Quais as consequências das pretensões expansionistas de Trump para o Brasil e o mundo?
Luciano Teixeira – São Paulo
As declarações de Donald Trump sobre a possível anexação da Groenlândia e outras regiões estratégicas, como o Canadá e o Canal do Panamá, causaram forte repercussão global. Líderes europeus expressaram duras críticas às intenções expansionistas do presidente eleito dos Estados Unidos, enquanto analistas políticos e econômicos discutem os impactos dessas declarações em um mundo cada vez mais polarizado.
A Groenlândia, território autônomo da Dinamarca, possui importância estratégica tanto para os Estados Unidos quanto para a Europa. Com vastos recursos naturais, incluindo metais raros utilizados em tecnologias avançadas, e sua localização geopolítica no Ártico, a ilha tornou-se um ponto de interesse para grandes potências.
A região é rica em petróleo, gás natural e metais de terras raras, essenciais para a transição energética e a produção de tecnologia militar. Com o derretimento das calotas polares, novas rotas marítimas e oportunidades de exploração estão surgindo, aumentando a relevância estratégica do Ártico. Historicamente, os EUA já tentaram adquirir a Groenlândia, como em 1946, quando ofereceram US$ 100 milhões à Dinamarca, sem sucesso.
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“Trump enxerga no derretimento do Ártico uma oportunidade econômica e geopolítica. Embora ele minimize as questões climáticas, sua estratégia busca fortalecer a presença dos EUA na região. A Groenlândia é essencial para a segurança dos EUA, mas também para a Europa. As declarações de Trump, mesmo que pareçam bravatas, têm impactos reais no cenário geopolítico, especialmente em um momento de tensões crescentes entre grandes potências”, afirma José Renato Ferraz da Silveira, especialista em política externa e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no Rio Grande do Sul.
A maior potência militar do planeta possui uma base aérea, a Pituffik Space Base, na Groenlândia – um posto avançado estratégico entre Moscou e Nova York, equipado com sistemas de alerta de mísseis.
A resposta europeia
Líderes como Jean-Noël Barrot, chanceler francês, e Steffen Hebestreit, porta-voz do governo alemão, repudiaram as declarações de Trump, classificando-as como ameaças à soberania territorial. A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, foi ainda mais incisiva ao afirmar que “a Groenlândia pertence aos groenlandeses” e que qualquer tentativa de negociação é inaceitável. A União Europeia também reforçou que considera a Groenlândia parte de seu território estratégico.
Roberto Dumas, especialista em relações internacionais e professor de economia chinesa do Insper em São Paulo explica que a reação europeia demonstra a unidade em torno da defesa das fronteiras soberanas, especialmente em tempos de incerteza global. “Trump parece estar testando os limites da diplomacia tradicional”, diz.
Interesses no Canal do Panamá e no Canadá
Além da Groenlândia, Trump mencionou o interesse no Canal do Panamá e em áreas do Canadá, gerando inquietação nesses países. O presidente do Panamá, Javier Martínez-Acha, afirmou categoricamente que o canal “não está à venda e nunca estará”, enquanto o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau declarou que não há “a menor chance” de uma fusão entre os dois países.
A posição do Panamá é reforçada pelo controle estratégico do canal, vital para o comércio marítimo global. Já no Canadá, as declarações de Trump sobre a fronteira, considerada por ele uma “linha artificial”, foram vistas como provocação. “Embora seja improvável que os EUA avancem militarmente contra o Canadá, as declarações de Trump evidenciam uma visão expansionista que preocupa aliados históricos”, analisa Dumas.
Repercussões para o Brasil e o cenário global
Para o Brasil, que busca consolidar acordos comerciais com a União Europeia e aumentar sua influência no cenário internacional, as tensões globais representam um desafio, um jogo de xadrez no tabuleiro internacional.
“O Brasil precisa adotar uma postura equilibrada. Por um lado, aprofundar parcerias com os BRICS e outras economias emergentes; por outro, manter boas relações com os EUA e a Europa, especialmente em tempos de volatilidade”, analisa Silveira.
“A desvalorização do euro e as instabilidades nos mercados globais tendem a impactar o real e outros mercados emergentes. Trump, com suas declarações, está ampliando a polarização e enfraquecendo alianças tradicionais”, avalia Dumas.
As movimentações de Trump trazem à tona questões fundamentais sobre a estabilidade do sistema internacional. A União Europeia, por exemplo, enfrenta um dilema: reforçar suas alianças com os EUA ou buscar maior independência em suas políticas externas.
“Com a OTAN sob pressão e declarações como essas, há uma tendência de fortalecimento de blocos regionais. No entanto, isso pode levar a conflitos econômicos e diplomáticos ainda mais intensos”, afirma Dumas.
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Embora muitos analistas considerem as declarações de Trump como retórica destinada a sua base política, a gravidade das reações globais mostra que essas falas têm consequências práticas. A Groenlândia, o Canadá e o Canal do Panamá são símbolos de um mundo em disputa, onde interesses econômicos e estratégicos se sobrepõem às alianças históricas.
“Estamos diante de um cenário onde antigos aliados podem se tornar adversários. Isso revela uma nova dinâmica nas relações internacionais, impulsionada por líderes que desafiam as convenções”, conclui Dumas.
“É um momento crítico de redefinição do tabuleiro geopolítico global. As declarações de Trump, sejam bravatas ou intenções reais, evidenciam uma busca por um unilateralismo agressivo que desafia as alianças tradicionais e amplia as incertezas internacionais”, destaca Silveira.
A presidência de Trump colocará à prova a força das alianças globais e a capacidade dos países em defender seus interesses soberanos ainda em 2025.