A nova era das relações Brasil-EUA: O que muda com Trump no poder?
Luciano Teixeira – São Paulo
A posse de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos nesta segunda-feira marca uma nova era de relações políticas e governamentais entre os dois países. O Brasil enfrenta um cenário de incertezas e oportunidades nas relações bilaterais. A administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sinaliza uma abordagem pragmática diante das posições protecionistas e nacionalistas do republicano, buscando equilibrar interesses econômicos, diplomáticos e estratégicos. LexLegal conversou com especialistas para avaliar os possíveis desdobramentos desse novo capítulo nas relações entre os dois países, incluindo comércio, geopolítica e economia.
Embora Trump e Lula representem espectros ideológicos opostos, ambos têm demonstrado disposição para manter um canal de diálogo. O Brasil busca evitar tensões desnecessárias, especialmente em temas sensíveis como a Venezuela, onde os Estados Unidos devem endurecer sanções contra o regime de Nicolás Maduro. No entanto, o Brasil pretende equilibrar suas críticas ao regime venezuelano com uma postura diplomática que evite rupturas na região.
Por outro lado, Trump já indicou que pode adotar uma postura mais assertiva em relação à América Latina, buscando conter a influência da China na região. Nesse sentido, o Brasil, como maior economia sul-americana, pode desempenhar um papel estratégico nas negociações entre os dois países.
“O foco estratégico dos Estados Unidos continuará sendo o Pacífico e a Europa, deixando a América Latina em segundo plano. No entanto, políticas comerciais agressivas podem impactar o Brasil, principalmente nos setores de aço e mineração”, destaca José Renato Ferraz da Silveira, especialista em política externa e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no Rio Grande do Sul.
Um dos principais pontos de preocupação para o Brasil é o potencial aumento das tarifas comerciais sobre produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, especialmente nos setores agropecuário e siderúrgico. Trump já ameaçou adotar medidas tarifárias contra países do Brics que avançarem na desdolarização de suas relações comerciais. Como o Brasil é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas e minerais para os EUA, medidas protecionistas poderiam prejudicar significativamente esses setores.
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“O protecionismo é a marca registrada do governo Trump, e seu retorno ao poder tende a reforçar o lema ‘América para os americanos’, o que pode impactar diretamente países exportadores, como o Brasil. Será crucial acompanhar como essas medidas se traduzem na prática nos primeiros 100 dias de governo”, analisa Alvaro Bandeira, coordenador de economia da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) Brasil.
“O governo Trump tende a adotar uma postura mais unilateral, priorizando os interesses americanos em detrimento da cooperação multilateral. Isso pode prejudicar o Brasil, especialmente em áreas como exportação de commodities e desenvolvimento de infraestrutura”, diz Silveira.
Além disso, a manutenção de políticas econômicas que fortalecem o dólar pode aumentar o custo das importações brasileiras, pressionando a inflação e os juros no Brasil. Durante o primeiro mandato de Trump, a moeda americana se valorizou em 13%, cenário que pode se repetir caso as tensões comerciais se intensifiquem.
“A economia americana demonstra resiliência com inflação sob controle e desemprego abaixo de 5%, o que, aliado à autonomia do Fed, deve manter o dólar valorizado. Isso cria um ambiente desafiador para mercados emergentes, mas com oportunidades para quem souber navegar o cenário”, avalia Bandeira.
“A valorização do dólar, resultado de um possível protecionismo e políticas inflacionárias de Trump, pode pressionar ainda mais as moedas emergentes, como o real. Isso pode ser um complicador para o Brasil, especialmente em um cenário de exportações mais restritas”, explica Roberto Dumas, professor de economia chinesa do Insper, em São Paulo.
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Apesar das ameaças de tarifas, o agronegócio brasileiro pode se beneficiar da guerra comercial entre os EUA e a China. Caso Trump eleve as tarifas sobre produtos chineses, a demanda por commodities brasileiras, como soja e milho, pode crescer no mercado asiático. Contudo, a desaceleração econômica da China pode limitar esse impacto positivo.
“Trump tem uma postura mais protecionista e não hesitará em adotar tarifas, inclusive para produtos do Brasil e da União Europeia. Isso pode afetar setores como o aço e a agricultura. No entanto, um possível confronto com a China pode aumentar as importações agrícolas brasileiras pelo país asiático, o que seria positivo para o nosso agronegócio”, pontua Dumas.
Por outro lado, o Brasil enfrenta concorrência direta com os EUA em setores como o de carnes e etanol, o que exige estratégias de diversificação de mercados e aumento da competitividade.
A transição energética global e a crescente demanda por minerais estratégicos, como lítio e níquel, oferecem uma oportunidade única para o Brasil ampliar sua participação no mercado norte-americano. A crescente rivalidade entre EUA e China aumenta o interesse de Washington por fornecedores alternativos, e o Brasil pode se posicionar como um parceiro estratégico nessa área.
Em relação ao mercado financeiro, Álvaro Bandeira destaca que a equipe formada por Donald Trump para seu novo mandato inspira confiança entre investidores. Segundo o economista, os nomes escolhidos para cargos estratégicos, como o secretário do Tesouro, já demonstraram competência e estabilidade durante audiências no Congresso, o que tende a transmitir segurança aos mercados globais. Esse fator, combinado com a perspectiva de desregulamentação econômica, reforça a expectativa de um ambiente favorável ao crescimento das empresas nos Estados Unidos.
