Brasil bate recorde de pedidos de recuperação judicial em 2024: o que esperar para 2025?

Brasil bate recorde de pedidos de recuperação judicial em 2024: o que esperar para 2025?
Empresas do setor sucroenergético podem enfrentar um cenário adverso devido à volatilidade dos preços internacionais do açúcar e do etanol, além da concorrência crescente/Agência Brasil
Publicado em 30/01/2025 às 7:55

Da redação de LexLegal

O Brasil registrou um número histórico de pedidos de recuperação judicial em 2024, superando o recorde anterior de 2016. Com 1.927 processos até outubro, a expectativa é de que esse número ultrapasse 2.200 até o fechamento do ano. O cenário preocupante levanta questionamentos sobre os setores mais vulneráveis em 2025 e as estratégias necessárias para evitar colapsos financeiros ainda maiores.

A recuperação judicial, popularmente conhecida como RJ, é um mecanismo legal utilizado por empresas em dificuldades financeiras para renegociar suas dívidas e evitar a falência. Criado pela Lei 11.101/2005, esse recurso permite que a companhia continue operando enquanto reestrutura suas obrigações com credores. Porém, o aumento expressivo nos pedidos indica que as empresas brasileiras estão enfrentando um ambiente econômico cada vez mais desafiador.

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O que está por trás desse aumento?

De acordo com Filipe Denki, sócio do Lara Martins Advogados e especialista em Reestruturação Empresarial, o crescimento dos pedidos de recuperação judicial está relacionado a uma combinação de fatores econômicos internos e externos. “A alta taxa de juros, o crescimento da inadimplência, a inflação persistente, a instabilidade política e a crise no agronegócio são os principais fatores que impulsionaram esse recorde de RJs em 2024”, explica.

Além disso, a recuperação judicial tem sido amplamente adotada no setor do agronegócio, especialmente por produtores rurais pessoas físicas, que antes não recorriam a esse mecanismo com tanta frequência. Com o endividamento crescente e a dificuldade de acesso a crédito, muitas dessas empresas foram forçadas a buscar proteção judicial para evitar a falência.

O cenário externo também tem seu peso. “A nova presidência dos Estados Unidos com Trump à frente, a guerra na Ucrânia, a desaceleração da economia chinesa e as incertezas geopolíticas afetam diretamente os mercados brasileiros, pressionando ainda mais a economia e os setores produtivos”, ressalta Denki.

Perspectivas para 2025: um ano ainda mais desafiador

As projeções para 2025 não são animadoras. O Banco Central estima um crescimento do PIB de apenas 2,0%, enquanto a inflação pode se manter acima da meta de 3% ao ano. Além disso, a taxa Selic, que atualmente está em 12,25%, pode subir para 14,25% no primeiro trimestre de 2025, com possibilidade de atingir 15% ao longo do ano.

“O desequilíbrio fiscal continua sendo um grande problema. O aumento dos gastos públicos sem um crescimento proporcional da arrecadação pode comprometer ainda mais a estabilidade econômica. A eficácia do novo arcabouço fiscal será essencial para evitar um colapso financeiro”, alerta o advogado.

Diante desse contexto, especialistas acreditam que os pedidos de recuperação judicial continuarão crescendo em 2025, seguindo a tendência observada em 2024. O impacto será sentido principalmente em setores estratégicos da economia.

Quais setores serão os mais afetados?

Segundo analistas, os setores mais vulneráveis em 2025 incluem:

Aviação: Companhias aéreas sofrem com custos elevados em dólar, especialmente com combustíveis e leasing de aeronaves, além da redução na demanda por viagens.

Varejo: O setor já enfrentou dificuldades em 2024 e deve continuar sentindo os impactos da retração no consumo, alta inadimplência e dificuldades na obtenção de crédito.

Agropecuária: A crise no setor do agronegócio se intensificou com o aumento do dólar e a dificuldade de acesso a crédito, levando muitos produtores a recorrerem à RJ para reestruturar suas dívidas.

Sucroalcooleiro: Empresas do setor sucroenergético podem enfrentar um cenário adverso devido à volatilidade dos preços internacionais do açúcar e do etanol, além da concorrência crescente.

Para Liv Machado, sócia da prática de Reestruturação e Falência do Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown, as empresas de setores como aviação, varejo e agronegócio têm enfrentado dificuldades específicas durante o processo de recuperação judicial principalmente devido à natureza de seus contratos e de seus ativos, os quais nos termos da lei incorrem em um grande volume de créditos extraconcursais, aqueles que não podem ser renegociados dentro do processo de recuperação judicial e podem ser objeto de execução pelos credores. Exemplos disso incluem o leasing de aeronaves no setor de aviação e a alienação fiduciária de commodities no agronegócio.

