Quais as perspectivas para o Real se recuperar frente ao Dólar?

Quais as perspectivas para o Real se recuperar frente ao Dólar?
A desvalorização do real em 2024 não é um fenômeno isolado, mas resultado de uma combinação de fatores econômicos internos e externos/Pixabay
Publicado em 23/12/2024 às 15:38

Luciano Teixeira – São Paulo

O ano de 2024 foi marcado por uma desvalorização significativa do real frente ao dólar, atingindo uma queda de 28%, colocando o Brasil entre as moedas mais depreciadas do mundo no período. Esse cenário de pressão cambial é reflexo de fatores internos, como a inflação e incertezas fiscais, e também de questões globais, como a política monetária dos Estados Unidos. O impacto dessa desvalorização vai além dos mercados financeiros, afetando diretamente a vida dos brasileiros, que enfrentam preços mais altos e menor poder de compra. Diante disso, quais são as perspectivas para o real em 2025?

A desvalorização do real em 2024 não é um fenômeno isolado, mas resultado de uma combinação de fatores econômicos internos e externos. Internamente, a alta inflação brasileira, embora controlada em comparação com países vizinhos como a Argentina, reduziu a confiança no real e aumentou a fuga de capitais para economias mais estáveis.

Externamente, a política monetária do Federal Reserve (Fed), com taxas de juros elevadas, fortaleceu o dólar e atraiu investimentos para os Estados Unidos, pressionando ainda mais moedas emergentes, incluindo o real. O cenário se agravou pela dependência da economia brasileira de exportações de commodities, cujos preços, embora tenham registrado alta em alguns casos, não foram suficientes para reverter a tendência de desvalorização cambial.

Comparação com outras moedas da América do Sul

Embora o real tenha registrado uma das maiores desvalorizações globais, ele ainda apresenta uma situação relativamente melhor que algumas moedas sul-americanas. O bolívar venezuelano, por exemplo, sofreu uma queda de 29,5% frente ao dólar.

Uma análise conduzida por Felipe Sant’Anna, especialista em mercados da Star Desk, apontou que, em 2024, o real apresentou uma desvalorização mais acentuada frente ao dólar em comparação ao peso argentino. No Brasil, o dólar comercial acumulou uma alta de 28%, enquanto o dólar turismo subiu 27%.

Já na Argentina, o peso também perdeu valor frente à moeda americana, mas em menor proporção. O dólar oficial registrou aumento de 25% em relação ao peso argentino, enquanto o “dólar blue”, a cotação paralela praticada no país, teve alta de 15% no mesmo período. “Quando comparamos o poder de compra do real no início de 2024 com hoje, percebemos que ele perdeu muito mais valor frente ao dólar do que a moeda argentina”, diz Sant’Anna.

Essas comparações apenas reforçam que o Brasil, mesmo sendo a maior economia da região, não está imune aos desafios econômicos enfrentados por países em desenvolvimento. A desvalorização do real indica fragilidades internas que precisam ser endereçadas, principalmente no campo fiscal e político.

Fatores externos: A influência do Fed e do mercado global

A política monetária do Federal Reserve foi um dos principais fatores externos que influenciaram a desvalorização do real em 2024. O Fed manteve taxas de juros elevadas para controlar a inflação nos Estados Unidos, tornando os títulos norte-americanos mais atraentes para investidores globais. Isso resultou na valorização do dólar e em uma fuga de capitais dos mercados emergentes.

Segundo os economistas especializados, apesar de um corte de 0,25 ponto percentual na taxa de juros em dezembro, a política do Fed permanece restritiva, o que significa que a pressão sobre moedas como o real deve continuar em 2025. “Situações de risco, seja no Brasil ou globalmente, sempre levam os investidores a buscarem proteção na moeda americana. Para 2025, o dólar deve flutuar entre R$ 6,10 e R$ 6,50, dependendo do desenrolar das políticas econômicas”, afirma Sant’Anna.

Além disso, flutuações no mercado global de commodities também afetaram o Brasil. Embora a alta nos preços do petróleo tenha gerado algum alívio, outros produtos, como a soja, enfrentaram oscilações que limitaram a entrada de dólares na economia brasileira.

Incertezas fiscais no Brasil

No campo interno, as incertezas fiscais foram um dos principais fatores que contribuíram para a desvalorização do real. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva apresentou um pacote fiscal estimado em R$ 71,9 bilhões para os próximos dois anos, mas a efetividade das medidas foi vista com ceticismo pelo mercado. A possibilidade de cortes nas propostas durante a tramitação no Congresso aumentou a percepção de risco, impactando negativamente o valor do real.

