Lei Ferrari: como calcular a indenização devida à concessionária nos casos de rescisão da concessão pela montadora

Lei Ferrari: como calcular a indenização devida à concessionária nos casos de rescisão da concessão pela montadora
No Brasil, esse tipo de relação jurídica costuma se estender por décadas e é geralmente baseada em contratos de concessão por prazo indeterminado/Agência Brasil
Publicado em 04/12/2024 às 15:07

Priscila David Sansone Tutikian e Flávia Lanat Silveira*

A Lei n.º 6.729/1979 (Lei Ferrari) é a legislação específica que regula a relação comercial entre os Concedentes e as Concessionárias para a comercialização pelas Concessionárias dos veículos automotores de via terrestre fabricados ou montados pelos Concedentes. O escopo da Lei Ferrari é a rede de distribuição de todo e qualquer veículo automotor de via terrestre, tais como automóveis, caminhões, ônibus, tratores, motocicletas e similares, bem como seus implementos e componentes.

No Brasil, esse tipo de relação jurídica costuma se estender por décadas e é geralmente baseada em contratos de concessão por prazo indeterminado, com intensa troca comercial entre os Concedentes e as Concessionárias com o objetivo de maximizar a distribuição de veículos na área atendida por uma determinada Concessionária.

Com o tempo, é natural que as partes decidam encerrar o contrato por diversos motivos. Mudanças no setor automotivo, por exemplo, podem levar as montadoras a adotarem novas políticas comerciais, rompendo a relação com as Concessionárias sem motivo justificável. Da mesma forma, a comercialização do produto pode deixar de ser vantajosa para a Concessionária, levando-a a optar pelo fim da parceria.

Não é raro que a Concessionária apresente baixo desempenho nas vendas, descumprindo metas e justificando uma rescisão por justa causa pelo Concedente. Da mesma forma, infrações contratuais pelo Concedente podem levar a Concessionária a pleitear a rescisão por justa causa.

A depender do motivo e da forma como o término do contrato se opera, o Concedente e a Concessionária estarão frente a consequências jurídicas diversas. O art. 22 dispõe que os contratos de concessão poderão ser encerrados nas seguintes hipóteses: por acordo das partes ou por força maior; pelo término do prazo determinado; e por iniciativa da parte inocente, em virtude de infração à Lei Ferrari, das convenções ou do próprio contrato.

Embora a Lei Ferrari não preveja a hipótese de extinção imotivada também chamada de resilição unilateral (ou “denúncia vazia”) do contrato, esta hipótese é amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência, já que não se espera que as partes contratantes sejam obrigadas a seguir contratadas indefinidamente sem que haja um interesse mútuo entre elas. Nos casos em que o Concedente opta por denunciar o contrato sem motivo, deverão ser aplicadas as penalidades do art. 24, que trata das indenizações devidas pelo Concedente no caso de rescisão do contrato por seu inadimplemento.

A interpretação dada ao art. 24 pelos tribunais e pela doutrina é, por assim dizer, extensiva, incluindo-se dentre sua hipótese de incidência, a denúncia vazia pelo Concedente. Em casos concretos, esse tem sido o cenário mais complexo para a quantificação da indenização devida, não apenas pela sua extensão e falta de consenso na definição dos itens e bens que deverão compô-la, mas especialmente pela pouca clareza do legislador quanto à metodologia de cálculo da indenização do art. 24, III.

De acordo com o art. 24 e incisos, caso a extinção do contrato se dê por iniciativa do Concedente, ele deverá:

Readquirir o estoque da Concessionária pelo seu valor na data em que o contrato se encerrou, tomando se por base o preço que os bens seriam vendidos ao consumidor final (Recompra de Estoque);

Comprar os equipamentos, máquinas, ferramentais e instalações da Concessionária que eram utilizados na concessão, pelo preço de mercado correspondente ao estado em que se encontrarem e cuja aquisição ele havia determinado ou tinha ciência por escrito sem oposição, excluídos os imóveis da Concessionária (Indenização por Investimentos);

Indenizar a Concessionária o valor equivalente a 4% do faturamento projetado por ela para um período correspondente à soma de uma parte fixa de dezoito meses e uma variável de três meses por quinquênio de vigência da concessão, devendo a projeção tomar por base o valor corrigido monetariamente do faturamento de bens e serviços concernentes a concessão, que a Concessionária tiver realizado nos dois anos anteriores à rescisão (Indenização Legal);

Indenizar eventuais reparações que tenham sido convencionadas no contrato (Indenização Contratual).

O primeiro, segundo e o quarto itens são objeto de menos controvérsias, mas tem sido observada divergências entre as partes em relação ao cálculo da Indenização Legal. Isso ocorre porque, frequentemente, os envolvidos sugerem metodologia distinta para a referida apuração, o que faz com que haja uma variação significativa no valor indenizável, abrindo espaço para o envolvimento dos tribunais em disputas que visam o reconhecimento e a quantificação da indenização.

Após consultas recebidas, verificou-se a existência de poucos casos judiciais em que tenha sido definido um método de liquidação para a Indenização Legal. Ainda que escassos, é nosso entendimento que os casos e respectivas perícias que tramitaram no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (processos 9120453-95.2005.8.26.0000 e 0142156-56.2010.8.26.0100) trazem solução apropriada para a liquidação da Indenização Legal, que deve ser auferida da seguinte forma:
● Verifica-se o valor bruto faturado pela Concessionária por bens e serviços nos últimos dois anos de contrato, corrige-se esse valor até a data da extinção do contrato/pagamento da Indenização Legal.

● Do valor global do faturamento atualizado da Concessionária nos últimos dois anos de contrato, deve ser extraída a média mensal. Em seguida, deve ser identificado o montante correspondente a 4% dessa média mensal.

● Os 4% da média mensal deverão ser projetados para um período correspondente à soma de uma parte fixa de 18 meses e de uma parte variável de três meses por quinquênio de vigência do contrato.

● Ou seja, projetando-se os 4% da média mensal de faturamento por um período de 18 meses, calculam-se as perdas e danos da denominada “parte fixa”.

● E, projetando-se os 4% da média mensal de faturamento, a uma variável de 3 meses por cada 5 anos de vigência do contrato, calcula-se a segunda parte dessa indenização – a “parte variável”.

● Por fim, as duas partes devem ser somadas.

Obtida a Indenização Legal, as partes deverão somá-la à Recompra do Estoque, às Indenizações por Investimentos e à Indenização Contratual, encontrando-se o valor total indenizável.

Por fim, em recurso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça 2 , restou decidido que as indenizações do art. 24 não são taxativas, admitindo-se cumulação com outras verbas indenizatórias caso assim as partes tenham convencionado.

*Priscila David Sansone Tutikian e Flávia Lanat Silveira são, respectivamente sócia e associada das práticas de Contratos Comerciais e Resolução de Conflitos – Contencioso do Veirano Advogados.

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