O que vem pela frente com a reforma tributária?
Da redação de LexLegal
A reforma tributária, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2024, vai substituir tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS, que têm regras distintas e sobrepostas, por um modelo que unifica a base de arrecadação. O IBS e a CBS, inspirados em modelos de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), prometem maior transparência e eficiência na arrecadação. A Emenda Constitucional 132, que estabeleceu a estrutura básica do novo sistema, foi o primeiro passo dessa reestruturação.
Este movimento representa uma tentativa de simplificar o sistema tributário brasileiro, reconhecido pela sua complexidade. Mas a implementação total do novo sistema ainda está distante. O último prazo estabelecido para que todas as alterações entrem em vigor é 1º de janeiro de 2033. Durante esse período, haverá diversas fases de transição com datas definidas para a aplicação de cada mudança.
Apesar da aprovação, o texto ainda depende da sanção presidencial para que os prazos de implementação comecem a contar. Após a assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, algumas mudanças já passam a valer imediatamente, enquanto outras serão implementadas ao longo de quase uma década.
Prazos e fases da transição
A partir da sanção presidencial:
- Fim da incidência de PIS/Pasep e Cofins sobre a receita bruta de produtores, importadores e distribuidores de álcool, incluindo para fins carburantes.
- Extinção do regime especial de apuração e pagamento de PIS/Pasep e Cofins para esses mesmos setores.
A partir de 2025:
- Redefinição da receita bruta de micro e pequenas empresas, incorporando todas as receitas relacionadas à atividade principal.
- Restrição ao enquadramento de empresas com atividades ou filiais no exterior como microempresas ou empresas de pequeno porte.
- Alteração na regra de prestação de informações ao Simples Nacional, exigindo declaração no mês subsequente à ocorrência do fato gerador.
A partir de 2026:
- Aplicação de todas as regras da reforma que não tenham prazos específicos definidos.
A partir de 2027:
- Extinção de tributos como PIS/Pasep, Cofins e seus equivalentes na importação.
- Fim de regimes especiais, como o Reintegra e o Regime Especial de Tributação do Programa Nacional de Banda Larga.
- Substituição de incentivos fiscais em setores como infraestrutura e fertilizantes.
- Destinação de 18% da CBS ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
A partir de 2029:
- Início da aplicação do IBS no Amazonas, com redução gradual das alíquotas até 2033.
- Concessão de créditos presumidos de IBS e CBS para a Zona Franca de Manaus.
- Suspensão da incidência de IBS e CBS na importação de bens para a Zona Franca.
A partir de 2033:
- Substituição total do ICMS e ISS pelo IBS.
- Extinção de regimes fiscais antigos e consolidação do novo modelo de tributação.
O teste inicial da reforma está programado para 2026, com uma alíquota simbólica de 1% para avaliar os impactos do IBS e da CBS antes de sua implementação completa em 2033.
Críticas e desafios técnicos
Especialistas apontam que, embora a reforma seja necessária, ela enfrenta desafios consideráveis. Para André Felix Ricotta de Oliveira, doutor em Direito Tributário e coordenador do curso de Tributação sobre o Consumo do IBET, a transição para o novo modelo pode ser mais complexa do que o esperado. “A expectativa era de limitar a carga tributária a 26,5%, mas isso parece improvável. O cálculo da arrecadação base foi alterado para considerar os anos de 2024 e 2025, e o teste inicial em 2026, com uma alíquota simbólica de 1%, será crucial para avaliar o impacto real do IBS e da CBS”, explica.
Oliveira também critica o grande número de exceções e regimes diferenciados previstos na reforma. Segundo ele, isso compromete a simplificação prometida. “Um IVA ideal não teria benefícios fiscais ou regimes favorecidos. No entanto, o lobby de determinados setores resultou em distorções que penalizam quem não conseguiu essas vantagens, mantendo a complexidade do sistema”, avalia.
Outro ponto controverso é o imposto seletivo, que será aplicado a produtos como automóveis e bebidas açucaradas. Oliveira questiona sua concepção atual. “Embora tenha o objetivo de manter a carga tributária de setores específicos, a tributação de carros elétricos, por exemplo, vai na contramão de políticas ambientais. Além disso, a redação atual do imposto não reflete seu caráter seletivo e extrafiscal”, pontua.
