESG, “Compliance”, Projetos e Operações Empresariais, e Direito Corporativo; também é árbitro, professor, conselheiro, e autor de diversas obras. Colaborador do FenalawLab.