Nova lei de combustíveis sustentáveis promete reduzir emissões e impulsionar biometano
Luciano Teixeira – São Paulo
A Lei do Combustível do Futuro marca um avanço significativo na busca pela descarbonização no Brasil. Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva agora em outubro, o principal objetivo da norma é impulsionar a mobilidade sustentável e reduzir as emissões de carbono no país, estabelecendo diretrizes para o uso de combustíveis de baixo carbono, como o biometano e o biodiesel. Ela também cria uma regulamentação para a captura e estocagem de dióxido de carbono (CCS), uma técnica promissora na retenção de gases de efeito estufa (GEE).
Dividida em quatro frentes principais, a lei visa reduzir emissões nos setores de transporte e gás natural, ampliar o uso de biocombustíveis em misturas com combustíveis fósseis, regular o processo de captura e armazenamento de carbono e alinhar programas de incentivo já existentes. Essa estratégia busca melhorar a eficiência energética e consolidar o Brasil como uma liderança global na transição para uma economia de baixa emissão de carbono.
A norma enfatiza a integração dos programas de mobilidade sustentável de baixo carbono, com iniciativas como o RenovaBio, o Programa Mover e o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV), que certifica o impacto ambiental dos veículos. Essa coordenação permite uma ação conjunta na redução das emissões de CO₂. A legislação também adota a metodologia de “análise do ciclo de vida”, que considera o impacto ambiental de cada combustível desde sua produção até o consumo final, favorecendo uma abordagem mais abrangente e custo-eficiente na mitigação das emissões de CO₂.
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Além disso, o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQav) representa uma inovação importante. Criado para incentivar o uso do combustível sustentável de aviação (SAF, sigla em inglês) no país, o programa vai exigir, a partir de 2027, que as companhias aéreas que operam voos domésticos reduzam suas emissões de gases de efeito estufa, coordenadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e monitoradas pela Anac. “A adoção do SAF pode representar um passo importante para descarbonizar a aviação, um setor cuja dependência de combustíveis fósseis é significativa”, analisa Thiago Silva, sócio da área de Energia do Vieira Rezende Advogados.
Incentivo ao diesel verde e ao biometano
Outro ponto fundamental da resolução é o incentivo ao diesel verde, com o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV). O diesel verde pode ser produzido a partir de diversas matérias-primas renováveis, como gorduras de origem vegetal e animal, cana-de-açúcar, etanol, resíduos e outras biomassas. Ele é quimicamente idêntico ao diesel derivado do petróleo, mas tem origem vegetal ou animal. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) definirá anualmente um percentual mínimo de uso de diesel verde em relação ao diesel tradicional. “A inclusão deste combustível na matriz energética é uma ação necessária para diversificar a oferta de combustíveis sustentáveis e pode auxiliar o país a reduzir progressivamente o uso de combustíveis fósseis”, explica Thiago Silva.
No setor de gás natural, o Programa Nacional de Descarbonização e incentivo ao Biometano (PNDGN) também ganha destaque. Essa iniciativa visa introduzir o biometano, um combustível renovável derivado de resíduos orgânicos, como um substituto parcial para o gás natural. A meta inicial para o uso de biometano é de 1%, podendo alcançar até 10% em 2026. Para garantir a autenticidade desse processo, o PL cria o Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB).
“O CGOB é fundamental para garantir a comercialização e certificação do biometano, pois permite que o mercado comprove as reduções de emissões de GEE associadas ao seu uso,” destaca Thiago Silva. “Esse certificado também abre possibilidades de monetização por meio do mercado voluntário de carbono, enquanto o Brasil ainda não implementa um mercado regulado de carbono”.
Entretanto, a implementação do CGOB e o regime de compra compulsória do biometano impõem desafios. De acordo com Isabela Morbach, cofundadora da CCS Brasil, “a regulamentação da ANP precisa observar a análise de impacto regulatório, onde a indústria poderá expressar preocupações sobre a competitividade. É fundamental ouvir a indústria para evitar efeitos adversos que prejudiquem a competitividade do setor de gás natural”. Yuri Fernandes Lima, sócio do Bruno Boris Advogados, sugere a criação de regras de precificação e monitoramento do mercado para evitar distorções, além de disposições que protejam empresas menores de custos excessivos.