Esse tipo de particularidade torna o processo mais complexo, uma vez que ao não poder renegociar um grande volume de dívidas dentro do procedimento de recuperação judicial, essas empresas acabam enfrentando procedimento autônomos que levam a excussão de seus ativos.

“Por exemplo, no setor de aviação as empresas frequentemente têm aeronaves arrendadas por meio de contratos de leasing, que não estão sujeitos à recuperação judicial, de forma que a companhia aérea, mesmo em recuperação, não consegue reestruturar ou renegociar esses contratos. Uma demonstração notória da sobrecarga financeira que a ausência de possibilidade de reestruturação das dívidas referentes a este tipo de instrumento pode causar é clara quando da análise dos termos da falência da Avianca”, explica a advogada.

Já no agronegócio, segundo a especialista, é comum que as empresas deem em alienação fiduciárias a seus credores parte de sua produção agrícola, inclusive futura. “Esse tipo de garantia não se sujeita ao processo de recuperação judicial, de forma que o bem alienado pode ser retomado pelo credor em caso de inadimplemento. A estrutura em questão, no entanto, representa obstáculo para empresas do agronegócio uma vez que o inadimplemento de um contrato presente poderá vir a prejudicar todas as safras futuras, que não poderão ser utilizadas para a reestruturação financeira da empresa.

“Como resultado dessas dificuldades, temos visto muitas grandes empresas como a Latam, Gol e a Mercon (na área de café) ajuizando Chapter 11 perante cortes estrangeiras, que equivale ao processo de reestruturação brasileira”, destaca Machado.

O Chapter 11 (Capítulo 11) é um dispositivo da legislação dos Estados Unidos que permite que empresas em dificuldades financeiras reorganizem suas dívidas e continuem operando sob supervisão judicial. Ele faz parte do Código de Falências dos EUA e é frequentemente usado por grandes corporações para evitar a liquidação completa.

A pressão econômica sobre esses setores pode resultar em um número ainda maior de pedidos de recuperação judicial ao longo do ano. Empresas precisarão adotar estratégias mais eficazes para evitar a insolvência e garantir sua sobrevivência no mercado.

Alternativas para evitar a recuperação judicial

Com um cenário desafiador pela frente, empresas precisarão buscar alternativas para evitar a recuperação judicial e minimizar os impactos financeiros. Algumas das principais estratégias incluem:

Renegociação de dívidas: Antes de recorrer à RJ, muitas empresas tentam renegociar suas obrigações com bancos e credores para aliviar a pressão financeira.

Recuperação extrajudicial: Uma opção menos burocrática que a recuperação judicial, permitindo que a empresa negocie diretamente com credores sem precisar de um processo na Justiça.

Corte de custos e reestruturação: Redução de despesas operacionais, otimização de processos internos e revisão de contratos podem ajudar a manter a sustentabilidade do negócio.

Atração de novos investimentos: Empresas com dificuldades financeiras podem buscar investidores estratégicos que possam aportar capital e ajudar na retomada das operações.

“O cenário exige que gestores e empresários fiquem atentos às mudanças no mercado, adotem uma gestão financeira rigorosa e busquem alternativas viáveis para enfrentar a crise. Muitas vezes, uma boa negociação pode evitar processos desgastantes e de alto custo”, avalia Filipe Denki.

“Acredito que existem vários sinais de alerta que podem indicar a necessidade de uma reestruturação antecipada, sendo que os mais notáveis sempre serão o fluxo de caixa afetado, aumento da dívida de curto prazo, bem como algum vencimento de dívida mais substancial, como uma dívida bancária ou bonds, sem que a empresa possa arcar com os pagamentos”, alerta Machado.

Para os advogados da área, a recuperação extrajudicial tem se destacado como uma alternativa eficaz ao processo de recuperação judicial principalmente em razão de aspectos como celeridade, preservação da autonomia da empresa e menor custo, que se dá por meio de negociação direta entre o devedor e seus credores.

Apesar do cenário difícil, 2025 também pode trazer oportunidades para empresas que conseguirem se adaptar rapidamente às mudanças. A busca por eficiência, inovação e estratégias bem planejadas será essencial para evitar dificuldades financeiras e manter a competitividade no mercado.

Com um ambiente econômico instável e desafios cada vez maiores, estar preparado para lidar com crises financeiras e buscar soluções antes que a recuperação judicial se torne inevitável será um diferencial para as empresas que desejam não apenas sobreviver, mas também crescer em meio à adversidade.

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