STJ decide que editora detém direitos de músicas de Roberto e Erasmo Carlos e autoriza exploração em serviços de streaming
Luciano Teixeira – São Paulo
Em uma decisão de grande relevância para o mercado musical e os direitos autorais no Brasil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou, em dezembro de 2024, que as editoras detentoras das músicas de Roberto Carlos e Erasmo Carlos possuem os direitos patrimoniais sobre as obras e pode explorá-las em plataformas de streaming. A decisão encerra uma longa disputa judicial sobre a interpretação de contratos assinados entre os artistas e a editora, há várias décadas, quando serviços digitais como o streaming sequer existiam.
Os contratos analisados pelo STJ foram firmados sob as normas do Código Civil de 1916 e da Lei de Direitos Autorais de 1973, que eram as legislações vigentes na época. Esses documentos estabeleceram que os direitos patrimoniais sobre as músicas seriam transferidos de forma definitiva para as editoras, o que caracteriza um contrato de cessão de direitos autorais. Diferente dos contratos de edição, que limitam o uso das obras a um número definido de publicações ou a um prazo específico, a cessão dá ao cessionário (neste caso, a editora) a posse plena dos direitos durante todo o período de proteção legal das músicas.
A questão se tornou mais complexa com o surgimento de novas tecnologias, como o streaming, que mudou a forma como a música é consumida. A defesa de Roberto e Erasmo Carlos argumentava que a Lei de Direitos Autorais de 1998, que introduziu uma regra que impede a cessão de direitos para modalidades de uso inexistentes no momento da assinatura do contrato, deveria ser aplicada. No entanto, o STJ enfatizou o princípio da irretroatividade das leis, que impede que novas regras sejam aplicadas a contratos firmados sob legislações antigas.
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Nas décadas de 1960 e 1970, Roberto e Erasmo assinaram contratos que cederam os direitos patrimoniais de boa parte de suas músicas a editoras, como a Irmãos Vitale S/A e a Editora Fermata. Os artistas alegaram à Justiça que esses contratos representavam um licenciamento temporário, e não uma cessão integral. Por outro lado, as editoras sustentaram que os contratos foram firmados como cessões definitivas, permitindo que elas mantivessem a posse dos direitos até que as obras entrassem em domínio público, ou seja, 70 anos após a morte dos autores, como previsto na legislação brasileira.
Em decisões reiteradas, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconheceu a validade dos contratos e negou os recursos apresentados pela dupla. Entre as derrotas judiciais, estão os pedidos referentes a 99 músicas, sendo 27 delas decididas em junho de 2022. Mesmo sem os direitos patrimoniais, Roberto e Erasmo continuaram recebendo royalties – uma porcentagem dos lucros obtidos com a exploração das obras.
Decisão do STJ: direitos permanecem com a editora
O STJ concluiu que, no momento da assinatura dos contratos, não havia qualquer restrição na legislação que limitasse a exploração futura das obras. Dessa forma, a transferência de direitos autorais patrimoniais para as editoras foi considerada válida e definitiva, permitindo que as músicas sejam exploradas em serviços de streaming. Segundo a decisão, “a proteção específica conferida aos autores, constante no art. 49, V, da Lei 9.610/1998, não estava presente no ordenamento jurídico anteriormente à edição desse diploma legal. Assim, em razão do princípio da irretroatividade da lei, não é possível aplicar suas disposições a contratos celebrados antes de sua vigência”.
A decisão também destacou que os contratos firmados refletiam claramente a vontade das partes envolvidas. “Considerando a intenção expressa pelos artistas de transferir de forma total e definitiva os direitos patrimoniais de suas obras, os contratos analisados configuram-se como cessões e não contratos de edição”, concluiu o tribunal.
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Impacto no mercado musical e jurídico
Essa decisão resolve a disputa envolvendo as músicas de Roberto e Erasmo Carlos e cria um importante precedente para casos semelhantes que envolvem contratos antigos em um contexto de rápida evolução tecnológica. Com o crescimento do streaming como principal meio de consumo de música no mundo, as discussões sobre a aplicação de contratos históricos a novas plataformas tornam-se cada vez mais frequentes.
Especialistas apontam que a decisão reforça a necessidade de contratos bem elaborados, com previsões claras sobre os direitos das partes, para evitar conflitos futuros. Além disso, ela ressalta a importância de respeitar o contexto jurídico da época em que os contratos foram assinados, protegendo a liberdade das partes de negociar conforme as regras vigentes.
A decisão também gera debates no meio artístico. Enquanto alguns defendem que ela protege a estabilidade dos contratos e dá segurança jurídica ao mercado, outros questionam se os artistas, especialmente em contratos assinados em contextos muito diferentes, têm a real noção das implicações futuras de cederem seus direitos de forma definitiva.
Para mais detalhes, a decisão está disponível através deste link: Recurso especial nº 2029976 – SP