No entanto, Bandeira ressalta que a atenção deve estar voltada para as primeiras ações concretas do governo, particularmente na área de política comercial. Medidas protecionistas, como a imposição de tarifas sobre importações, têm potencial de alterar significativamente as dinâmicas do comércio internacional. “Essas decisões iniciais serão cruciais para definir o rumo das relações comerciais e o comportamento dos mercados nos próximos meses”, afirma.
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Além disso, os conflitos geopolíticos são outro elemento de incerteza que pode influenciar o cenário global. Questões envolvendo a Rússia, ou mesmo mudanças na abordagem americana em relação ao Oriente Médio, podem gerar instabilidade em regiões sensíveis. Para Bandeira, é fundamental que investidores acompanhem de perto o desenvolvimento dessas situações, já que podem desencadear flutuações nos mercados de câmbio, commodities e ações, refletindo diretamente nas economias de diversas nações.
O tabuleiro geopolítico
Trump deixou claro que a contenção da influência chinesa será uma prioridade em seu governo, o que pode gerar atritos com o Brasil, dado o estreito relacionamento comercial entre os dois países. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, responsável por 28% das exportações brasileiras em 2024, enquanto os EUA correspondem a 12%. Caso os Estados Unidos pressionem o Brasil a adotar uma posição menos favorável à China, o governo brasileiro precisará equilibrar seus interesses econômicos e estratégicos.
A aversão de Trump a organizações multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a ONU, representa um desafio para o Brasil, que historicamente defende o fortalecimento dessas instituições. A postura isolacionista dos EUA pode dificultar a cooperação global em questões como mudanças climáticas, comércio internacional e resolução de conflitos regionais.
A política de endurecimento contra a Venezuela anunciada por Trump pode gerar divergências com o Brasil, que tem adotado uma abordagem diplomática mais moderada. O novo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, já sinalizou a intenção de rever permissões comerciais com a Venezuela, o que pode impactar indiretamente as relações com o Brasil, que busca manter sua liderança regional por meio do diálogo.
Tecnologia, investimentos e parcerias
A relação estreita de Donald Trump com empresários do setor tecnológico, como Elon Musk e Mark Zuckerberg, deve desempenhar um papel crucial na definição das políticas digitais em seu novo mandato. A recente proibição do TikTok nos Estados Unidos, alegando preocupações com segurança nacional e o uso de dados pela empresa chinesa ByteDance, intensificou as tensões entre Washington e Pequim.
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Essa medida, implementada no último domingo (19), reflete os esforços de proteção cibernética e contenção da influência chinesa em plataformas digitais. No entanto, a decisão tem gerado críticas por limitar a liberdade de expressão e restringir o acesso à tecnologia para milhões de usuários americanos. Com a posse de Trump, analistas apontam que essa proibição pode ser reavaliada, especialmente devido ao perfil comercial de sua gestão.
Trump pode optar por flexibilizar as restrições ao TikTok, transformando a questão em moeda de troca para negociações comerciais mais amplas com a China. Isso poderia incluir a exigência de maior controle por empresas americanas sobre os dados dos usuários e operações locais da plataforma.
Paralelamente, a política de regulação das grandes plataformas digitais também deve passar por mudanças significativas. A Meta, controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp, anunciou recentemente uma revisão ampla de suas políticas internas, alinhando-se a temas que ressoam com a abordagem do governo Trump.
Entre as mudanças, destaca-se a flexibilização nas diretrizes de diversidade e inclusão, um movimento que gerou debates sobre o compromisso das empresas de tecnologia com políticas progressistas. A Meta também pretende reforçar o uso de inteligência artificial para a moderação de conteúdo, ampliando o alcance das ferramentas automatizadas para gerenciar postagens e interações, enquanto adota maior flexibilidade na gestão de anúncios políticos.
Além disso, a proximidade de Trump com Elon Musk, proprietário do X (antigo Twitter), pode favorecer iniciativas mais flexíveis em relação à moderação de conteúdo e ao controle das redes sociais. Musk já defendeu a necessidade de maior liberdade de expressão nas plataformas digitais, o que pode se alinhar ao discurso de Trump. A combinação entre a possível liberação do TikTok, as mudanças nas políticas da Meta e o fortalecimento do poder de grandes empresários do setor tecnológico indica que a política digital será um dos eixos centrais da nova administração, com implicações diretas nas relações comerciais e tecnológicas globais.
No Brasil, o governo federal tem avançado em propostas de regulação das redes sociais, como o projeto de Lei das Fake News, que enfrenta resistência das gigantes da tecnologia. Pressões externas, combinadas com a retórica do governo Trump, podem dificultar a aprovação dessas medidas.
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Apesar das tensões em algumas áreas, o Brasil pode explorar oportunidades de investimento com os EUA em infraestrutura, energia limpa e tecnologia. A busca por parcerias estratégicas para contrabalançar a influência chinesa na América Latina pode levar o governo Trump a priorizar projetos conjuntos com o Brasil.
Especialistas destacam que o pragmatismo será essencial para navegar nas complexas relações com o governo Trump. “Para o Brasil, é essencial manter relações diplomáticas estáveis com o governo Trump, especialmente diante da ameaça de tarifas sobre produtos agrícolas. Qualquer movimento nesse sentido pode prejudicar setores fundamentais da nossa economia”, pontua Bandeira.
A posse de Donald Trump marca o início de uma nova etapa nas relações entre Brasil e Estados Unidos, cheia de desafios e oportunidades. Enquanto o protecionismo americano e as tensões geopolíticas representam riscos para a economia brasileira, a busca por um diálogo pragmático e por novas parcerias pode abrir caminhos promissores. O Brasil terá que equilibrar seus interesses regionais e globais, mantendo sua liderança na América Latina e explorando as oportunidades que surgirem em meio às incertezas.