Como a inteligência artificial está transformando o setor jurídico?

Como a inteligência artificial está transformando o setor jurídico?
Essas ferramentas são capazes de processar grandes volumes de documentos em uma fração do tempo/Pixabay
Publicado em 30/10/2024 às 2:01

A inteligência artificial (IA) está cada vez mais presente em diversas áreas da sociedade, e o setor jurídico é um dos que mais têm se beneficiado dessa revolução tecnológica. Com a crescente demanda por eficiência, precisão e rapidez nos processos jurídicos, a IA tem se tornado uma ferramenta fundamental para advogados, empresas e tribunais. A tecnologia transforma desde a maneira como os documentos são analisados até a forma como decisões judiciais são tomadas.

A revisão de documentos legais e a análise de contratos têm sido, historicamente, tarefas altamente manuais e demoradas para os profissionais, exigindo um nível elevado de atenção e precisão. Esse trabalho, que pode envolver a análise de centenas ou até milhares de páginas, é essencial para garantir que todos os detalhes e cláusulas estejam corretos e que os interesses de ambas as partes sejam protegidos. No entanto, o processo é suscetível a erros humanos, especialmente sob prazos apertados. Com o aumento da complexidade dos contratos e a demanda por maior eficiência, a automação por meio de ferramentas de inteligência artificial (IA) tem se mostrado uma solução transformadora para o setor.

Elas são capazes de identificar cláusulas importantes, sugerindo ajustes e verificando inconsistências com uma precisão cada vez maior. Além disso, a IA não apenas aumenta a eficiência, mas também ajuda a mitigar riscos ao identificar termos ou lacunas que podem ser facilmente ignorados em uma revisão manual. Segundo dados da consultoria McKinsey, o uso de IA na revisão de contratos pode reduzir os custos legais em até 30%, o que representa uma economia significativa para escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de empresas.

Outra vantagem proporcionada pela IA é sua capacidade de aprendizado contínuo. Sistemas de aprendizado de máquina podem ser treinados para entender o contexto de diferentes tipos de contratos, melhorando sua capacidade de detectar problemas complexos, como cláusulas que podem ser prejudiciais em acordos internacionais ou regulamentações setoriais específicas. 

Essas ferramentas também podem se adaptar a mudanças nas leis e regulamentos, mantendo-se atualizadas de maneira automática. O resultado é um trabalho mais rápido, com menos erros e mais confiança na qualidade da revisão jurídica. No longo prazo, a adoção dessas tecnologias está redefinindo o papel dos escritórios e advogados, permitindo que se concentrem em áreas de maior valor agregado, como a elaboração de estratégias jurídicas, negociação e aconselhamento.

“A automação com IA nos escritórios jurídicos enfrenta três grandes desafios: o investimento necessário para garantir segurança e eficiência, a cultura tradicionalista arraigada no setor e a necessidade de confidencialidade absoluta dos dados dos clientes. É fundamental que a implementação seja responsável, com treinamento das equipes e governança ética liderada por princípios ESG”, avalia Rosane Menezes Lohbauer, sócia da área de infraestrutura do escritório Souza Okawa.

Para Fabrício da Mota Alves, sócio do Serur Advogados e especialista em Direito Digital, a adoção da IA nos escritórios de advocacia exige um investimento inicial significativo e adaptação da infraestrutura, além de treinamento da equipe e segurança de dados. “A resistência à mudança é um desafio, especialmente entre os profissionais mais tradicionais, o que reforça a importância da governança e da literacia tecnológica”, diz.

Larissa Pigão, advogada especializada em Direito Digital e LGPD, explica que o maior desafio na implementação de IA nos escritórios é a mudança cultural. “Muitos advogados ainda têm receio de que a automação comprometa suas funções. Além disso, é preciso investir em treinamento, reestruturação de fluxos de trabalho e garantir que os dados utilizados sejam de qualidade. A confidencialidade das informações jurídicas também impõe um nível extra de complexidade”, avalia.

Pesquisa jurídica

Além da economia de tempo, a IA na pesquisa jurídica também traz benefícios em termos de abrangência e qualidade dos resultados. Ao contrário das abordagens tradicionais, que dependem da capacidade humana de identificar palavras-chave e analisar documentos, os algoritmos de aprendizado de máquina podem identificar padrões e interconexões que poderiam passar despercebidos em uma pesquisa manual. 

Esses sistemas são capazes de aprender com as pesquisas anteriores dos usuários, ajustando seus resultados de forma a oferecer respostas cada vez mais relevantes. Segundo um relatório da Thomson Reuters, empresas que adotaram essas soluções automatizadas observaram uma melhora de até 30% na precisão de suas pesquisas, o que pode ter um impacto direto no sucesso dos casos e nas decisões jurídicas tomadas com base em dados mais sólidos e abrangentes.

Ferramentas de IA estão se tornando ainda uma peça-chave na previsão de desfechos de litígios, utilizando algoritmos que analisam grandes quantidades de dados de casos anteriores e padrões de decisão judicial. Essas tecnologias são capazes de processar informações de tribunais, identificar precedentes relevantes e analisar o comportamento de juízes em casos semelhantes, oferecendo previsões sobre as chances de sucesso de uma ação judicial.

Isso permite que os advogados ajustem suas estratégias processuais de maneira mais informada, evitando riscos desnecessários e otimizando a tomada de decisões. De acordo com um estudo da Harvard Law School, ferramentas de previsão de litígios baseadas em IA podem atingir uma precisão de até 85% na avaliação de decisões judiciais, o que tem atraído tanto escritórios de advocacia quanto departamentos jurídicos de grandes empresas.