“O grande gatilho foi a decepção com o pacote fiscal do governo, que não trouxe medidas efetivas de corte de gastos. Essa falta de confiança no compromisso fiscal impulsionou a compra de dólares e fortaleceu a moeda americana. Não vejo o dólar abaixo de R$ 6 tão cedo, a menos que haja uma sinalização clara e efetiva de controle fiscal”, avalia Sant’Anna.

A aprovação do orçamento de 2025 será um teste para o governo. Se medidas concretas de ajuste fiscal não forem implementadas, a confiança dos investidores pode continuar em baixa, dificultando a recuperação da moeda.

Intervenção do Banco Central

O Banco Central do Brasil realizou leilões de dólares agora no final de 2024, chegando a injetar US$ 8 bilhões no mercado em um único dia para conter a volatilidade. Apesar dessas ações, a cotação do dólar permaneceu acima de R$ 6, refletindo a persistente pressão sobre o real. Essas intervenções, embora necessárias para evitar flutuações abruptas, não resolvem os problemas estruturais que afetam a moeda.

De acordo com Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, a valorização do real depende de uma combinação de políticas monetárias consistentes e um ambiente fiscal mais estável. A alta taxa Selic, embora atraia investidores de curto prazo, não é suficiente para garantir a valorização sustentada da moeda.

O impacto no cotidiano dos brasileiros

A desvalorização do real tem implicações diretas para os consumidores e as empresas. Produtos importados, como eletrônicos e medicamentos, ficaram mais caros, elevando o custo de vida. Além disso, setores que dependem de insumos importados enfrentaram aumento nos custos de produção, o que pode levar ao repasse de preços para os consumidores.

No mercado de trabalho, empresas com dívidas em dólar ou que dependem de importações enfrentaram dificuldades financeiras, o que pode resultar em cortes de empregos e salários.

“Temos dois cenários. Empresas exportadoras, como Suzano, Klabin e JBS, saem ganhando porque seus produtos ficam mais competitivos no mercado externo. Por outro lado, companhias que dependem de insumos ou custos dolarizados, como as aéreas, enfrentam dificuldades. Combustíveis, manutenção e taxas aeroportuárias são dolarizados, e isso pressiona muito as margens dessas empresas, que já estão financeiramente fragilizadas. Sem um apoio governamental, poderemos ver fusões ou até falências no setor”, explica Sant’Anna.

Para os trabalhadores, o cenário de desvalorização cambial significa menor poder de compra e maior incerteza econômica.

“Produtos básicos, como arroz, feijão, trigo, açúcar e derivados são influenciados pelo câmbio porque muitos são ativos dolarizados. Combustíveis também ficam mais caros, pressionando toda a cadeia de consumo. Eletrônicos, veículos e peças importadas terão preços elevados já no primeiro trimestre de 2025. Essa alta impacta a inflação e, consequentemente, o poder de compra da população”, analisa o economista.

Expectativas para 2025

O ano de 2025 terá desafios para a economia brasileira. A recuperação do real dependerá de uma combinação de fatores:

  1. Reformas estruturais: Medidas como a reforma tributária e a administrativa são essenciais para melhorar a confiança dos investidores e reduzir a percepção de risco.
  2. Política fiscal responsável: A aprovação de um orçamento consistente e a execução de cortes de gastos podem sinalizar ao mercado um compromisso com a estabilidade macroeconômica.
  3. Cenário externo: Uma possível mudança na política monetária do Fed, com cortes mais expressivos nas taxas de juros, poderia aliviar a pressão sobre moedas emergentes, incluindo o real.

Apesar dessas possibilidades, o mercado continua cético. “Até o recesso parlamentar, o dólar deve oscilar entre R$ 6,10 e R$ 6,30. Se não houver sinalizações mais firmes do governo após o recesso, é provável que a pressão aumente e o dólar ultrapasse R$ 6,50 novamente. O governo precisa agir com urgência nas contas públicas para evitar esse cenário”, avalia Sant’Anna.

Embora o Brasil tenha condições de reverter essa tendência, a recuperação da moeda exigirá esforço conjunto entre o governo, o Banco Central e o setor privado. Medidas como ajuste fiscal, reformas estruturais e estabilidade política serão cruciais para criar um ambiente econômico mais favorável.

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