Prevenção semestral de HIV se mostra eficaz e segura em diferentes grupos populacionais

Prevenção semestral de HIV se mostra eficaz e segura em diferentes grupos populacionais
A aplicação subcutânea cria nódulos em pessoas mais magras e permite a liberação prolongada da profilaxia/Pixabay
Publicado em 11/12/2024 às 11:44

Jean Silva*

Em dezembro, uma campanha instituída por lei adota a cor vermelha no mês para marcar a mobilização nacional na luta contra o HIV e de atenção a este vírus, que pode causar aids. Com notoriedade marcada nos anos 1980 no início da epidemia da doença, muitos preconceitos e estigmas estiveram associados ao vírus, mas avanços científicos continuam a prolongar a vida dos infectados e proteger populações consideradas vulneráveis. Um dos mais significativos métodos em discussão no mundo é o desenvolvimento das Profilaxias Pré-Exposição (PrEP), medicamentos que têm demonstrado ser eficazes para prevenir o contágio.

Em artigo publicado na The New England Journal of Medicine, pesquisadores avaliaram a eficácia do lenacapavir, tipo de PrEP administrada semestralmente por via subcutânea, na prevenção do HIV entre homens cisgêneros que fazem sexo com outros homens, mulheres transgênero, homens transgênero e pessoas não-binárias. Realizado em 92 locais em sete países, incluindo Brasil, EUA e África do Sul, o ensaio clínico randomizado comparou o lenacapavir ao uso diário de entricitabina e fumarato de tenofovir disoproxil (F/TDF), tipo de PrEP diária disponível no Sistema Único de Saúde (SUS)

Comprimidos azuis despejados sobre uma mesa marrom com um fundo branco
Comprimidos têm boa aceitação, mas uso contínuo demanda esforço diário visto como um problema para eficácia da profilaxia/NIAID – Wikipédia 

Entre os 3.265 participantes incluídos na análise, a incidência de infecção foi significativamente menor no grupo do lenacapavir, com apenas dois casos registrados, em comparação a nove no grupo F/TDF. O infectologista Ricardo Vasconcelos, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e coautor do estudo, explica que o “uso do lenacapavir a cada seis meses é mais prático do que tomar um comprimido diariamente, e comprovamos sua segurança sem eventos adversos graves”. O único efeito colateral notado foi a formação de um nódulo no local da injeção que retém a profilaxia para liberá-la ao longo dos meses.

“O Lenacapavir não apenas protege eficazmente contra o HIV, mas também oferece uma proteção superior à pré-exposição [ofertada hoje no SUS]”, diz o pesquisador.

Atestar a segurança e a eficácia dessa nova opção de PrEP é um importante passo na proteção contra o HIV. Ricardo Vasconcelos, que também se envolveu nos estudos da PrEP bimestral, o medicamento intramuscular cabotegravir, conta que apesar dos avanços a disponibilização no sistema público de saúde demanda tempo para a aprovação da Anvisa e início das ações comerciais. Ele diz que a versão bimestral da PrEP teve os últimos ensaios clínicos em 2020, mas a disponibilização do medicamento no SUS continua em negociação.

Foto de rosto de homem branco de bigode e barba curta
Ricardo Vasconcelos

Diferentes opções para diferentes perfis

Pacientes e profissionais podem ter dúvidas sobre as diferenças entre o novo método e os existentes, como as formas em que os medicamentos são administrados, por via subcutânea, intramuscular e oral – o que interfere na absorção, velocidade de ação e biodisponibilidade.

O pesquisador esclarece que, na via subcutânea, o medicamento é injetado no tecido adiposo logo abaixo da pele, sendo absorvido lentamente pela corrente sanguínea. Isso é ideal para medicamentos de liberação prolongada, como o lenacapavir, permitindo seis meses de proteção. Mesmo com essas vantagens, ele diz que o nódulo deixado pelo medicamento pode ser um empecilho aos pacientes pela questão estética. Por isso, outras opções existem. 

Na via intramuscular, a injeção é feita diretamente no músculo, que apresenta maior vascularização, permitindo uma absorção mais veloz e consistente, mas com maior tempo de biodisponibilidade – adequada para medicamentos que precisam de ação rápida e duradoura. Seu efeito adverso de dor pode ser uma barreira aos que possuem hipersensibilidade.

Por outro lado, a via oral é considerada mais prática e é a mais comum. Nesse caso, o medicamento passa pelo trato gastrointestinal e pelo metabolismo hepático antes de alcançar a corrente sanguínea, o que reduz sua biodisponibilidade a rápidos picos e atrasa o início da ação, mas oferece conveniência e aceitação.

A aplicação subcutânea cria nódulos em pessoas mais magras e permite a liberação prolongada da profilaxia – Foto – Freepik

Cada via é escolhida com base na necessidade clínica, no perfil do medicamento e na condição do paciente. “Cerca de 10% dos participantes abandonaram o estudo devido à preocupação com a aparência. Alguns relataram desconforto em sentir o nódulo ou preocupações profissionais, como pessoas que trabalham com o corpo”, detalha o infectologista. Essa diversidade de tratamentos possíveis amplia, assim, as opções para prevenção do vírus conforme preocupações pessoais e a realidade específica em que a pessoa está inserida. 

Vasconcelos lembra que a disponibilização na rede pública de saúde após a fase comercial provavelmente obedecerá critérios de prioridade conforme os grupos de risco em que cada pessoa se insere. “Homens gays e bissexuais jovens e pessoas trans apresentam menor adesão ao tratamento diário com comprimidos. Por isso, serão os principais beneficiados pela PrEP de longa duração. Eu apostaria nisso”, diz o médico. 

Perfil epidemiológico global

Os recentes resultados foram verificados em homens cisgêneros gays e bissexuais, mulheres trangêneros e pessoas não-binárias, mas outra frente da pesquisa foi realizada em mulheres cisgêneros heterossexuais em países da África Subsaariana e obteve resultados parecidos de eficácia e segurança. Esses enfoques populacionais distintos são necessários por se tratar de uma epidemia concentrada, ou seja, existe uma população específica vulnerável ao vírus em determinados países, sendo a população LGBTQIA+ a predominante nas contaminações das Américas e Ásia; e mulheres cis heterossexuais, na África Subsaariana. 

O número de novas infecções diminuiu 35% desde 2010, graças ao aumento do acesso à terapia antirretroviral e à implementação de medidas preventivas como a profilaxia pré-exposição (PrEP). No entanto, a epidemia de HIV persiste de forma desigual, com maior concentração de casos em regiões como a África Subsaariana, que responde por mais de 50% das infecções globais, e entre populações vulneráveis, como homens que fazem sexo com homens, mulheres transgênero e trabalhadores sexuais. Em 2022, cerca de 39 milhões de pessoas viviam com HIV, mas 9,2 milhões ainda não tinham acesso ao tratamento.

Apesar dos progressos, a estigmatização, o subfinanciamento e as desigualdades no acesso aos serviços continuam sendo barreiras para alcançar as metas globais de erradicação do HIV como ameaça à saúde pública até 2030. “A tecnologia de prevenção ao HIV é muito boa. No entanto, sem um empenho para expandir o acesso, não adianta. É preciso considerar questões estruturais como combate à transfobia, homofobia, educação sexual e garantia de direitos sexuais das mulheres para alcançar o objetivo de prevenção, juntamente com a tecnologia. Discriminação também transmite o HIV”, alerta Vasconcelos. 

Acesse o artigo clicando aqui.

Estagiário com orientação de Luiza Caires. Com informações do Jornal da USP.

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