“Pacote tímido” para a oposição, mas “extraordinário” para o presidente Lula
Luiz Roberto Serrano*
A palavra “tímido” serve como um perfeito resumo das críticas que o “mercado” disparou contra o pacote de medidas de contenção de despesas, anunciado na quarta-feira, dia 27, em cadeia nacional de TV, pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad. “Foi uma medida extraordinária, que é de contenção de excesso de despesas”, disparou, no dia seguinte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião com as lideranças da Câmara e do Senado do País.
Ao fim e ao cabo, qual dos dois lados da permanente disputa entre os setores empresarial e financeiro e o governo Lula, este na sua terceira versão, depois da controvertida vilegiatura de Dilma Rousseff, estaria mais perto da razão? Depende da compreensão que se tenha sobre qual o melhor caminho para o desenvolvimento do País.
Claro que para as empresas e o setor financeiro é excelente que a política econômica emanada de Brasília turbine seus negócios e seus lucros, alimentando, do seu ponto de vista, o contínuo crescimento do capitalismo praticado neste rincão brasileiro – embora muitos de seus líderes manifestem preocupação com os ganhos sociais que esse desenvolvimento proporciona.
Justiça social
Na outra ponta, o atual governo, nas mãos do PT, tem como raiz a permanente busca de uma melhor distribuição de renda a favor das classes trabalhadoras, dos menos favorecidos em geral. Para atingir esse desafiante e nobre objetivo, busca criar políticas e programas que direcionem recursos para as mãos de sua clientela política e eleitoral, sempre em nome da construção de um país com justiça social.
O que ocorreu nesta semana, que finda no sábado 30 de novembro, foi mais um round da eterna disputa entre capital e trabalho no Brasil. Pressionado pela necessidade de conter as despesas de um orçamento público malbaratado pelo seu antecessor, o governo Lula, em franca minoria no Congresso, que dá a última palavra no tema, apresentou suas propostas. Em resumo, os principais pontos do pacote foram:
1) teto de 2,5% acima da inflação para o crescimento do salário mínimo;
2) militares terão que alcançar a idade mínima de 55 anos para passar para a reserva;
3) abono salarial será, futuramente, apenas para quem recebe 1,5 salário mínimo mensais;
4) combate às fraudes e novas regras de acesso ao Benefício de Progresso Continuado e ao Bolsa Família;
5) rendimentos de mais de R$ 50 mil mensais pagarão tributação mais elevada;
6) quem recebe até R$ 5 mil por mês ficará isento do imposto de renda – o que ocorrerá apenas em 2026.
Calcula-se que, a partir de quando entrarem vigor, essas medidas poderão resultar em uma economia de R$ 70 bilhões em dois anos.
Ressalte-se que a inclusão no pacote da isenção do imposto de renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais atendeu a uma sugestão do presidente Lula de marcar o pacote com uma notícia positiva – não apenas de cortes – para a classe média. Inclusão que recebeu fortes críticas, especialmente na mídia, considerada sugestão inadequada ao momento.
Os próximos dois anos
O conjunto de propostas foi considerado tímido em matérias de cortes pelas maiorias das casas do Legislativo e fortemente criticadas pela grande imprensa, um dos palcos privilegiados no qual o “mercado” trombeteia suas opiniões e escolhas. Se dependesse do “mercado”, os cortes seriam muito mais amplos, apontando para um orçamento “equilibrado”, sugestão que, tradicionalmente, surge quando um governo de extração popular canaliza parcelas do dinheiro público para o atendimento das populações mais carentes.
Tudo indica que haverá uma infinidade de debates nas discussões do Congresso, para a qual alguns parlamentares já trataram de apresentar outras propostas, como a que foi divulgada pelos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ) e propõe uma economia de R$ 1,5 trilhão no orçamento em dez anos. A proposta desvincula do salário mínimo benefícios previdenciários do INSS, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o abono salarial, itens de importância na política social do governo Lula.
Abre-se, enfim, mais uma contenda entre a Presidência e o Parlamento, este dominado por vários espectros da oposição, em que estarão em jogo os caminhos dos próximos dois anos do governo Lula, recentemente desfavorecido pelo resultado das eleições municipais.
Será um período desafiador para um governo que tem a bandeira de melhorar a distribuição de renda no País, já convivendo com a boa perspectiva de crescimento de 3,3 % para este ano, mas de uma inflação na casa dos 4,4%, um pouco acima da meta. Internamente, a política poderá ser afetada pelo julgamento dos planos golpistas do grupo liderado pelo ex-presidente Bolsonaro, no Brasil, e, internacionalmente, pela posse do novo governo de Donald Trump nos Estados Unidos, que promete gerar turbulências globais.
*Luiz Roberto Serrano é jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP. Artigo publicado originalmente no Jornal da USP.