O que muda na propriedade intelectual no Brasil depois do acordo UE-Mercosul?

O que muda na propriedade intelectual no Brasil depois do acordo UE-Mercosul?
Especialistas destacam o impacto em áreas como indicações geográficas (IGs), patentes e marcas, além das implicações econômicas e legais para setores estratégicos/Reprodução
Publicado em 10/01/2025 às 11:01

Da redação de LexLegal

O Acordo UE-Mercosul, assinado entre os governos em dezembro de 2024, representa um marco histórico nas relações comerciais entre os dois blocos. Após mais de duas décadas de negociações, o tratado abrange uma ampla gama de setores, com destaque para o capítulo dedicado à Propriedade Intelectual (PI). Essa parte do acordo tem o objetivo de harmonizar as normas de PI entre os blocos, incentivando inovação, protegendo ativos intangíveis e promovendo o comércio internacional.

Embora muitos aspectos do acordo sejam familiares para o Brasil, que já implementa grande parte dos tratados internacionais relacionados à PI, as mudanças trazem desafios e oportunidades para o país e seus vizinhos no Mercosul. Especialistas destacam o impacto em áreas como indicações geográficas (IGs), patentes e marcas, além das implicações econômicas e legais para setores estratégicos.

O que o acordo muda na Propriedade Intelectual?

Indicações geográficas: um ponto sensível

As Indicações Geográficas (IGs) são, sem dúvida, uma das áreas mais impactadas pelo acordo. Produtos europeus icônicos, como Champagne, Roquefort e Feta, ganharão proteção imediata no Mercosul, impedindo que produtores locais utilizem esses nomes sem autorização. Isso cria um desafio para empresas que já comercializam produtos com essas denominações.

Por outro lado, produtos brasileiros como o queijo Canastra e a Cachaça receberão proteção internacional, facilitando a entrada em mercados europeus e aumentando o valor agregado desses itens no exterior.

“O acordo oferece um novo patamar de proteção para produtos brasileiros, como Canastra e Vale dos Vinhedos, enquanto exige adaptação de produtores locais que utilizavam nomes de IGs europeias de forma legítima”, analisa o advogado Rafael Atab, sócio do escritório Dannemann Siemsen. Ele destaca que o Brasil e os demais países do Mercosul negociaram prazos de transição e garantias para proteger os direitos de produtores que já utilizavam algumas denominações de boa-fé.

Patentes e inovação tecnológica

Outro ponto importante é o incentivo à adesão ao Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), que simplifica o registro internacional de patentes. No Brasil, essa prática já é consolidada, mas a incorporação dos demais países do Mercosul ao sistema PCT poderá facilitar o registro e a proteção de invenções brasileiras em mercados vizinhos.

“A adesão ao PCT pelos outros países do Mercosul cria uma oportunidade para empresas brasileiras expandirem sua atuação regional, ao mesmo tempo em que harmoniza os padrões de registro na região”, aponta Atab.

Marcas e desenhos industriais

No campo das marcas, o acordo reforça a proteção de marcas notoriamente conhecidas e incentiva a adesão ao Protocolo de Madri, que simplifica o registro de marcas em várias jurisdições. Embora essa medida já esteja em vigor no Brasil, ela promete transformar o cenário em países como Argentina e Paraguai.

A proteção de desenhos industriais, que inclui embalagens e designs de produtos, também será ampliada. A adesão ao Acordo de Haia, promovida pelo tratado, facilita o registro internacional desses ativos, o que beneficia especialmente empresas que operam em mercados globais.

Proteção contra pirataria e segredos de negócio

O acordo também aborda um problema crônico no Mercosul: a pirataria. As medidas previstas incluem maior rigor nas fronteiras e maior cooperação entre as autoridades aduaneiras para coibir a entrada e a circulação de produtos falsificados.

Além disso, a proteção de segredos de negócio será fortalecida, abrangendo informações confidenciais como fórmulas e processos industriais. “Essa é uma medida essencial para setores de tecnologia e alimentos, onde o vazamento de segredos pode gerar perdas irreparáveis”, analisa o especialista.

O impacto no Brasil

O agronegócio é um dos grandes beneficiados do Acordo UE-Mercosul. Produtos como carne, café e frutas terão maior acesso a mercados europeus, com tarifas reduzidas e barreiras comerciais minimizadas. No entanto, a proteção de IGs europeias pode gerar desafios para produtores que precisem renomear ou reposicionar seus produtos no mercado.

Por outro lado, a indústria brasileira enfrentará maior competição de produtos europeus, especialmente em setores como farmacêutico, têxtil e de manufatura. A integração exigirá um esforço para elevar os padrões de qualidade e aumentar a competitividade no mercado interno.

Embora o Brasil já tenha implementado muitos dos tratados incentivados pelo acordo, a adaptação às novas regras será um desafio para pequenas e médias empresas. “A harmonização de normas é um avanço, mas o Brasil precisará investir em capacitação e tecnologia para aproveitar ao máximo as oportunidades”, avalia Atab.

O capítulo de Propriedade Intelectual do Acordo UE-Mercosul reflete uma tendência global de valorização de ativos intangíveis, como marcas, patentes e IGs. Esses ativos são fundamentais para estimular a inovação e a competitividade econômica.

“A proteção robusta da propriedade intelectual é um incentivo direto para a pesquisa e o desenvolvimento. O acordo eleva o padrão no Mercosul e alinha a região às melhores práticas globais”, conclui Atab.

Com a aprovação ainda pendente, o tratado traz uma mensagem clara: para competir em um mercado global, é essencial proteger e valorizar ativos intangíveis. O Brasil, como maior economia do Mercosul, tem a chance de liderar esse movimento, mas precisará superar obstáculos para colher os frutos dessa integração histórica.

SÃO PAULO WEATHER
Newsletter
Cadastre seu email e receba notícias, acontecimentos e eventos em primeira mão.