Governança do lixo: Norte e Nordeste apresentam piores índices

Governança do lixo: Norte e Nordeste apresentam piores índices
Pesquisadores apontam relação entre governança de resíduos sólidos e indicadores socioeconômicos/Pixabay
Publicado em 02/12/2024 às 10:56

Beatriz La Corte*

Arte: Joyce Tenório**

Pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP desenvolveram o Índice de Governança Municipal de Resíduos Sólidos (IGMRS), buscando viabilizar um diagnóstico da situação entre os municípios brasileiros. A ferramenta evidencia a vulnerabilidade na governança de resíduos em regiões com baixos indicadores socioeconômicos: Norte e Nordeste apresentam baixos índices, enquanto Sul e Sudeste apresentam melhores resultados.

O índice criado fez parte da pesquisa de doutorado de Camila Sasahara. Ela explica que a governança e a gestão de resíduos são fatores relacionados, mas muito diferentes. Enquanto o primeiro engloba a política de tomada de decisões, transparência e envolvimento social, o segundo se refere à implementação e operacionalidade desse processo. 

A pesquisadora explica a importância da criação de um índice de governança: “É preciso investigar além dos aspectos operacionais. Queremos avaliar se a sociedade está sendo ouvida pelos canais oficiais de comunicação e se o governo atende à Lei de Acesso à Informação, por exemplo”, explica Camila.

“Nosso objetivo era ampliar a discussão sobre os resíduos sólidos e contribuir para o estudo da governança, que ainda é algo pouco avaliado no meio acadêmico” Camila Sasahara

Mulher usando óculos e sorrindo
Camila Sasahara – Foto: Arquivo pessoal

Diagnósticos obtidos

O índice criado tem uma gradação de cinco níveis: muito ruim, ruim, médio, alto e muito alto. Aplicado em todos os 5.570 municípios brasileiros, o indicador mostrou que 26% destes apresentam nível médio de governança, 24% nível alto e 22% nível baixo.

Os pesquisadores observaram uma associação direta entre o Índice de Governança e o perfil socioeconômico dos municípios. Camila aponta que a titularidade da gestão de resíduos é municipal e que são necessários recursos financeiros e humanos para garantir a implementação efetiva das leis. Ela comenta que, apesar da alta qualidade regulatória do País, as condições para aplicar o arcabouço legal variam muito e evidenciam a desigualdade brasileira. Em nível regional, a situação não é diferente.

“A gente consegue ver isso no mapa: enquanto as regiões Sul e Sudeste têm os maiores índices socioeconômicos e de governança [de resíduos], o Norte e Nordeste têm os maiores desafios, como baixo acesso à informação governamental e falta de articulação integrada dos atores”, diz Camila.

O indicador é baseado em três pilares: Qualidade Regulatória, Voz e Accountability, e Eficácia do Governo. Grande parte dos municípios apresenta alta (31,5%) e muito alta (24%) Qualidade Regulatória. Em contraste, boa parte apresenta baixa Voz e Accountability (32%) e média Eficácia do Governo (27,8%).

Mapa do Brasil com o filtro de qualidade regulatória
Mapa do Brasil com o filtro de Voz e Accountability
Mapa do Brasil com o filtro de Eficácia do Governo

Três mapas do Brasil, cada um com a aplicação do filtro de cada pilar, em ordem: Qualidade regulatória, Voz e Accountability e Eficácia do Governo – Imagens reproduzidas das do artigo

Em entrevista ao Jornal da USP, Sylmara Dias, orientadora da pesquisa, explica a importância do índice: “A partir deste instrumento, podemos ter dimensão do problema em diferentes escalas”. 

Sylmara Dias – Foto: Reprodução/EACH-USP

Em nível federal, o IGMRS propicia um panorama para atuação de Ministérios. Em nível estadual, o gestor visualiza o cenário dos municípios de seu Estado e orienta suas ações. Em nível municipal, o responsável pode desdobrar o índice em outras ferramentas e tomar decisões localizadas. 

“O gestor pode observar se está faltando um Conselho de Meio Ambiente ou um Plano de Gestão integrado, por exemplo. O índice fornece um diagnóstico de onde o governo deve direcionar suas ações” Sylmara Dias

Metodologia 

O índice apresentado em artigo faz parte de uma série de publicações feitas pelo grupo de pesquisa. A equipe estuda a questão do lixo numa perspectiva interdisciplinar, e investiga desde a produção até o descarte e despejo no oceano. O grupo, coordenado pelo professor Alexander Turra, conta com a participação de gestores ambientais, oceanógrafos, veterinários, pedagogos e um engenheiro.

“Os problemas ambientais são multidimensionais, não adianta tentar combatê-los com só uma frente de conhecimento” , segundo Sylmara Dias, professora orientadora da pesquisa.

O estudo se baseou no Indicador Mundial de Governança, ferramenta adotada pelo Banco Mundial e reconhecida globalmente. Sylmara explica que esse parâmetro era fundamental para permitir a comparação entre o Brasil e outros países. Porém, na formulação do trabalho, os pesquisadores se preocuparam em adaptar o material ao contexto do Sul Global. 

As pesquisadoras apontam que o índice também pode ser utilizado por outras nações, especialmente as latino-americanas. “Os países do Sul Global apresentam uma série de características em comum, como a falta de dados disponíveis e a forte presença do sistema informal, à exemplo do trabalho dos catadores. Infelizmente, os números dessa produção não são bem registrados”, diz Sylmara. Ela afirma que a falta de dados foi um desafio, tanto para a pesquisa quanto para os cálculos estatísticos. 

O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) foi utilizado como base de dados para o estudo. Todos os municípios brasileiros têm a obrigação de declarar relatórios anuais sobre resíduos para a plataforma. Ainda assim, a pesquisadora aponta a fragilidade das informações: “Tem muita inconsistência, dados ausentes e errados”. Sylmara destaca que, apesar das limitações, a base era a mais robusta para o trabalho e os desafios da modelagem estatística ficaram sob responsabilidade do engenheiro Tiago Cetrulo.

Camila aponta que os dados sobre gestão de resíduos são mais completos do que as informações investigadas no estudo. Para ela, era preciso ir além dos aspectos operacionais e investigar a governança. “Queremos avaliar se a sociedade está sendo ouvida pelos canais oficiais de comunicação e se o governo atende à Lei de Acesso à Informação, por exemplo”, explica a pesquisadora. 

“Nosso objetivo era ampliar a discussão sobre os resíduos sólidos e contribuir para o estudo da governança, que ainda é algo pouco avaliado no meio acadêmico” Camila Sasahara

O artigo “Municipal Solid Waste Governance: development and application of an index embodying the Global South context” está disponível on-line e pode ser lido aqui. Com informações do Jornal da USP.

*Estagiária com orientação de Luiza Caires
**Estagiária com orientação de Moisés Dorado

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