Os impactos jurídicos da reforma tributária no setor de saúde
Da redação de LexLegal
A reforma tributária inaugura um novo capítulo na gestão fiscal das empresas brasileiras. Com início de vigência previsto para 2026 e um período de transição até 2033, a mudança é considerada a mais significativa no sistema tributário brasileiro nas últimas décadas. Para o setor médico, que inclui clínicas, consultórios e hospitais, a reforma representa uma transformação profunda nas práticas de precificação, gestão financeira e operações contábeis.
A criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – dividido em Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – substituirá tributos como PIS, Cofins, ISS e ICMS, consolidando a arrecadação em um sistema mais simplificado. Contudo, essa mudança traz consigo desafios substanciais. O setor médico, especialmente empresas de menor porte enquadradas no Simples Nacional, precisará se adaptar a uma nova lógica tributária que afeta diretamente suas compras, contratos e preços.
Entre as novidades mais relevantes estão o crédito tributário gerado por compras de insumos e serviços, a padronização de alíquotas em todo o território nacional e a implementação do split payment – uma tecnologia que recolherá impostos automaticamente no momento do pagamento. Essas alterações exigem um profundo entendimento técnico e demandam o uso de tecnologia para a apuração e gestão fiscal.
Com isso, empresas e profissionais terão de adotar novas práticas para garantir eficiência tributária, competitividade e sustentabilidade financeira.
O IVA
A principal novidade da reforma é a criação do IVA Dual, dividido em Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A CBS será administrada pela União, enquanto o IBS ficará sob responsabilidade de estados e municípios. Essa estrutura busca reduzir a complexidade do sistema atual, mas também apresenta particularidades que exigem atenção.
Para o setor de saúde, a unificação das alíquotas pode trazer benefícios financeiros, já que a alíquota para serviços médicos será 60% menor que a média aplicada a outros segmentos. No entanto, essa vantagem depende de uma gestão integrada e de processos que garantam o aproveitamento de créditos tributários.
Lucas Augusto Les, advogado tributarista e head jurídico de uma fintech especializada em contabilidade para a área da saúde, alerta que a implementação do IVA exigirá uma mudança cultural no setor. “A gestão fiscal e contábil não pode mais ser superficial ou improvisada. Será necessário integrar dados financeiros, contábeis e operacionais para garantir que as empresas aproveitem as oportunidades oferecidas pela reforma e evitem perdas financeiras”, afirma.
Crédito tributário e mudanças nas relações comerciais
Uma das principais inovações da reforma é a introdução do crédito tributário em compras de insumos e na contratação de serviços. Isso significa que empresas poderão recuperar parte do imposto pago, desde que os fornecedores estejam enquadrados em regimes que permitam essa geração de crédito, como o lucro real. Para o setor médico, essa mudança deve impactar diretamente a escolha de parceiros comerciais.
“Empresas no Simples Nacional, por exemplo, não geram créditos tributários. Isso pode levar clínicas e hospitais a priorizarem fornecedores no lucro real, que oferecem essa vantagem. Por outro lado, fornecedores no Simples terão de reduzir preços ou migrar para outro regime para manter sua competitividade”, explica Les.
Além disso, a nova lógica tributária demandará maior transparência na precificação. Atualmente, os preços incluem a carga tributária de forma genérica. Com a reforma, será necessário discriminar o valor do serviço ou produto e o imposto embutido, permitindo que as empresas tenham maior controle sobre sua competitividade e margem de lucro.
Split payment: automatização no recolhimento de impostos
Outra mudança significativa é a implementação do split payment (ou pagamento dividido), que é um mecanismo utilizado para separar automaticamente o valor de uma transação entre o montante devido ao fornecedor e os impostos que devem ser recolhidos aos cofres públicos. Nesse sistema, no momento em que o pagamento é feito, os impostos são retidos e transferidos diretamente para o governo, enquanto o restante é encaminhado ao fornecedor ou prestador de serviço.
Essa medida busca aumentar a eficiência na arrecadação e reduzir a inadimplência fiscal, mas também exige que empresas adaptem seus fluxos de caixa e processos financeiros.
Para o setor médico, isso representa um desafio adicional, especialmente para clínicas e consultórios de menor porte, que tradicionalmente dependem de sistemas manuais para a gestão financeira. A automação será indispensável para lidar com as novas demandas e evitar erros que possam gerar multas ou sanções.
A reforma também cria duas modalidades no Simples Nacional: uma integrada ao regime do IVA e outra com as regras atuais. Empresas de saúde enquadradas no Simples Tradicional podem enfrentar desvantagens competitivas, já que não geram créditos tributários para seus clientes. Isso pode pressionar pequenos fornecedores a migrarem para o Lucro Real ou a reduzirem seus preços para compensar a ausência de créditos.
Adaptação e planejamento: o papel da tecnologia
Diante dessas mudanças, o planejamento será essencial. O período de transição, que se estende até 2033, oferece uma oportunidade para que as empresas revisem seus processos e adotem soluções tecnológicas que garantam conformidade e eficiência. A automação de tarefas contábeis e fiscais, o uso de softwares de gestão integrada e a consultoria especializada serão diferenciais para empresas que buscam se adaptar ao novo cenário.
Lucas Augusto Les reforça que o uso de tecnologia será indispensável para enfrentar os desafios impostos pela reforma. “A apuração de créditos tributários, o gerenciamento de alíquotas e a implementação do split payment exigem ferramentas que integrem dados financeiros, contábeis e operacionais. Sem tecnologia, as empresas correm o risco de perder oportunidades e enfrentar dificuldades financeiras”, destaca.
Embora a reforma tributária traga desafios significativos, ela também abre oportunidades para o setor médico. A padronização das alíquotas e a possibilidade de gerar créditos tributários podem reduzir custos e aumentar a competitividade, desde que as empresas estejam preparadas para aproveitar esses benefícios.
Por outro lado, a necessidade de adaptar processos e sistemas pode gerar custos iniciais significativos, especialmente para empresas de menor porte. Aquelas que não se prepararem adequadamente correm o risco de enfrentar dificuldades financeiras e perder mercado.
Além disso, a reforma pode impactar as relações comerciais no setor. Clínicas e hospitais terão de reavaliar seus fornecedores, priorizando aqueles que oferecem vantagens fiscais. Isso pode levar a uma reconfiguração do mercado, com mudanças significativas na dinâmica de compras e contratações.
Para o advogado, a reforma é um divisor de águas. “As empresas precisam aproveitar o ano de 2025 para se preparar, revisando seus regimes tributários, avaliando os impactos das mudanças e adotando práticas que garantam eficiência e conformidade. Esse é o momento de modernizar processos e fortalecer a gestão fiscal e financeira”, conclui.
Com mudanças que afetam desde a tributação até as relações comerciais, o setor médico precisa enxergar a reforma tributária não apenas como um desafio, mas como uma oportunidade para inovar e se destacar em um mercado cada vez mais competitivo.