Dia Internacional da Proteção de Dados: O Brasil está preparado para os desafios da privacidade digital?
Da redação de LexLegal
Neste 28 de janeiro, o Dia Internacional da Proteção de Dados ganha destaque em um mundo cada vez mais conectado e dependente de informações digitais. A data, criada para conscientizar governos, empresas e cidadãos sobre a importância de proteger informações pessoais, se torna ainda mais relevante diante do cenário de transformações tecnológicas. No Brasil, o tema tem avançado significativamente desde a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em 2018, que marcou um divisor de águas ao estabelecer diretrizes claras para o uso responsável de dados pessoais, garantindo maior segurança jurídica e proteção aos titulares.
Nos últimos anos, o país consolidou a proteção de dados como um direito fundamental, um marco reconhecido pela Emenda Constitucional 115/2022, que insere no Artigo 5º da Constituição o direito à proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais. Essa mudança reflete a urgência de acompanhar os desafios impostos pela digitalização e a crescente preocupação com o uso ético de informações em áreas como inteligência artificial, comércio eletrônico e redes sociais.
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Outro avanço importante foi a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), em 2018. Inicialmente vinculada ao Governo Federal, a ANPD foi elevada à categoria de autarquia especial em 2022, ganhando maior autonomia administrativa e financeira. Desde então, a entidade desempenha um papel essencial na regulamentação, fiscalização e conscientização sobre proteção de dados no país. Suas ações incluem a elaboração de normas técnicas, campanhas de educação digital e a aplicação de sanções administrativas a empresas que descumprirem a LGPD.
Paralelamente, empresas brasileiras têm mostrado avanços na implementação de programas de compliance e governança em proteção de dados. Embora a adequação não seja uniforme em todos os setores, há um crescente esforço, principalmente por parte de grandes corporações, para adotar práticas alinhadas às exigências da LGPD. Esse movimento vai além de uma exigência legal: trata-se de uma questão estratégica, em que a transparência no uso de dados é essencial para conquistar a confiança de consumidores e parceiros de negócios.
No entanto, o caminho não foi fácil. Empresas enfrentaram desafios para se adequar às exigências legais, enquanto cidadãos passaram a entender melhor seus direitos em relação ao uso de suas informações pessoais. A digitalização acelerada, impulsionada pela pandemia e pelo avanço de novas tecnologias, como a inteligência artificial, trouxe tanto benefícios quanto riscos, como vazamentos de dados e o uso inadequado de informações pessoais.
LexLegal conversou com dois especialistas que analisaram os avanços conquistados, os riscos emergentes e as lacunas que ainda precisam ser preenchidas para que o Brasil consolide uma cultura sólida de proteção de dados.
Avanços e desafios na proteção de dados no Brasil
Para o advogado especializado na área, Rodrigo Toler, o reconhecimento da proteção de dados como um direito fundamental foi um marco histórico. “A proteção de dados foi alçada a um direito fundamental de forma rápida, considerando que a LGPD foi publicada em 2018 e, em 2022, através da EC 115, foi incluído na Constituição Federal o Art. 5º, LXXIX, assegurando esse direito aos cidadãos.”
Desde a vigência da LGPD, o Brasil vivencia um processo contínuo de adaptação. Toler destaca que a implementação da lei não se resume a criar políticas estáticas, mas representa uma transformação cultural. “A adequação é orgânica e contínua. A coleta de dados, por exemplo, já é menor do que antes da vigência da LGPD, e hoje a lei exige que esses dados sejam coletados com finalidade bem definida e utilizando o mínimo possível.”
No entanto, Toler alerta para o impacto das novas tecnologias, como a inteligência artificial, que dependem do processamento massivo de dados. “Sistemas de IA podem revelar vulnerabilidades, falhas de segurança e impactos em direitos autorais e da personalidade. O objetivo da LGPD é equilibrar o uso ético dos dados pessoais com o desenvolvimento tecnológico e econômico”, ressalta.
Os riscos das novas tecnologias e a responsabilidade das empresas
A advogada Adriana Garibe, do Lemos Advocacia para Negócios, concorda que a LGPD trouxe avanços significativos, mas enfatiza os desafios impostos pela digitalização. “A inteligência artificial ampliou a coleta de dados em uma escala sem precedentes, frequentemente sem o devido cuidado. Isso pode resultar em violações de privacidade e discriminações algorítmicas, prejudicando grupos vulneráveis.”
Garibe também destaca que muitas empresas ainda não estão preparadas para lidar com a complexidade da LGPD. “Falta conhecimento técnico e políticas internas estruturadas. A capacitação contínua dos colaboradores é fundamental para criar um ambiente seguro e em conformidade com a lei”, explica.
Já Toler reforça que o processo de adaptação à LGPD deve ser liderado pela alta direção das empresas, influenciando boas práticas em todas as áreas. “Investir em governança de dados reduz riscos, evita incidentes cibernéticos e preserva a reputação empresarial. É uma questão de responsabilidade ética e competitividade no mercado.”
O papel da ANPD no fortalecimento da proteção de dados
A ANPD tem desempenhado um papel crucial na implementação e fiscalização da LGPD, segundo Toler. Ele destaca a transformação da ANPD em autarquia especial, que garantiu maior independência e eficiência ao órgão. “Hoje, a ANPD atua de forma mais intensa, publicando entendimentos vinculantes, realizando fiscalizações e promovendo aculturamento sobre proteção de dados.”
Entre as ações recentes da ANPD, Toler cita a suspensão da coleta de dados biométricos pela empresa responsável pelo projeto Worldcoin e a suspensão do uso de dados pela Meta para treinar sistemas de inteligência artificial generativa. “Essas ações mostram que a ANPD está atenta aos movimentos das grandes empresas de tecnologia e ampliando seu escopo de fiscalização para incluir empresas de médio e pequeno porte.”
Como os cidadãos podem se proteger?
A proteção de dados não é responsabilidade exclusiva das empresas e do governo. Os cidadãos também desempenham um papel essencial na defesa de seus direitos. Para Garibe, a conscientização é o primeiro passo. “É fundamental conhecer os direitos previstos na LGPD, como o acesso, correção e exclusão de dados pessoais.”
Ela aconselha cautela ao compartilhar informações pessoais e a leitura atenta das políticas de privacidade. “A transparência das empresas no tratamento de dados é crucial para construir uma relação de confiança com os consumidores.”
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Além disso, o uso de ferramentas de segurança, como gerenciadores de senhas e autenticação em dois fatores, pode aumentar a proteção. “Relatar violações de dados à ANPD também é uma forma de exercer os direitos garantidos pela LGPD”, reforça.
Avanços esperados e o futuro da proteção de dados
O Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, mas as bases estão lançadas. A ANPD continua ampliando sua atuação, com temas como compartilhamento de dados pelo setor público, tratamento de dados sensíveis e proteção de crianças e adolescentes na agenda regulatória de 2025/2026.
“Os dados pessoais formam um compilado da nossa personalidade. Por isso, é essencial criar um ecossistema que combine confiança no ambiente digital, segurança cibernética e inovação ética”, avalia Toler.
“A proteção de dados é mais do que uma questão legal; é um compromisso ético que beneficia toda a sociedade”, destaca Caribe.