Decisão judicial abre novo precedente para transporte de animais em voos no Brasil
Da redação de LexLegal
O transporte de animais em voos comerciais tem sido tema de discussões jurídicas e operacionais ao longo dos anos, principalmente em casos envolvendo falhas no serviço, mortes de pets e questões sobre animais de apoio emocional. O recente caso de uma família de Manaus, que conseguiu na Justiça o direito de viajar com três animais de suporte emocional, reacendeu o debate sobre regulamentações no setor aéreo. A decisão é um marco e pode influenciar a revisão das normas atuais, especialmente após casos trágicos como o do cachorro Joca.
A sentença da 11ª Vara Cível de Manaus autorizou uma família a embarcar com um gato e dois cães de apoio emocional. A medida foi tomada com base na Resolução 280/2013 da ANAC, que estabelece procedimentos para passageiros com necessidades especiais. A família comprovou que dois membros, sendo um menor de idade, estão no espectro autista e dependem dos animais para tratamentos multidisciplinares.
O advogado Yuri Fernandes Lima, do Bruno Boris Advogados, destaca o impacto dessa decisão no setor jurídico e na operação das companhias aéreas. “Essa autorização judicial cria um precedente importante. Ela abre margem para pedidos futuros de transporte de mais de um animal por pessoa, o que traz desafios financeiros, logísticos e de segurança para as companhias”, afirma.
Segundo Lima, a ausência de regulamentação detalhada sobre animais de apoio emocional na cabine gera inconsistências. “A ANAC permite que as companhias definam suas regras, mas há uma necessidade clara de padronização para evitar conflitos entre passageiros e tripulação.”
Históricos de tragédias e as mudanças no setor
O caso mais emblemático envolvendo o transporte de animais foi a morte do cachorro Joca, um Golden Retriever, durante uma conexão em Fortaleza, em abril do ano passado. O cão deveria seguir para Sinop (MT), mas foi embarcado no destino errado e morreu após retornar a São Paulo. A Gol admitiu falha operacional e suspendeu o transporte de animais por 30 dias.
Já o caso Zyon aconteceu em 2023 e envolveu a morte de um filhote de Golden Retriever em um voo da Latam. Zyon estava sendo transportado de Guarulhos (SP) para o Rio de Janeiro para encontrar sua nova tutora, mas faleceu antes mesmo de chegar ao destino. Ambos os casos geraram grande repercussão e levantaram debates sobre a segurança no transporte de animais em voos, especialmente quando feitos no porão das aeronaves.
Desde então, a Latam adotou mudanças significativas em suas políticas, como restrições de idade mínima para pets e novos padrões para caixas de transporte. Além disso, passou a aceitar apenas caixas de transporte de fibra de vidro, plástico rígido ou madeira para despacho no porão.
Léo Rosenbaum, sócio do Rosenbaum Advogados, enfatiza a responsabilidade das empresas. “Quando uma companhia aérea aceita transportar animais, ela assume uma obrigação objetiva de garantir a segurança e integridade dos pets. Nos casos de negligência, os tutores podem buscar indenizações com base no Código de Defesa do Consumidor.”
Regras Gerais para Transporte de Animais
A ANAC define que:
- Animais de Suporte Emocional e Cão-Guia: Podem viajar gratuitamente na cabine, desde que haja comprovação de treinamento e documentação necessária. Devem ficar deitados no chão, próximos ao tutor.
- Animais de Estimação: Dependendo do peso e tamanho, podem viajar na cabine ou no porão. As caixas de transporte devem permitir que o pet fique em pé e se mova com conforto.
- Documentação Necessária: A vacinação deve estar em dia, e o animal deve passar por um check-up veterinário.
As companhias têm liberdade para aceitar ou recusar o transporte de animais, mas precisam cumprir requisitos mínimos para garantir a segurança e o bem-estar dos pets.
O Papel das companhias aéreas
Diante do aumento das chamadas “famílias multiespécies”, as companhias aéreas têm ajustado suas políticas. A Gol, Latam e Azul implementaram medidas para reduzir os riscos, como priorizar o embarque de animais no porão e adotar sistemas de rastreamento. Contudo, casos de falhas ainda mobilizam a opinião pública e colocam as empresas sob escrutínio.
“O transporte de animais na cabine é mais seguro, mas há desafios de convivência com outros passageiros”, afirma Lima. Ele sugere a criação de espaços específicos nos aviões para minimizar conflitos.
Política nacional de transporte aéreo de animais
O Ministério de Portos e Aeroportos e a ANAC revisou a Portaria nº 12.307/2023 para estabelecer a Política Nacional de Transporte Aéreo de Animais, também conhecida como Plano de Transporte Aéreo de Animais (Pata). O objetivo é criar regras mais rígidas e detalhadas para o transporte de pets, abrangendo desde a rastreabilidade no porão até as condições para convivência na cabine.
Entre as novas medidas anunciadas, que começaram a valer no fim de 2024, os tutores poderão rastrear seus animais durante todas as etapas do transporte aéreo, do embarque ao desembarque, por meio de câmeras e aplicativos. Além disso, as companhias aéreas serão obrigadas a oferecer serviços veterinários de emergência para garantir o atendimento adequado em casos críticos.
Outro ponto importante do plano é a criação de um canal direto de comunicação com os tutores, que permitirá atualizações em tempo real sobre a situação do voo. Também está prevista a capacitação de profissionais do setor aéreo e o fortalecimento da fiscalização pela ANAC, que aplicará multas às empresas que descumprirem as normas.
Segundo o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, “haverá um trabalho coletivo da ANAC no sentido de fiscalizar, cobrar e multar as companhias aéreas que não atuem segundo o bom serviço de transporte animal”.
Léo Rosenbaum, especialista em direitos dos passageiros aéreos e sócio do Rosenbaum Advogados, reforça que a revisão é essencial para evitar tragédias e morte de animais. “As empresas devem adotar padrões internacionais e treinar funcionários para lidar com animais. Além disso, é necessário que o governo fiscalize e puna eventuais negligências”, destaca.
O que fazer em caso de problemas?
Em casos de má prestação de serviço, os tutores podem buscar reparação judicial. “As companhias aéreas respondem objetivamente pelos danos causados. Isso inclui tanto os materiais, como o valor do animal, quanto os morais, pelo sofrimento gerado”, explica Rosenbaum.
Mas antes de acionar a Justiça, é recomendável buscar diálogo com a companhia aérea e reunir provas, como fotos, laudos veterinários e recibos de despesas.
O transporte de animais em voos requer equilíbrio entre as necessidades dos tutores, o bem-estar dos pets e a segurança dos passageiros. Casos como o da família de Manaus, do cão Joca e de outros milhares de brasileiros que precisam transportar seus animais de estimação diariamente mostram a importância de regulamentações claras e da responsabilidade das empresas aéreas.