Além disso, a implementação dessas tecnologias contribui para uma melhor alocação de recursos. Advogados podem, por exemplo, decidir com maior precisão se devem seguir com um litígio ou optar por um acordo, baseando-se nas previsões de sucesso geradas pelas ferramentas de IA. Isso pode resultar em uma economia significativa de tempo e dinheiro, tanto para escritórios quanto para seus clientes. Conforme relatado pela Deloitte Legal, o uso de IA na previsão de litígios tem o potencial de reduzir em até 30% os custos associados a processos judiciais prolongados. Essa economia, combinada com a maior precisão nas previsões, torna a IA uma ferramenta essencial para o futuro do direito.

A IA também tem se mostrado uma aliada na automação de processos administrativos dentro de escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de empresas. Essas ferramentas estão sendo usadas para gerenciar tarefas operacionais como a gestão de calendários, o acompanhamento de prazos processuais, a emissão automática de documentos padrão e o monitoramento de fluxos de trabalho.

Um estudo da PwC aponta que a automação de processos administrativos, como o controle de prazos e a gestão de documentos, pode diminuir em até 60% o tempo gasto em tarefas rotineiras, o que se traduz em mais tempo para o desenvolvimento de estratégias jurídicas e atendimento personalizado aos clientes. Além disso, a automação garante maior precisão no cumprimento de prazos e no acompanhamento de processos, reduzindo significativamente o risco de erros humanos. Isso é especialmente relevante em departamentos jurídicos corporativos, onde a integração de IA com outros sistemas, como ERPs, ajuda a manter a conformidade e a otimizar os resultados operacionais.

Desafios da implementação da IA no Direito

Apesar dos muitos benefícios, a adoção da IA no setor jurídico também enfrenta alguns desafios importantes que precisam ser superados. Um dos principais desafios da IA no Direito é a questão ética. Como garantir que as decisões tomadas por algoritmos de IA sejam justas e imparciais? Existe o risco de que esses sistemas possam replicar preconceitos presentes nos dados usados para treiná-los, levando a decisões injustas ou discriminatórias. Por isso, é crucial que a implementação da IA no Direito seja acompanhada de rigorosos controles éticos.

Outro desafio importante é a capacitação técnica. Nem todos os advogados têm familiaridade com as tecnologias de IA, e a implementação dessas ferramentas exige que os profissionais adquiram novas habilidades. O investimento em capacitação e a integração de equipes multidisciplinares, com especialistas em tecnologia, são fundamentais para o sucesso da IA no Direito.

“A IA deve ser implementada com cuidado, pois, apesar de acelerar análises complexas, como revisões contratuais, os algoritmos podem reproduzir vieses presentes nos dados usados para treiná-los, afetando decisões que deveriam ser imparciais”, afirma Larissa Pigão.

Rosane Menezes Lohbauer pontua que o setor jurídico brasileiro precisa incorporar diretrizes éticas rigorosas. Segundo ela, o grupo de trabalho instituído pelo Ministro Barroso sobre o assunto está revisando a Resolução 332/2020, que estabelece diretrizes para o uso de IA nos tribunais. A atualização busca garantir que a IA seja uma ferramenta de suporte, mas que a decisão final sempre recaia sobre o juiz, especialmente em casos complexos, assegurando ética e imparcialidade.

Um dos maiores potenciais da IA é sua capacidade de democratizar o acesso à justiça. Ferramentas de IA podem auxiliar profissionais autônomos e pequenos escritórios, oferecendo soluções rápidas e acessíveis, o que possibilita a resolução de demandas menores com eficiência.

O Futuro da Inteligência Artificial no Setor Jurídico

O futuro da IA no setor jurídico promete ser cada vez mais integrado às atividades cotidianas dos advogados. Especialistas preveem que, em breve, veremos uma maior automação de processos complexos, como a elaboração de peças jurídicas e até mesmo a negociação de contratos.

Além disso, a IA poderá desempenhar um papel importante na democratização do acesso à justiça, oferecendo soluções mais rápidas e acessíveis para pessoas que, de outra forma, teriam dificuldade em acessar serviços jurídicos.

O livro “Inteligência Artificial Aplicada aos Serviços Jurídicos”, lançado durante a Fenalaw 2024, destaca justamente essa visão de futuro, apresentando casos de sucesso e discutindo os desafios da implementação responsável da IA no setor. De acordo com Maria Juliana do Prado Barbosa, co-organizadora do livro e CEO da Fenalaw, “a IA não vem para substituir advogados, mas para potencializar seu trabalho, oferecendo ferramentas que permitam maior agilidade, precisão e inovação”.

Com o avanço da tecnologia e o aumento da aceitação por parte dos profissionais do Direito, é provável que a IA se torne uma parte indispensável do trabalho jurídico nos próximos anos, ajudando a construir um sistema de justiça mais ágil, eficiente e acessível.

“Para causas simples e de natureza similar, a IA pode sim facilitar o acesso à justiça. No entanto, em casos complexos, os altos custos e a capacitação técnica necessária para operar essas ferramentas fazem com que, pelo menos por enquanto, seu uso esteja mais acessível para grandes empresas e escritórios”, analisa Rosane Menezes Lohbauer.

“É fundamental garantir transparência nos algoritmos e supervisão humana. Sem isso, corremos o risco de vieses algorítmicos, interpretações equivocadas de casos complexos e dependência excessiva da tecnologia em detrimento do julgamento humano”, afirma Fabrício da Mota Alves.

“A IA é cada vez mais acessível tanto para profissionais autônomos quanto para grandes escritórios. No entanto, é importante que essa tecnologia seja um catalisador para que os advogados possam se concentrar em soluções estratégicas e criativas, sempre priorizando as necessidades de seus clientes”, avalia Larissa Pigão.

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