“Resta saber se essas medidas serão suficientes. Outras medidas de fomento à produção e comercialização desse insumo poderão contrabalancear a tendência de alta (e consequentemente o aumento do preço do gás natural para o usuário final). Entre elas: a redução da carga tributária ou a criação de incentivos tributários para o biometano, o estabelecimento de linhas de crédito específico para investimentos na produção e comercialização desse gás”, afirma Tatiana Cymbalista, sócia da Manesco Advogados.
Captura e estocagem geológica de carbono (CCS) e compliance
A regulamentação para a captura e estocagem de carbono, conhecida como CCS, também é uma das frentes abordadas pela norma, trazendo novas exigências para as empresas. A técnica envolve o armazenamento de CO₂ em reservatórios geológicos, o que contribui para a neutralização das emissões, permitindo que empresas solicitem licenças para essa prática, com validade de até 30 anos, renováveis por mais 30.
A ANP será responsável por monitorar todas as operações, garantindo que os locais de armazenamento sejam seguros e que o CO₂ permaneça isolado do ambiente. “É crucial que a ANP tenha os recursos e o suporte necessários para regular essas atividades de maneira eficaz. A expansão das responsabilidades da ANP com a aprovação de novas leis exigirá reforços adicionais para que a agência mantenha seu padrão de excelência”, pontua Thiago Silva.
Essa regulamentação impacta diretamente as estratégias de compliance e contratos de empresas de energia. Morbach observa que “a pressão para reduzir emissões levará grandes empresas a exigirem que seus fornecedores demonstrem compromissos com práticas sustentáveis”. Isso inclui desde a implementação de tecnologia de CCS até cláusulas contratuais que assegurem o cumprimento das metas. Fernandes Lima acrescenta que a Petrobrás, por sua experiência em perfuração e reintrodução de gases em reservas, está em posição estratégica para intensificar o uso de CCS e até oferecer o serviço para terceiros, especialmente para indústrias difíceis de descarbonizar, como a siderurgia e a produção de cimento.
Penalidades e metas de emissões
A legislação prevê penalidades severas para quem não cumprir as metas de redução de emissões, com multas que variam de R$ 100 mil a R$ 50 milhões. A ANP e o CNPE terão papéis cruciais na definição das metas e na fiscalização, assegurando que as práticas das empresas estejam em conformidade com as novas exigências de sustentabilidade. “Essas penalidades, além de prejudicarem financeiramente as empresas, afetam diretamente a imagem corporativa e dificultam a obtenção de novos financiamentos”, alerta Fernandes Lima, ressaltando a importância de políticas de compliance para manter a conformidade com as novas diretrizes ambientais.
A lei também oferece proteções à competitividade do setor de gás natural, como uma exigência progressiva de biometano que começa com uma inclusão de 1% e aumenta gradativamente até o limite de 10% em 2034. “Essas metas graduais são essenciais para preservar a viabilidade econômica das empresas de gás, mas é fundamental que o governo considere incentivos, como a redução de tributos sobre o biometano, para tornar o setor mais competitivo,” conclui Morbach. Essa estratégia, aliada ao apoio governamental e ao fomento à pesquisa, será crucial para que o Brasil atinja suas metas de sustentabilidade sem comprometer o setor.
Segundo os especialistas, a Lei Combustível do Futuro representa uma evolução estratégica para o Brasil, promovendo a sustentabilidade e estimulando a inovação na matriz energética. “É uma legislação robusta, que almeja transformar o Brasil em um dos principais polos de inovação na área de combustíveis sustentáveis, fortalecendo a descarbonização e atraindo investimentos internacionais”, avalia Thiago Silva.
Assim, ao unir diferentes setores e iniciativas, a nova legislação pode redefinir o papel do Brasil na corrida global por uma economia de baixo carbono, além de ser um estímulo à independência energética e à valorização das fontes renováveis.