A implementação do novo sistema fiscal também levanta preocupações sobre como as mudanças afetarão empresas e consumidores. Daniel Moretti, advogado e professor de Direito Tributário, além de juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, destaca a importância do diálogo com os setores econômicos durante a transição. “A estrutura básica da reforma já foi estabelecida pela Emenda Constitucional 132, mas a regulamentação exige atenção aos detalhes que impactam diretamente empresas e consumidores. Apesar da pressa legislativa, é preciso um diálogo mais amplo com os setores econômicos para evitar falhas no novo modelo”, afirma.
Moretti chama atenção para a criação de uma Secretaria Especial na Receita Federal para gerenciar exclusivamente a implementação da reforma. “Embora tenhamos profissionais altamente qualificados conduzindo o processo, pontos como o cashback para famílias de baixa renda e a tributação diferenciada de serviços ainda geram dúvidas sobre a efetividade e a justiça tributária do novo sistema”, explica.
Impactos da reforma no Simples Nacional
A reforma tributária introduzirá mudanças expressivas para as empresas enquadradas no Simples Nacional, com impactos esperados a partir de 2025. Entre os desafios está a limitação do crédito tributário dentro do regime, o que pode reduzir sua competitividade em negociações com empresas que utilizam regimes tradicionais, como Lucro Real ou Presumido. O advogado tributarista Thulio Carvalho alerta: “Com a introdução de tributos como o IBS e a CBS, o crédito tributário no Simples será limitado, reduzindo a atratividade em relação a outras modalidades.”
Outro ponto de atenção é a possibilidade, prevista para 2027, de recolhimento do IVA Dual (IBS e CBS) fora do Simples Nacional, o que contraria a lógica de simplificação tributária característica do regime. Isso exigirá mudanças operacionais significativas para que as empresas consigam manter sua competitividade no mercado. “Essa mudança desafia a lógica de praticidade do Simples, impondo ajustes estruturais que demandarão investimentos e reavaliação de processos internos”, analisa Guilherme Di Ferreira, especialista em Direito Tributário.
Apesar dos desafios, há também oportunidades importantes. A atualização das faixas de faturamento, por exemplo, permitirá maior margem de crescimento às empresas optantes, alinhando o regime às realidades econômicas atuais. Além disso, a necessidade de adequação às novas regras tributárias traz a chance de revisar contratos com fornecedores, reestruturar operações e adotar práticas mais eficientes de gestão tributária.
Nesse contexto, o ano de 2025 será um período estratégico para planejamento e análise, em que empresas poderão avaliar a migração para outros regimes tributários, como Lucro Real ou Presumido, quando mais vantajosos. “Esse é o momento de planejamento e análise. Mais do que nunca, o Simples Nacional exigirá uma gestão estratégica para que as empresas aproveitem as oportunidades e mitiguem os impactos da reforma tributária,” afirma Carvalho.
Caminho para a implementação
Apesar das críticas, especialistas concordam que a reforma é essencial para modernizar o sistema fiscal brasileiro. No entanto, ambos alertam para a necessidade de ajustes contínuos para garantir que os objetivos de simplificação e justiça tributária sejam alcançados.
“Estar atento aos resultados dos testes iniciais e ajustar as diretrizes conforme necessário será fundamental para o sucesso do novo sistema”, avalia Oliveira. Para Moretti, a inclusão de todos os setores no processo de regulamentação é indispensável. “Um sistema mais justo só será possível com a participação ativa dos diferentes segmentos da sociedade”, enfatiza.
A regulamentação da reforma tributária representa um marco na tentativa de simplificar e modernizar o sistema fiscal brasileiro. No entanto, o caminho para sua implementação será repleto de desafios técnicos e políticos. O sucesso do novo modelo dependerá não apenas de sua concepção inicial, mas também da capacidade de adaptação às complexidades econômicas e sociais do país.
Enquanto o Brasil avança nesse processo, o foco deve permanecer em garantir que o novo sistema traga benefícios concretos para empresas e cidadãos, promovendo um ambiente econômico mais eficiente e justo.