Qual o impacto da diminuição das políticas de diversidade dos EUA no cenário corporativo e jurídico brasileiro?
Da redação de LexLegal
As políticas de diversidade e inclusão (D&I) têm ocupado nas primeiras décadas do século XXI um papel central nas discussões sobre governança corporativa global. Mas com o início do governo Trump nos Estados Unidos essas iniciativas tendem a entrar em um retrocesso. Em seu discurso de posse, o presidente norte-americano declarou a intenção de encerrar os programas federais de diversidade, equidade e inclusão (DEI). “Será política oficial dos EUA que existam apenas dois gêneros, masculino e feminino”, disse.
Essas declarações indicam uma mudança nas diretrizes federais sobre diversidade e inclusão, revertendo políticas anteriores que reconheciam identidades de gênero não binárias e promoviam iniciativas de equidade racial e de gênero. A decisão de reconhecer apenas dois gêneros impacta diretamente documentos oficiais, como passaportes, que anteriormente permitiam a opção “X” para indivíduos não binários.
Além disso, Trump assinou uma série de ordens executivas destinadas a desmantelar políticas implementadas por seu antecessor, incluindo as relacionadas à equidade racial, identidade de gênero e orientação sexual.
Essas primeiras medidas acabam com avanços históricos em inclusão, deixando um vácuo que promete impactar corporações ao redor do mundo. Grandes empresas como a Meta, que anteriormente se destacaram por suas iniciativas de diversidade, agora flexibilizaram ou encerraram programas voltados para a inclusão nos EUA, desencadeando preocupações globais.
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Esse movimento gera uma série de implicações para as cadeias de valor e as práticas de governança corporativa em mercados como o brasileiro, onde há uma grande influência de políticas estadunidenses. No Brasil, muitas corporações transnacionais se inspiraram em modelos norte-americanos para construir programas de D&I, e agora enfrentam um cenário de incerteza. A retirada de incentivos à diversidade nos EUA desafia as diretrizes locais de ESG (ambiental, social e governança), e também pressiona as empresas a reavaliar suas estratégias de compliance.
Por aqui, a legislação voltada à diversidade inclui marcos importantes, como a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), a autorização para o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011 e a criminalização da homofobia e transfobia em 2019, equiparando essas práticas ao crime de racismo. Além disso, a adoção por casais homoafetivos e o reconhecimento da identidade de gênero para pessoas trans, independentemente de cirurgia, representam marcos históricos que reforçam o compromisso com a igualdade e os direitos humanos no país.
Esses avanços, embora significativos, estão longe de eliminar as desigualdades estruturais. Segundo os especialistas ouvidos por LexLegal, o impacto das mudanças nos EUA pode ter influência tanto no ambiente regulatório quanto na cultura organizacional de empresas brasileiras, especialmente aquelas com capital estrangeiro ou parcerias comerciais com os EUA.
A questão torna-se ainda mais complexa diante de um contexto global de tensões geopolíticas, crises econômicas e avanços tecnológicos. Como as empresas brasileiras podem reagir a essas pressões e, ao mesmo tempo, manter seu compromisso com a diversidade? Essa é uma pergunta que mobiliza advogados e lideranças corporativas, especialmente no cenário jurídico, onde a conformidade com normas internacionais e locais desempenha um papel crucial.
Governança corporativa e ESG em foco
Para Valdir Simão, sócio do Warde Advogados e ex-ministro-chefe da CGU, o impacto da nova política norte-americana será evidente. “O nosso ambiente corporativo sempre foi muito influenciado pela regulação advinda dos Estados Unidos. Uma flexibilização nessas políticas de compliance voltadas à diversidade trará impacto, certamente, às empresas brasileiras,” destaca.
Mariella Rocha, Head do Societário do Fonseca Brasil, acredita que investidores estrangeiros podem pressionar por mudanças alinhadas às novas diretrizes americanas. “Empresas brasileiras podem se ver compelidas a reavaliar suas iniciativas de diversidade, reduzindo o foco nessas políticas para atrair ou manter investimentos de parceiros americanos,” alerta.
Para Rosane Menezes”, sócia fundadora do Souza Okawa Advogados, uma mudança na legislação americana não impacta diretamente o nosso marco legal, mas pode gerar pressões externas para novos debates sobre as normas vigentes,” explica.
Apesar disso, a pressão de parceiros comerciais pode criar desafios. “As empresas podem enfrentar um cenário complexo ao equilibrar a conformidade com expectativas internacionais menos inclusivas e a adesão à legislação brasileira,” ressalta Mariella Rocha.
O impacto das mudanças pode variar por setor. De acordo com Rosane Menezes, “os setores da economia brasileira que dependem de financiamento estrangeiro, como tecnologia, energia e finanças, são mais vulneráveis. Indústrias exportadoras também podem enfrentar pressões dependendo do perfil dos mercados alvo.”
Papel dos escritórios de advocacia
Diante desse cenário, escritórios de advocacia desempenham um papel crucial, são um exemplo para outras empresas e para a sociedade. Adriana de Paiva Correa, sócia da Verri Paiva Advogadas, recomenda que as empresas diferenciem obrigações legais de boas práticas. “Isso garante a legalidade da operação e a formação de uma política de ESG verdadeira e sólida,” afirma.
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Para Valdir Simão, “é essencial observar se as políticas de compliance atualmente adotadas estão impactando negativamente o processo decisório, a competitividade e os resultados das empresas.”
As mudanças nas políticas de diversidade nos EUA representam um desafio global, mas também uma oportunidade para empresas brasileiras se destacarem em boas práticas. “Essa situação pode levar a um fortalecimento da independência estratégica local, com empresas adotando uma postura proativa em relação a ESG e atraindo investidores que priorizam práticas sustentáveis e inclusivas”, avalia Adriana de Paiva Correa.
Em um mundo cada vez mais competitivo, as empresas nacionais precisarão navegar cuidadosamente entre as pressões externas e os valores internos, garantindo que suas práticas de diversidade sejam robustas o suficiente para resistir a influências externas e eficazes na promoção de um ambiente corporativo mais inclusivo e justo.